Por Maria Lucia Victor Barbosa (*)
1
de janeiro de 2017. Em penitenciárias de Manaus (AM) a Família do Norte
(FDN), facção que comanda o tráfico de drogas na fronteira com a
Bolívia e é ligada ao Comando Vermelho (CV), esquartejou, decapitou,
arrancou corações e vísceras de 60 homens, a maioria ligada ao Primeiro
Comando da Capital (PCC). Tudo foi devidamente filmado e enviado para
redes sociais, cujos frequentadores consumiram avidamente a selvageria
digna do Estado Islâmico.
Houve
mais mortes e fugas em outros Estados, além de uma carta do PCC. Alguns
trechos foram publicados na Folha de S. Paulo, de 6 de janeiro, e
curiosamente neles os bandidos se referiam ao seu “código de ética”
rompido, pois “a meta sempre foi lutar contra o Estado corrupto e não
contra nossos irmãos mesmo que de outras organizações fossem”.
A
carta terminava com o lema da poderosa organização criminosa: “paz,
justiça e liberdade”, algo de tom ideológico e cínico tratando-se de
degoladores, daqueles que desgraçam famílias, dos que são fonte da
violência que infelicita e aterroriza cidadãos honestos.
O
gigantismo dos lucros e a organização impecável do PCC e do CV são
também a prova mais cabal do fracasso do Estado. Onde estavam o
Executivo, o Legislativo, o Judiciário enquanto as organizações
criminosas se expandiam?
Com
relação ao Executivo cito excelente artigo do professor Ricardo Vélez
Rodríguez, publicado no O Estado de S. Paulo de 22/10/2016. No texto
Rodríguez relembra que “o empurrão inicial dado pelo brizolismo ao
narcotráfico veio a ser potencializado, em nível nacional, pelos 13 anos
do populismo lulopetista que simplesmente abriram as portas para o
mercado de tóxicos no Brasil”.
O
professor também recorda “foto de Lula, no palanque em Santa Cruz de La
Sierra, com Evo Morales, ambos ostentando no peito colares feitos de
folhas de coca”. A imagem simbolizou um “liberou geral” para a produção e
distribuição das drogas. “Rapidamente o Brasil viu aumentar de forma
fantástica a entrada da pasta-base da coca boliviana”.
Após
as chacinas, demonstração de quem de fato comanda o sistema prisional,
busca-se o que fazer. Algumas soluções raiam à imbecilidade como o
direito de fuga e a soltura de presos. Também, para palpiteiros
inconsequentes não se deve prender os que cometeram crimes menores (o
que seriam crimes menores?), liberar as drogas e não construir mais
prisões.
Ninguém
sugeriu ao Judiciário o julgamento dos 40% dos detentos em prisão
provisória. Parcerias público-privadas, diferentes de terceirizações,
nas quais, a iniciativa privada constrói as prisões e administra de
acordo com parâmetros estabelecidos em contrato com o poder público.
Reforço considerável das Forças Armadas nas fronteiras para impedir a
entrada de drogas e armas, lembrando que o papel do Exército não é o de
fazer revista em presídios.
Enquanto
o crime lucra e domina o país temos assistido a espetáculos dignos de
uma republiqueta das bananas. Citando pouquíssimos exemplos para não
alongar o artigo recordemos a cena de Renan Calheiros, então presidente
do Senado e do Congresso, ao lado do na época presidente do Supremo
Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, ambos rasgando a Constituição ao
manter os direitos políticos de Dilma Rousseff mesmo depois desta ter
recebido o impeachment.
Calheiros,
que tem processos adormecidos no STF desde 2007, recentemente foi
denunciado ao Supremo por Rodrigo Janot, procurador-geral da República,
pelos crimes de peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Mas o
senador zombou da Justiça ao se recusar a sair do cargo por ser réu. Lá
permaneceu salvo por uma gambiarra jurídica feita pelo próprio STF. Seu
sonho ainda deve ser a aprovação da Lei de abuso de autoridade, que o
livraria junto com quase 100 políticos envolvidos na Lava Jato. Se
duvidar, Renan vira ministro da Justiça.
Na
verdade, há um temor infundado dos que possuem foro privilegiado,
porque enquanto o juiz Sérgio Moro, brilhante e rara exceção no mundo
jurídico, tem cumprido a lei e mandado para a cadeia um número
impressionante de figurões, o Supremo até agora não julgou ninguém da
quase centena de políticos envolvidos na Lava Jato. E não se sabe quando
isso acontecerá dada a morosidade da Justiça brasileira. Pode levar os
anos suficientes para a prescrição dos crimes.
Com
a morte em acidente de avião do ministro Teori Zavascki não se sabe o
que acontecerá com as 77 delações premiadas da Odebrecht. Zavascki, com
todo respeito pelo luto da família, não foi um herói, mas um ativista
político como seus demais pares do Supremo. Por essa característica ele
podia demorar anos a fio para homologar as delações, mas agora a
situação está mais turva na medida em que tem que ser definido seu
sucessor. Seguiremos com nossa tradicional insegurança jurídica? Nesse
caso prevalecerá a ética da bandidagem.
(*) Maria Lucia Victor Barbosa é
socióloga, professora, autora entre outros livros do Voto da Pobreza e a
Pobreza do Voto – a ética da malandragem e América Latina – em busca do
paraíso perdido. DO A,AMORIM