quarta-feira, 25 de abril de 2018

Supremo vira ioiô e perde a própria supremacia


Marcado por suas idas e vindas, o Supremo tornou-se o epicentro de um fenômeno que corroi o prestígio da Justiça brasileira: a insegurança jurídica. A Suprema Corte virou um ioiô. Ora joga a delação da Odebrecht sobre Lula para Sergio Moro, ora manda o material para São Paulo. Num instante, aprova a prisão na segunda instância. Noutro, ameaça rever a novidade. Afasta Eduardo Cunha do mandato e delega ao Senado a palavra final sobre o afastamento de Aécio Neves. Cede poder aos senadores e, depois, ressuscita Demóstenes Torres, devolvendo-lhe direitos políticos que o Senado havia cassado. Nesse vaivém, o Supremo-ioiô perde a própria supremacia.
Há no Brasil uma sólida e inquestionável certeza: o Judiciário é lento, concordam todos, do advogado de porta de cadeia até a presidente do próprio Supremo. Pois na decisão sobre a delação da Odebrecht, três ministros da Segunda Turma —Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes— transferiram provas contra Lula da azeitada engrenagem de Curitiba para a São Paulo, onde a Lava Jato caminha na velocidade de uma lesma tetraplégica. Ofereceram matéria-prima para a defesa de Lula enfileirar recursos, embargos e todo tipo de petições contra decisões de Sergio Moro.
Poucas vezes o Brasil teve um Supremo tão desatento com suas responsabilidades institucionais. Há de tudo na Suprema Corte —de ministro reprovado em concurso para juiz até magistrado que mantém negócio privado. Decisões colegiadas são solenemente desrespeitadas. Há na prática não um, mas 14 supremos: os 11 ministros, as duas turmas e o plenário da Corte. O Brasil perdeu as esperanças de ter no topo do sistema judicial um tribunal que seja Supremo. Mas merece ter pelo menos um Supremo que tenha lógica.DO J.DESOUZA

MPF diz que remessa de delações da Odebrecht é 'ininteligível' e não muda processo contra Lula em Curitiba

MPF manifestou-se sobre a decisão do Supremo de enviar trechos da delação de ex-executivos da Odebrecht para a Justiça de São Paulo. Defesa pede que os processos completos também sejam remetidos à jurisdição paulista.

Delações remitidas a São Paulo envolvem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Kiko Sierich / Futura Press / Estadão Conteúdo)
Delações remitidas a São Paulo envolvem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Kiko Sierich / Futura Press / Estadão Conteúdo)
O Ministério Público Federal (MPF) disse, em parecer protocolado nesta quarta-feira (25), que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de tirar do juiz Sérgio Moro trechos da delação de ex-executivos da construtora Odebrecht que envolvem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e enviá-los à Justiça de São Paulo é “ininteligível” e “superficial”.
"(...) a remessa dos termos a outra jurisdição foi uma decisão superficial que não tem qualquer repercussão sobre a competência desse douto Juízo. Por não haver qualquer mudança fática ou revisional, deve a presente ação penal prosseguir em seus regulares termos", afirmam os procuradores.
Eles também dizem que a determinação não impede que os mesmos colaboradores sejam ouvidos sobre fatos relevantes para outras investigações e ações penais.
Para o MPF, o Supremo "não fez análise profunda ou 'vertical' da competência, até porque não foi sequer instaurada investigação sobre os fatos perante aquela Corte".
O parecer rebate os dois argumentos por ela descritos como bases da decisão do STF: a) as investigações estariam em fase embrionária; b) a leitura destacada dos depoimentos não faz menção a desvios da Petrobras.
Para a força-tarefa da Lava Jato, as investigações estavam avançadas antes das delações - portanto, não estariam em fase embrionária - e já reuniam um conjunto de provas colhidas que vinculavam os fatos com propinas pagas no âmbito da estatal.
“(...) não há que se falar em falta de relação dos depoimentos com o caso Petrobras. A vinculação dos fatos com propinas pagas no âmbito da Petrobras decorre de um amplo conjunto de provas entre elas documentos, perícias, testemunhas e depoimentos dos colaboradores inseridos nos autos das investigações e ações penais que tramitam perante esse Juízo.Tais provas foram, em grande parte, colhidas muito antes da colaboração da Odebrecht”, diz o MPF.

