quarta-feira, 17 de abril de 2019
Renan Barbosa, de Brasília, para a Gazeta do Povo:
Alvo de questionamentos e críticas duras na imprensa, em redes
sociais e em aplicativos de mensagens, o Supremo Tribunal Federal (STF)
tem reagido mal e contribuído para a instabilidade política no país,
naquela que é a mais grave crise institucional provocada pelo Judiciário
desde a redemocratização.
Iniciada com a instalação de um inquérito por iniciativa do próprio
presidente da Corte para reagir a críticas de setores do Ministério
Público a alguns integrantes do STF que seriam supostamente lenientes
com a corrupção, a crise escalou nos últimos dias para decisões contra a
imprensa e censura a perfis de redes sociais.
A bomba explodiu nesta segunda-feira (15), quando veio a público uma
decisão do ministro Alexandre de Moraes de mandar tirar do ar o conteúdo
de uma reportagem da revista digital Crusoé, reproduzida pelo portal O
Antagonista, que aponta a existência de uma declaração do empreiteiro
Marcelo Odebrecht nos autos da força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba,
revelando que o “amigo do amigo do meu pai” na planilha da empreiteira
seria o atual presidente do STF, o ministro Dias Toffoli.
A decisão gerou uma enxurrada de críticas de organizações como a
Transparência Internacional e a Associação Brasileira de Jornalismo
Investigativo (Abraji), de membros do Ministério Público e de
parlamentares, reacendendo a pressão pela instalação de CPI para
investigar os tribunais superiores, apelidada de “CPI da Lava Toga”.
Pesou nesse cenário que a decisão de Moraes tenha se dado no âmbito do
inquérito 4.781, aberto por iniciativa do próprio Dias Toffoli em 14 de
março e designado, sem sorteio, para a relatoria do ministro. O
inquérito está sob sigilo e também é alvo de intensas críticas e
questionamentos judiciais por contrariar uma série de dispositivos
legais.
Nesta terça-feira (16), no âmbito do mesmo inquérito, a Polícia
Federal cumpriu mandados de busca e apreensão contra sete alvos em São
Paulo, Goiás e Distrito Federal, incluindo o general da reserva Paulo
Chagas, que concorreu ao governo do DF nas eleições de outubro. Moraes
também mandou bloquear o acesso às redes sociais dos investigados e
disse ver em postagens não apenas indícios de crimes contra a honra, mas
também de “propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração
da ordem política e social”, o que parece atrair os crimes previstos na
Lei 7.170/1983, a Lei de Segurança Nacional.
No início da tarde, porém, a procuradora-geral da República (PGR),
Raquel Dodge, reagiu com força e enviou ao STF uma manifestação de
arquivamento do inquérito 4.781, uma medida que procuradores críticos ao
procedimento já defendiam, embora nada comum no tribunal. No despacho,
Dodge afirmou que o STF não tem competência para tocar sozinho a ação e
que as provas e procedimentos deferidos até aqui não poderão ser
aproveitados.
“Nenhum elemento de convicção ou prova de natureza cautelar produzida
será considerada pelo titular da ação penal [MPF] ao formar sua opinio
delicti(opinião sobre o delito). Também como consequência do
arquivamento, todas as decisões proferidas estão automaticamente
prejudicadas”, escreveu a procuradora.
Moraes ignorou o parecer e manteve aberto o inquérito, por entender
que o MPF não tem competência para trancar o procedimento. “O sistema
acusatório de 1988 concedeu ao Ministério Público a privatividade da
ação penal pública, porém não a estendeu às investigações penais,
mantendo a presidência dos inquéritos policiais junto aos delegados de
Polícia Judiciária e, excepcionalmente, no próprio Supremo Tribunal
Federal, por instauração e determinação de sua Presidência, nos termos
do 43 do Regimento Interno”, escreveu no despacho. E foi duro: afirmou
que a manifestação de Dodge se baseia em “premissas absolutamente
equivocadas” e “ilegal e inconstitucionalmente” tenta reverter decisões
judiciais.
Enquanto a queda de braço entre Moraes e Dodge se desenrolava, a
Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) ingressou no STF
com um habeas corpus coletivo e preventivo com pedido de salvo-conduto
para “todos os membros da Associação Impetrante que encontram-se sob
premente risco de sofrer constrangimento ilegal por fatos derivados do
exercício de suas funções” e para os sete alvos da operação ocorrida na
manhã desta terça-feira.
