PAZ AMOR E VIDA NA TERRA
" De tanto ver triunfar as nulidades,
De tanto ver crescer as injustiças,
De tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus, o homem chega
a desanimar-se da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto".
[Ruy Barbosa]
Um ministro do Supremo comparou o resultado do julgamento de ontem, que encheu o “todo poderoso” de alegria, a uma desastre aéreo.
“Como na queda de um avião, o que vimos
foi uma enorme sucessão de erros gravíssimos” – que resultaram num
desastre, acrescente-se.
Sobre as fervorosas negociações ente
ministros do tribunal com Palácio do Planalto e o Congresso, ele definiu
em uma palavra: “Horrível”.
Moro pede a Teori para devolver Bumlai à cadeia e diz que abalos emocionais afetam qualquer preso
Moro: não vai descansar
Sérgio Moro não vai sossegar enquanto não
levar de volta para a cadeia o pecuarista – e amigão de Lula – José
Carlos Bumlai, que cumpre pena em prisão domiciliar.
Bumlai está em casa, amparado por uma
decisão liminar do ministro Teori Zavascki. Ele acolheu o argumento da
defesa de que o estado de saúde do pecuarista inviabiliza a permanência
dele no cárcere.
Moro
discorda, e enviou ontem um despacho ao Supremo para pedir a Teori que
devolva o amigo de Lula para Curitiba, mais precisamente ao Complexo
Médico Penal.
O juiz de Curitiba cita laudos médicos
que indicariam um quadro clínico compatível com a permanência na cadeia.
Quando estava preso, Bumlai teve um câncer na bexiga e, depois,
problemas cardíacos.
Em seu despacho, Moro reconhece que um
dos médicos responsáveis pelo laudo afirma que “o distress pode ser um
fator agravante dos males cardiológicos, bem como que o ambiente
prisional é adverso e pernicioso à saúde do periciado”.
Mas argumenta logo em seguida que esse parecer “não autoriza, por si só, a concessão de prisão domiciliar”.
“Algum abalo emocional pela prisão ou
manutenção da prisão são fatos que afetam todos os presos e não
justificam tratamento diferenciado”, diz Moro.
Agora, caberá a Teori decidir se concorda com Moro ou continua certo de que o estado de saúde de Bumlai não permite a clausura. DO RADARONLINE
Um dia depois de entronizado pelo Supremo Tribunal Federal no mais
alto posto da nação, Renan Calheiros, o novo Salvador-Geral da
República, fiador plenipontecnário da estabilidade nacional, sentenciou:
''Decisão do STF fala por si só. Não dá para comentar decisão judicial.
Decisão judicial do Supremo Tribunal Federal é para se cumprir.''
Considerando-se
que o veredicto veio à luz 48 horas depois de Renan ter ignorado a
ordem do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, para que desocupasse a
poltrona de presidente do Senado, fica entendido o seguinte: a norma
vale para todos os brasileiros, exceto para o Salvador-Geral, que vive
sob regras próprias.
Apesar de sua condição de réu criminal, Renan
foi mantido no comando do Senado pela maioria dos ministros do Supremo,
instância máxima do subpoder Judiciário. Vitaminado, o Salvador-Geral
anuncia que todas as acusações constantes nos 12 processos judiciais que
protagoniza vão ruir.
Renan comporta-se mais ou menos como Diógenes de Sinope, filosofo grego a quem se atribui a estruturação do movimento filosófico batizado de “cinismo”. Consta que Alexandre,
o Grande, com poderes tão supremos quanto os do ex-Supremo brasileiro,
perguntou a Diógenes o que poderia fazer por ele. E o sábio:
“Posicione-se um pouco menos entre mim e o Sol.”
A diferença entre
Renan e Diógenes é que o sábio brasileiro alcançou um inédito grau de
sofisticação filosófica. O Salvador-Geral da República inaugurou a era
do pós-cinismo.- JDESOUZA
Foi uma patetice
espetacular mesmo para o circo brasiliense. Na semana passada,
articuladores de Temer acharam que desgastar Renan Calheiros era uma boa
ideia: ele atrairia a ira das ruas para si ao tentar votar, no
atropelo, o chamado pacote anticorrupção. Melhor Renan do que o
presidente, pensaram. Armaram a arapuca, e o senador ficou isolado no
plenário. Perdeu por 44 a 14 sua tentativa de dar urgência à votação do
projeto.
De fato, pareceu que só Renan queria anistiar a turma. Mas aquela quarta-fera era apenas o prólogo do espetáculo.