Defesa quer processos em São Paulo

Os advogados do ex-presidente Lula pediram a Moro, também nesta quarta-feira (25), para que os processos completos que estão sob a jurisdição do juiz em Curitiba sejam enviados à Justiça Federal de São Paulo.
Eles alegam que “não há qualquer elemento concreto que possa indicar que valores provenientes de contratos da Petrobras foram utilizados para pagamento de vantagem indevida ao peticionário [Lula]”.
Com isso, a defesa afirma que os autos não têm conexão com Moro e, portanto, não há competência do juízo para julgá-los, "a menos que se queira desafiar a autoridade da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal".
Sobre o pedido, Moro disse que só vai se manifestar nos autos.

A decisão

Na terça-feira (24), a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu retirar do juiz Sérgio Moro, no Paraná, e transferir para a Justiça Federal em São Paulo, trechos da delação de ex-executivos da construtora Odebrecht que envolvem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em duas ações penais que tramitam na 13ª Vara de Curitiba.
Por 3 votos a 2, os ministros consideraram que as informações dos delatores sobre o sítio de Atibaia e sobre o Instituto Lula não têm relação com a Petrobras e, portanto, com a Operação Lava Jato.

Andamento dos processos

As duas ações penais que envolvem o ex-presidente Lula no âmbito da Justiça Federal de Curitiba estão em fase avançada.
A ação penal que investiga se houve pagamento de propina por meio de obras no sítio Santa Bárbara, em Atibaia, está na fase de audiências de testemunhas de defesa, marcadas entre os dias 7 de maio e 29 de junho. Depois disso, segue para alegações finais e sentença.
No caso da investigação sobre um apartamento em São Bernardo do Campo a compra de um terreno para o Instituto Lula, o processo já está no prazo de alegações finais, o último passo antes da sentença.
Veja mais notícias do estado no G1 Paraná.

Gilmar Mendes se reúne com Temer no Jaburu

Josias de Souza

Já virou um hábito. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo, visitou o Palácio do Jaburu na noite desta terça-feira. Encontrou-se pela enésima vez com o denunciado e investigado Michel Temer. Protagonista do inquérito que apura corrupção no setor de portos, o anfitrião pode se tornar matéria-prima para futuras sentenças do visitante. Mas as conversas entre ambos ocorrem com uma frequência que desafia o recato.
Deve-se à repórter Andréia Sadi a notícia sobre este penúltimo encontro. Há no Supremo muitos temas de interesse de Temer —da prisão em segunda instância à limitação na abrangência do foro privilegiado. Mas Gilmar assegurou que sua conversa com o presidente gravitou em torno de um tema menos candente: semipresidencialismo. Então, tá!
Gilmar teve uma terça-feira cheia. Pela manhã, disse a jornalistas, num evento em São Paulo, que a pena imposta a Lula (12 anos e 1 mês de cadeia) pode ser reduzida por meio de recurso no Supremo. À tarde, de volta a Brasília, proferiu na Segunda Turma da Corte o voto decisivo para retirar de Sergio Moro os trechos da delação da Odebrecht relativos ao sítio de Atibaia e ao Instituto Lula. À noite, encontrou-se com o multi-encrencado presidente da República.
Temer também teve uma terça animada. Antes de avistar-se com Gilmar, o presidente da República recepcionara no final da tarde, no Palácio do Planalto, o réu Aécio Neves, amigo de ambos

A uma semana do julgamento da restrição do foro no STF, Temer se reúne com Gilmar Mendes