Ainda não há clareza, entretanto, sobre o que poderá ser feito com as
provas colhidas pelo inquérito 4.781, já que a PGR manifestou-se pela
ilegalidade do procedimento e não deve aproveitar os elementos colhidos
pela Polícia Federal a mando de Moraes. Ao portal Congresso em Foco, o
ministro do STF Marco Aurélio Mello afirmou nunca ter visto nada
parecido no tribunal e que a tendência é que o plenário arquive o
inquérito.
“O titular de uma possível ação penal é o MPF (Ministério Público
Federal). Se ele entende que não há elementos sequer para investigar,
muito menos terá para propor ação penal. Os inquéritos em geral, quando o
Ministério Público se pronuncia pelo arquivamento, nós arquivamos. Essa
tem sido a tradição no tribunal”, declarou.
Crise reflete diferentes quedas de braços entre instituições e opinião pública
“As decisões abusivas e ilegais reforçam a necessidade de CPI. O
Senado cada vez mais percebe essa urgência”, disse o senador Alessandro
Vieira (Cidadania-SE), autor de dois requerimentos para instalação da
CPI da Lava Toga. O primeiro foi arquivado por decisão do presidente do
Senado, David Alcolumbre (DEM-AP). O segundo já foi rejeitado pela
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da casa, seguindo o relatório
do senador Rogério Carvalho (PT-SE), mas aguarda decisão final do
plenário.
Desde o início da discussão, ministros do STF vêm se movimentando
para ajudar a enterrar a CPI. Alguns deles acreditam que as críticas à
corte estão partindo de uma rede coordenada e remunerada.
Nos bastidores, a avaliação de interlocutores do presidente do STF é
que, embora Dias Toffoli tenha prometido priorizar o equilíbrio entre os
poderes, com abertura do ano legislativo e os reiterados pedidos de
impeachment de ministros da corte, CPIs e a ameaça de uma nova emenda à
Constituição para reverter a PEC da Bengala e tentar aposentar
compulsoriamente ministros do tribunal, além das críticas pesadas que
procuradores têm feito a alguns ministros da corte, Toffoli resolveu
partir para o ataque. Subiu o tom das declarações e tirou da gaveta o
inquérito que, na prática, dá poderes ao STF para investigar qualquer
crítica ao tribunal.
“O que o Supremo Tribunal Federal está fazendo não tem precedência na
história do Judiciário no mundo. É inconstitucional, é descabido, é o
óbvio o que foi decidido pela procuradora-geral da República. Eu só vou
achar o fim do mundo se o Supremo Tribunal Federal ignorar este parecer
da Procuradoria-Geral da República”, disparou o senador Randolfe
Rodrigues (Rede-AP). “Eu rogo aos membros de bom senso do STF que
restabeleçam a ordem constitucional. O que nós temos assistido nas
últimas 48 horas é um escárnio à Constituição”, disse ainda.
Governo vai atuar em nome de estabilidade institucional?
No Congresso, setores que apoiam uma investigação do Poder Judiciário
apostam que o governo de Jair Bolsonaro (PSL) e o presidente do Senado,
David Alcolumbre (DEM-AP), estão trabalhando para evitar maiores
atritos com o Supremo em nome da “estabilidade institucional”. A
impressão de que o governo quer evitar maiores problemas foi reforçada
pela manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU) na ação que a Rede
Sustentabilidade move no STF contra o inquérito 4.781.
No parecer, a AGU afirmou não ver nenhuma ilegalidade na instalação
do inquérito no tribunal. A relatoria da ação é do ministro Edson Fachin
e, na prática, é o caminho mais rápido para que o plenário do Supremo
decida sobre a questão. Nesta terça-feira, Fachin solicitou em despacho
informações sobre o inquérito a Alexandre de Moraes.
A “operação abafa” da CPI da Lava Toga encontra eco também na
oposição. Parte do centrão, PT, MDB e PSB – que deram a maioria dos
votos contrários à CPI na CCJ do Senado – enxergam no movimento de
contestação do STF, se acabar resultando em impeachment de algum
ministro, uma chance de Bolsonaro indicar mais de dois ministros em seu
primeiro mandato. Pelas regras atuais, Celso de Mello se aposenta em
2020 e Marco Aurélio Melo, em 2021. Nenhum dos seis senadores do PT usou
as redes sociais para criticar as decisões de Moraes e, dos nove
senadores do MDB, só Márcio Bittar (AC) criticou a decisão contra a
revista Crusoé. DO O.TAMBOSI
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