As faixas contra o Congresso e os gritos de “Fora Renan” no domingo
encorajaram, no dia seguinte, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, a
afastá-lo liminarmente – por considerar que um réu como o senador não
pode substituir o presidente da República em caso de necessidade (ele é o
segundo na linha sucessória).
Aí o governo percebeu o que fizera. Começou a tentar recolocar para
dentro o que deixara escapar com sua obra: o pródigo gênio que fugira da
garrafa – na falta de metáfora menos pior.
Temer e o que restou de seu time se deram conta de que o afastamento
de Renan implicaria dar ao PT, na figura do vice-presidente do Senado,
Jorge Viana, o controle do ritmo de votação das reformas
constitucionais. Numa só tacada, a manobra anti-Renan ressuscitara a
oposição e colocara em risco a única razão de ser do governo
peemedebista. Bateu o desespero.
Vale lembrar que a confiança no governo é tão tênue que Temer e seus
aliados tucanos precisam dizer dia sim e dia também que a equipe
econômica de Henrique Meirelles está prestigiada. Tal qual cartolas de
um clube de futebol prestes a cair para a segunda divisão, apelaram ao
Tapetão.
Primeiro, trataram de prestigiar Renan. Não sem o apoio do governo, a
Mesa Diretora do Senado referendou-o na presidência da Casa, enquanto
suas secretárias driblavam o oficial de justiça do STF que deveria
notificar o senador do afastamento. A manobra que começara dias antes
como tentativa de entregar Renan aos leões se transformava em
improvisada operação de resgate.
A protelação não bastava. A Turma do Pudim e demais comensais tiveram
a ideia de convencer o plenário do STF a desfazer o que Marco Aurélio
fizera. A presidente do STF, Cármen Lúcia, pautou o julgamento para o
dia seguinte, e emissários convenceram magistrados a seguirem a tese que
seria apresentada pelo decano Celso de Mello: Renan segue presidindo o
Senado, mas não entra mais na linha sucessória de Temer. A “jabuticabum”
suprema.
Ganharam o julgamento, graças aos votos dos ministros de sempre e de
uma ou outra adesão de última hora: 6 a 3. Tudo com muitas mesóclises e
citações latinas para dar a impressão de que as instituições estão
funcionando em harmonia. De fato, estão harmonicamente em crise.
O resultado da operação “fica Renan” foi associar ainda mais o
governo à imagem de réu do presidente do Senado e, de carona, acabar com
a pose do Supremo. Nas redes sociais, nunca se viu tantos petistas e
antipetistas convergirem contra o STF. Projetada como Plano C, para o
caso de o governo Temer fracassar, Cármen Lúcia deixou ontem de ser a
unanimidade em que tentavam transformá-la.
Cumpre-se a profecia de que nenhum Poder fica imune a uma crise de
confiança deste tamanho. Ela contaminou o Executivo e expeliu Dilma
Rousseff. Depois, o Legislativo de Renans e Eduardos Cunha. Agora,
atingiu a última instância do Judiciário.
É nesse cenário que o governo tentará convencer quem tem menos de 50 anos a trabalhar até morrer, se conseguir emprego. DO ESTADÃO
Em rodas fechadas na iniciativa privada, os aplausos para o
governo federal diminuem. Em palestra para investidores esta semana,
organizada por Carlos Sobral, da gestora Taler, Gustavo Franco,
ex-presidente do BC, concluiu que o governo Temer está perdido e que a
equipe econômica mostra-se fraca – ainda que detenha notória capacidade
técnica. Algumas razões expostas:
Qualquer ministro da Fazenda, além de competência profissional, deve
ter aptidão natural para comandar e animar a torcida, talento que não
se vê em Henrique Meirelles.
A cadeira de ministro do Planejamento não poderia permanecer à espera do retorno de Romero Jucá.
Medidas de incentivo e antiburocracia, que não eram implementadas
pelo governo petista por ideologia, agora são deixadas de lado para que
se foque em duas ou três reformas insuficientes.
A corrupção deveria ser encarada e explicada à sociedade como uma
parte indissociável da dívida pública e não como algo alheio à economia.
A falta de relatório comparativo, quando do impeachment, com a real situação macro e microeconômica.
O governo federal não poderia ter feito vistas grossas às finanças dos Estados. DO ESTADÃO
BRASÍLIA - A articulação para suavizar a decisão do ministro
Marco Aurélio Mello de afastar o presidente do Senado, Renan Calheiros
(PMDB-AL), foi costurada ao longo dos últimos dois dias pela presidente
do STF, ministra Cármen Lúcia, e pelo menos outros quatro ministros. O
intuito foi o de “baixar a poeira” em meio ao acirramento de ânimos
entre Legislativo e Judiciário.