Por Andréia Sadi - G1
O presidente Michel Temer se reuniu na noite desta terça-feira (24), no Palácio do Jaburu, com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A conversa, que não consta na agenda oficial do presidente, começou por volta das 21h30 e terminou cerca de 23h.
O encontro ocorre uma semana antes da retomada do julgamento no Supremo que discute a restrição do foro privilegiado a políticos. O julgamento foi marcado pela ministra Cármen Lúcia, presidente da Corte, para 2 de maio.
Além do voto do ministro Dias Toffoli, que pediu vista (mais tempo para analisar o caso) no ano passado, ainda faltam votar os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski – que também podem pedir vista se quiserem.
Nos bastidores, o ministro Gilmar tem defendido que o julgamento na semana que vem esclareça o que de fato vai ficar valendo com a restrição do foro, o alcance da decisão, para quais autoridades e também quais medidas estarão permitidas (exemplo: buscas no Congresso). Para o ministro, a restrição do foro cria um "regime híbrido".
O blog procurou o Gilmar Mendes e o Planalto para saber o que foi tratado na conversa de ontem.
O ministro confirmou o encontro, mas negou que tenham tratado do julgamento do foro. Ele afirmou que foi discutir a proposta de semipresidencialismo com Temer. Gilmar convidou o presidente para uma entrevista sobre o tema no Instituto Brasiliense de Direito Privado (IDP), escola da qual o ministro é sócio.
A agenda do ministro Gilmar Mendes não foi disponibilizada no site do STF. A última atualização da agenda do ministro foi no dia 20 de abril.
O Planalto ainda não respondeu.
Temer e políticos aliados têm demonstrado, nos bastidores, preocupação com a votação no STF. O senador Aécio Neves, que virou réu na semana passada, no STF, também se reuniu com Temer ontem. O tucano tem foro privilegiado e, por isso, foi julgado na corte. Nesta manhã, Temer recebeu o presidente do Senado, Eunicio Oliveira.

PEN desiste de pedido no STF para tentar barrar prisão em segunda instância; decisão precisa do aval de Marco Aurélio

Ao justificar desistência, partido diz que não há necessidade de rediscutir tema, porque não há nenhum fato novo que enseje julgamento. Há, porém, ação similar apresentada pelo PCdoB.

Por Mariana Oliveira, TV Globo, Brasília
O Partido Ecológico Nacional (PEN) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (25) desistência da tentativa de reverter o entendimento que autorizou prisões a partir de condenação em segunda instância.
Em documento, o partido diz que reavaliou a questão e que considera "inoportuno na atual quadra dos acontecimentos" um novo julgamento do tema.
A legenda fez um pedido de liminar para que o STF analisasse a questão novamente, e o relator, ministro Marco Aurélio Mello, informou à presidente do STF, Cármen Lúcia, que estava pronto para votar o tema.
Para que a desistência seja confirmada, é preciso uma decisão do ministro Marco Aurélio Mello. O ministro já disse, no entanto, que se houvesse pedido de desistência, ele retiraria o tema de pauta.
No entanto, há ainda um outro pedido de liminar para ser julgado, do PC do B. Mas para que o julgamento ocorra depende de ser marcado pela presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia.
O PEN afirma no documento que pediu a liminar após julgamento de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no qual o Supremo manteve o entendimento de que é possível executar a pena para condenações em segunda instância.
Conforme o partido, um dos motivos para reanálise seria a possibilidade de a ministra Rosa Weber alterar seu entendimento e mudar o placar em uma ação ampla, como a apresentada pelo PEN.
O partido disse que considera agora que não há necessidade de discutir o tema por concordar com parecer da Procuradoria Geral da República de que não há fato novo apontado no julgamento do habeas corpus de Lula que enseje o novo julgamento.
A Procuradoria afirmou que "ainda que a ministra tenha entendimento pessoal sobre a inconstitucionalidade da execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da condenação, não significa que desprezará o precedente do ARE n. 964.246/SP, decidido há um ano e quatro meses pelo pleno do STF".
"Sendo assim, o autor entende que não há a presença de pressupostos legais autorizativos do deferimento da medida cautelar, conforme parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR). Na verdade, o pedido é inoportuno na atual quadra dos acontecimentos. Assim, forte nestas razões, o autor requer a Vossa Excelência a desistência do requerimento de reiteração da medida cautelar, tendo em vista a ausência de pressupostos legais", diz o partido.

Decisão do STF sobre Lula abre precedente perigoso

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Coluna de Merval Pereira, publicada pelo jornal O Globo: "O objetivo da defesa é, anulando a condenação de segunda instância, tornar o ex-presidente elegível, livrando-o da Ficha Limpa. Ao fim de uma batalha judicial que já leva vários meses, a tese da defesa de que Sérgio Moro não é o juiz natural para julgar os casos não diretamente ligados à corrupção da Petrobras ganhou a chancela de três ministros do STF: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli":

A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal de tirar da jurisdição do Juiz Sérgio Moro, de Curitiba, partes da delação da Odebrecht, sob a alegação de que não têm relação com a corrupção da Petrobras, abre um caminho perigoso para a sociedade e benéfico para Lula, que pode chegar até à anulação da condenação do ex-presidente pelo TRF-4.
O objetivo da defesa é, anulando a condenação de segunda instância, tornar o ex-presidente elegível, livrando-o da Ficha Limpa. Ao fim de uma batalha judicial que já leva vários meses, a tese da defesa de que Sérgio Moro não é o juiz natural para julgar os casos não diretamente ligados à corrupção da Petrobras ganhou a chancela de três ministros do STF: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.
Ao mesmo tempo, a defesa do ex-presidente entrou com dois recursos no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), para o STJ e o STF, contra a condenação no caso do triplex em Guarujá (SP), alegando diversas irregularidades no processo, inclusive que o Juiz Sérgio Moro não deveria estar à frente do julgamento que condenou o ex-presidente Lula.
No recurso especial, a defesa do ex-presidente pede que o STJ absolva Lula ou decrete a nulidade de todo o processo. Os dois recursos também pedem que "seja afastada qualquer situação de inelegibilidade de Lula". Esse é um recurso obrigatório pela Lei de Ficha Limpa, para que o direito de defesa seja exercido na sua integridade.
Com a decisão de ontem do Supremo, esses recursos acabaram ganhando conotação diferente, pois ela demonstra que o Supremo, em teoria, pode acolher a tese de que Moro não é o juiz natural também do processo do triplex do Guarujá. Essa tese havia sido rejeitada tanto por Moro quanto pelo TRF-4. 
Os advogados de Lula alegavam que, ao afirmar que o triplex não está diretamente ligado à corrupção na Petrobras, o juiz Sérgio Moro desfigurou a denúncia do Ministério Público. A explicação do Juiz Moro na ocasião foi de que havia sido reconhecido na sentença que houve acerto de corrupção em contratos da Petrobras, e que parte do dinheiro da propina combinada foi utilizada em benefício do ex-Presidente.
Para o Juiz, não há nenhuma relevância para caracterização da corrupção ou lavagem de onde a OAS tirou o dinheiro para o imóvel e reformas. Dinheiro é fungível, isto é, pode ser trocado por outros valores iguais. O próprio Sérgio Moro escreveu em uma de suas sentenças: "Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela construtora OAS nos contratos da Petrobras foram usados para pagamento indevido para o ex-presidente".
Para Moro, não importa de onde a OAS tirou o dinheiro, mas somente que a causa do pagamento tenha sido contrato da Petrobras. No caso da Odebrecht, por exemplo, o dinheiro usado para pagar os diretores da Petrobras vinha de contratos no exterior sem relação com a Petrobras, mas tinha como objetivo ganhar concorrências na Petrobras.
Dinheiro não é carimbado com sua origem, mas havia conta corrente de propina que era abastecida com dinheiro proveniente de corrupção na Petrobras. O detalhe tragicômico é que a decisão do Supremo foi tomada no quarto agravo regimental de petição, com base em embargos de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento.
Outro agravo que a Segunda Turma vai ainda examinar foi encaminhado pelo ministro Fachin, que diz que ele perdeu seu objetivo porque os embargos dos embargos já foram julgados inconsistentes pelo TRF-4. A reclamação da defesa é de que a ordem de prisão de Lula foi dada antes que todos os embargos fossem analisados.
Os embargos dos embargos, pelo próprio nome, são uma aberração, uma ação protelatória. A prisão foi decretada porque os embargos dos embargos não têm a menor possibilidade de mudar a condenação. São essas distorções do nosso sistema jurídico que levam à impunidade.
Em uma disputa em Goiás, Carlos Alberto Sardemberg mostrou na CBN ontem, houve oito embargos de declaração, dois agravos e dois embargos dos embargos do agravo. A ementa do STJ repete 12 vezes a expressão sem sentido embargo de declaração dos embargos de declaração dos embargos de declaração.DOO.TAMBOSI