Coube ao ministro Celso de Mello, decano da Corte,
apresentar uma saída considerada intermediária durante o julgamento.
Ele, inclusive, pedir para votar logo depois do relator com o objetivo
de abrir dissidência entre os ministro – Celso é geralmente o penúltimo a
votar nas sessões do plenário.
Em seu voto, o ministro citou o impacto da liminar nas
atividades do Senado e “a crise gravíssima e sem precedentes que assola o
nosso País” para votar contra o afastamento de Renan do comando da
Casa. O ministro destacou que, em caso de viagem de Temer ao exterior,
sua substituição será feita pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), “inexistindo deste modo razão para adotar-se medida tão
extraordinária quanto a preconizada na decisão em causa”. Renan é o
segundo na linha sucessória de Temer, mas o entendimento consensual dos
ministros do STF foi o de que o peemedebista está impossibilitado de
ocupar interinamente a Presidência da República por ter se tornado réu
na semana passada e responder à ação penal por peculato (desvio de
recursos públicos).
ARTICULAÇÃO
“Baixar o
tom” foi a expressão usada por ministros do STF para explicar o
julgamento. A costura que salvou Renan Calheiros do afastamento da
presidência do Senado passou por uma interlocução entre o senador Jorge
Viana (PT-AC) e a presidente da Corte, Cármen Lúcia, além da manutenção
do pedido de vista do ministro Dias Toffoli sobre a ação que discute se
réus podem ficar na linha sucessória.
O caráter político do STF ficou escancarado. Ministros ouvidos pelo Estado
ao fim da sessão admitiram que o plenário levou em conta a preocupação
com “harmonizar a relação entre os Poderes”, desgastada nas últimas
semanas e levada ao extremo após a decisão do ministro Marco Aurélio
Mello de afastar Renan da presidência do Senado com uma liminar.
Os ministros admitiram que deixaram as críticas duras
para serem feitas pelo próprio Marco Aurélio. A justificativa é de que o
comunicado da Mesa Diretora respaldando a resistência de Renan não
afrontava a Corte, pois aguardava o plenário. O STF decidiu jogar para
as mãos do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a decisão de
investigar ou não Renan por crime de desobediência.
Para isso, o vice-presidente da Casa, Jorge Viana, foi
essencial. Na terça-feira, o senador fez a Mesa modificar seu comunicado
original. A última versão suavizava o fato de que o Senado não iria
cumprir a decisão de Marco Aurélio. O ato foi visto no Supremo como uma
“bandeira branca”.
Viana demonstrou na reunião com Cármen, da qual
ministros do STF participaram, que o afastamento de Renan poderia
atrasar a votação da PEC do teto dos gastos públicos. No julgamento,
Toffoli se esquivou de embates diretos com Marco Aurélio. Contribuiu
para “tirar o peso” de seus ombros o fato de Celso de Mello, decano do
Tribunal, ter pedido a palavra para votar antes e legitimar a abertura
da divergência.
A maior indisposição externada foi com Gilmar Mendes,
ausente. De Estocolmo, na Suécia, ele chegou a sugerir o impeachment de
Marco Aurélio em razão da liminar. Ao menos três ministros mostraram o
desconforto com a situação: Teori Zavascki, Cármen Lúcia e Ricardo
Lewandowski. Integrantes do STF já temem uma retaliação por parte do
Senado – a Casa que recebe os pedidos de impeachment contra ministros do
Tribunal – contra Marco Aurélio.
DESPRESTÍGIO Ao
defender a sua decisão liminar, Marco Aurélio traçou um paralelo entre a
situação de Renan e a do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que
foi afastado da presidência da Câmara e do mandato de deputado por uma
liminar de Teori, que foi referendada depois pelo plenário.
“A previsão constitucional não encerra a possibilidade
de pular-se este ou aquele integrante da linha. A interpretação nada
mais revela do que o já famoso ‘jeitinho brasileiro’, a meia sola
constitucional”, disse Marco Aurélio.
O plenário do STF ainda deve retomar o julgamento de uma
ação ajuizada pela Rede Sustentabilidade, que pede o veto de réus em
ações penais da linha sucessória da Presidência da República. Esse
julgamento foi interrompido depois do pedido de vista de Dias Toffoli e
não há previsão de quando será retomado.
Dos 11 integrantes da Corte, Gilmar Mendes, em viagem, e
Luís Roberto Barroso, que se declarou impedido, não participaram do
julgamento desta quarta. DO ESTADÃO
Quem
dispõem de poder e o exerce de forma arbitrária, erra o alvo. Quem abre
mão de exercer o poder de que dispõem vira o alvo. Nas 48 horas que
antecederam o julgamento da ação envolvendo Renan Calheiros, a ministra
Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, atuou mais como
articuladora política do que como magistrada. Com isso, contribuiu para
solidificar a ideia de que a democracia moderna no Brasil é constituída
por três poderes: o Executivo, o Judiciário e, acima de ambos, Renan
Calheiros.