No Éden do STF, maçã vira morango com creme


Na Segunda Turma, conhecida como Jardim do Éden do Supremo, não há mais nenhum pecado original. Ali, a originalidade está nos veredictos. Comerás o pão com o suor do teu rosto, condenou o Senhor, ao expulsar o primeiro casal do Paraíso. Mas Lula e Marisa, assim que puderam, começaram a usufruir das benesses que a Odebrecht custeou com o suor do rosto do contribuinte.
A Segunda Turma já havia decidido no ano passado que as menções de delatores da Odebrecht a Lula e sua mulher iriam para Sergio Moro. Súbito, três das cinco serpentes do Éden perderam o veneno e mudaram de ideia. Transferiram de Curitiba para São Paulo trechos da delação referentes ao sítio de Atibaia e ao Instituto Lula. É como se tivessem colocado no caminho de Lula, em vez de uma macieira, uma árvore de morango com creme. Por quê?
Antes de responder à pergunta, é preciso abrir um parêntese para recordar que há pelo menos 14 magistrados com poderes para interferir nos rumos da Lava Jato. Onze jogam a favor da sociedade. Três cultivam o hábito de facilitar a vida dos réus. A coisa começa na mesa de Sergio Moro. Dali, sobe para a escrivaninha do desembargador Gebran Neto, relator do petrolão no TRF-4. Chama-se Felix Fischer o relator no STJ. No Éden do Supremo, quem relata é o ministro Edson Fachin.
Os três relatores, por draconianos, são temidos pelos larápios. As decisões de Gebran costumam ser seguidas pelos colegas Leandro Paulsene Victor Laus, que dividem com ele a Oitava Turma do TRF-4. No STJ, o grosso das deliberações de Fischer são avalizadas pelos demais integrantes da Quinta Turma: MarceloNavarroRibeiro Dantas, Joel IlanPaciornik, Jorge Mussie Reynaldo Soares da Fonseca.
Nesse desenho linear, a Segunda Turma do Supremo tornou-se um ponto fora da curva. Ali, o relator Fachin é um ministro minoritário. Suas decisões às vezes são avalizadas pelo decano Celso de Mello. Mas Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes não costumam perder a oportunidade de aproveitar recursos, agravos, embargos e toda sorte de petições para desfazer o que o relator faz. Fecha parêntese.
Por quê transferir a delação da Odebrecht de Curitiba para São Paulo? Para socorrer a defesa de Lula e infernizar a força-tarefa da Lava Jato, eis a única resposta plausível. A encrenca já havia passado pelo Éden duas vezes. Numa, em abril de 2017, o relator Fachin decidiu que o material iria para as mãos de Moro. Noutra, em outubro de 2017, produziu-se uma rara unanimidade. Ao julgar um recurso da defesa de Lula, a decisão de Fachin foi endossada por todos os membros da Segunda Turma.
A defesa interpôs um embargo de declaração. Normalmente, esse tipo de recurso serve para elucidar eventuais dúvidas ou contradições. Não costuma modificar o que já foi decidido por unanimidade. Contudo, Toffoli, Lewandowski e Gilmar viraram do avesso os votos que haviam proferido há seis meses. Deram o dito por não declarado. E arrancaram das mãos de Moro os dados fornecidos pelos delatores da Odebrecht. Alegaram que não ficou demonstrado que a verba utilizada pela empreiteira no custeio dos confortos de Lula veio do assalto à Petrobras.
Por uma dessas coincidências que só a conveniência pode explicar, a suposta ausência de liame entre os mimos oferecidos a Lula e o roubo praticado na estatal é um dos pilares da defesa do presidiário mais ilustre de Curitiba. Os advogados de Lula sustentam que não há razões para manter os processos contra o seu cliente na 13ª Vara da capital paranaense. Celebraram o placar de 3 a 2 anotado no Éden como uma vitória que interrompe o “juízo de exceção” supostamente criado em Curitiba para perseguir Lula. Nessa versão, Moro não seria o juiz natural dos processos contra Lula. E suas decisões seriam passíveis de anulação.
Entre a primeira e a segunda decisão de Toffoli, Lewandowaki e Gilmar nada mudou exceto o agravamento da situação penal de personagens graúdos como Lula, Temer e Aécio. O primeiro foi preso, o segundo está na bica de arrostar uma terceira denúncia criminal e o terceiro acaba de ser convertido em réu pela Primeira Turma do Supremo, onde funciona a Câmara de Gás. Toffoli e Lewandowski possuem vínculos notórios com Lula e o petismo. Gilmar é conselheiro de Temer e amigo de Aécio. Mais claros do que os vínculos dos magistrados com os encrencados, só mesmo os indícios que ligam o saque à Petrobras aos agrados oferecidos a Lula.
O patriarca Emilio Odebrecht contou que Marisa Letícia pediu socorro para concluir a reforma no sítio de Atibaia, em tempo de fazer uma surpresa ao marido no encerramento do seu segundo mandato. O empreiteiro relatou em depoimento: “No final do ano, penúltimo dia de mandato do Lula, do último mandato, eu estive com ele lá no Palácio do Planalto. E aí eu disse: ‘Olhe, chefe, você vai ter uma surpresa. Nós vamos garantir o prazo que nós tínhamos dado naquele programa lá do sítio’. Ele não fez nenhum comentário, mas também não botou nenhuma surpresa, coisa que eu entendi não ser mais surpresa”.
O filho Marcelo Odebrecht explicou que os repasses a Lula eram feitos via Antonio Palocci, o “Italiano” da planilha de propinas da construtora. E esclareceu: “Nós estávamos tendo tantos problemas com o governo que, talvez, se nós não estivéssemos tendo resultado nos contratos com a Petrobras é muito provável que, apesar de não ter um vínculo direto, talvez a gente não estivesse dando esse montante de contribuição porque, de fato, era praticamente a única área que gerava resultado dentro do governo”.
O próprio Palocci, inquirido pela defesa de Lula numa audiência em Curitiba, cuidou de elucidar como se davam as coisas. Soou didádito: “É assim: a empresa trabalha com a Petrobras, a Petrobras dá vantagens para a empresa, com essas vantagens a empresa cria uma conta para destinar aos políticos que a apoiaram, o presidente [Lula] mantém lá diretores que apoiam a empresa para dar a ela contratos, esses contratos geram dinheiro, ela faz seus gastos, compra seus presentes, remunera os seus diretores, paga seus funcionários e reserva um dinheiro, algumas criam operações estruturadas, outras criam caixa dois, outras criam doleiros e, com esse dinheiro, pagam propina aos políticos.”
As ações penais sobre o sítio de Atibaia e o Instituto Lula permanecem em Curitiba, pois as delações da Odebrecht não são os únicos indícios disponíveis. Há outros documentos e testemunhos. Devem render duas novas condenações a Lula, já sentenciado a 12 anos e 1 mês de cana no caso do tríplex do Guaruja, presenteado pela OAS. A diferença é que a defesa de Lula usará os votos de Toffoli, Lewandowski e Gilmar nos futuros recursos que serão ajuizados no TRF-4, no STJ e no próprio Supremo.
A julgar pelo histórico, é grande a chance de Lula amargar insucessos na segunda e na terceira instância. Por uma trapaça da sorte, o líder máximo do PT talvez enfrente um revés até mesmo no Jardim do Éden. A partir de setembro, Dias Toffoli assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal. E será substituído na Segunda Turma por Cármen Lúcia, atual mandachuva da Suprema Corte. Fachin deve passar, então, da condição de derrotado crônico para a de relator majoritário. Sempre que conseguir juntar ao seu voto os de Celso de Mello e de Cármen Lúcia, ele prevalecerá sobre Lewandowski e Gilmar por 3 a 2.
Hoje, a Justiça praticada na Segunda Turma não é apenas cega. Sua balança está desregulada e a espada sem fio. Dentro de cinco meses, porém, o Éden pode se transformar num novo inferno para os réus.
Josias de Souza
25/04/2018 03:53