O blog ouviu duas das pessoas com
assento no plenário do Senado que conversaram com Cármen Lúcia. Uma
procurou a ministra. Outra foi procurada por ela. Ambas traçaram um
cenário apocalíptico. Era como se a liminar do ministro Marco Aurélio
Mello ordenando o afastamento de Renan do comando do Senado tivesse
eliminado o chão da República. Diante da novidade, os políticos
comportavam-se como se vivessem uma cena de desenho animado.
Nos
desenhos animados, quando acaba o chão, os personagens continuam
caminhando no vazio. Só caem quando percebem que estão pisando o nada.
Se não se dessem conta, atravessariam o abismo. Os interlocutores de
Cármen Lúcia defenderam, em essência, a tese segundo a qual o plenário
do Supremo deveria eliminar o abismo aberto por Marco Aurélio com
rapidez, antes que a República olhasse para baixo.
“Me ajude a
pacificar essa Casa”, rogou Cármen Lúcia em telefonema a uma das pessoas
às quais recorreu no Senado. “Se tirar o Renan daquela cadeira, o
governo do Michel Temer acaba”, disse a voz do outro lado da linha,
segundo relato feito ao blog. “O vice do Renan é do PT,
Jorge Viana. Ele não tem compromisso nenhum com a agenda econômica do
governo. O PT quer implodir os planos do governo.”
A tese de que
Renan é um pilar da República tornou-se um conto do vigário no qual
Cármen Lúcia caiu. Convencida de que Renan é o outro nome de
governabilidade, a ministra entregou-se à abertura da trilha que levaria
à porta de incêndio. Reuniu-se com o vice de Renan, o petista Jorge
Viana. Franqueou os ouvidos às ponderações do presidente do PSDB, Aécio
Neves. Chamou colegas de tribunal ao seu gabinete. Tocou o telefone para
outros.
Ao votar na sessão
em que o Supremo brindou Renan com um afastamento meia-sola —ficará
proibido de substituir o presidente da República, mas permanecerá no
comando do Senado— Cármen Lúcia como que resumiu o sentimento que a
norteou: “Em benefício do Brasil e da Constituição da qual somos
guardiões, neste momento impõe-se de forma muito especial a prudência do
Direito e dos magistrados. Estamos tentando reiteradamente atuar no
máximo de respeito e observância dos pilares da República e da
democracia.”
Quatro dos seis ministros que votaram a favor da
fórmula que levou Renan a soltar fogos na noite da véspera do julgamento
mencionaram razões políticas em seus votos. A manifestação de Luiz Fux
beirou o escracho. Ele disse que o Brasil vive uma “anomalia
institucional”. Acrescentou que o afastamento de Renan seria mais
ruinoso que sua permanência. Sem ele, estaria comprometida toda uma
agenda nacional que exige deliberação imediata do Congresso.
Ficaram
boiando na atmosfera as palavras do relator Marco Aurélio: “Hoje, pensa
o leigo que o Senado da República é o senador Renan Calheiros. […]
Diz-se que, sem ele, tomado como um salvador da pátria amada, não
teremos a aprovação de medidas emergenciais visando combater o mal
maior, que é a crise econômico-financeira. […] Quanto poder! Faço
justiça ao senador Renan Calheiros. Tempos estranhos os vivenciados
nesta sofrida República.”
Na sua vez de falar, o procurador-geral
da República Rodrigo Janot também borrifou desalento no plenário. Como
que antevendo o triunfo de Renan, ele indagou: como compatibilizar a
situação do senador “com o princípio da moralidade”? Mais: “Como
valorizar o primado das leis e do Estado de Direito com um réu em ação
penal à frente da chefia do Estado brasileiro.” Pior: “Que mensagem e
que exemplo que esse estado de coisas daria para as nossas crianças,
adolescentes, brasileiros do povo em geral?”
Quando a posteridade puder falar sem pudores sobre strip-tease
que o Supremo Tribunal Federal teve de fazer, sob Cármen Lúcia, para
dispensar a Renan Calheiros o tratamento que a moralidade e a
Constituição sonegaram a Eduardo Cunha, os livros de história irão
realçar: a pretexto de salvar o Brasil do Apocalipse que sobreviria ao
afastamento de Renan de uma poltrona que ele só vai ocupar por mais dez
dias, o Supremo Tribunal Federal expôs seus glúteos na frente das
crianças. DO J.DESOUZA