sábado, 10 de novembro de 2012

Como Erenice fez da falência um negócio milionário

Reportagem de VEJA desta semana mostra como, mesmo quebrada, empresa dirigida pelo marido de ex-ministra deveria ter perdido a concessão, mas está sendo vendida por uma fortuna.  Rodrigo Rangel e Adriano Ceolin

AMIGOS NO PODER -  A Unicel, empresa de telefonia dirigida por José Roberto Camargo, marido da ex-ministra Erenice Guerra, deu calote em clientes, acumula dívidas que ultrapassam 150 milhões de reais e agora está prestes a realizar o seu mais ambicioso negócio
AMIGOS NO PODER -  A Unicel, empresa de telefonia dirigida por José Roberto Camargo, marido da ex-ministra Erenice Guerra, deu calote em clientes, acumula dívidas que ultrapassam 150 milhões de reais e agora está prestes a realizar o seu mais ambicioso negócio (Fotos: Andre Dusek/AE, Cristiano Mariz e Claudio Gatti)
A telefonia, por exigir investimentos bilionários, não é o ramo mais indicado para aventuras. Com exceções. Há pouco mais de dois anos, a revelação das atividades paralelas de Erenice Guerra resultou na derradeira crise política do governo Lula e custou-lhe a poderosa cadeira de chefe da Casa Civil. Do rosário de ilegalidades que levaram a sua demissão, a mais ousada foi a movimentação paralela para viabilizar a Unicel, pequena empresa de telecomunicações notória apenas por receber inúmeros e inexplicáveis favores do governo.
Sem capacidade financeira, sem capacidade técnica conhecida e sem experiência alguma no ramo, a Unicel conseguiu autorização para operar a telefonia celular em São Paulo - o maior e mais disputado mercado da América Latina. Em um ambiente dominado por gigantes multinacionais, seu plano tinha tudo para dar errado. E deu. A empresa não conseguiu honrar os compromissos, deu calote em clientes e fornecedores e acumulou uma dívida superior a 150 milhões de reais. Em Brasília, porém, quem tem amigos no governo pode sempre contar com uma ajuda nos momentos de desespero. A Unicel tem amigos.
Mesmo falida, ela está a ponto de fechar um grande negócio. A empresa será comprada pela Nextel, a multinacional que domina o mercado de telefonia via rádio e se prepara para iniciar operação também na telefonia celular. A transação só não foi concretizada ainda porque isso depende de autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Os números do negócio são mantidos em segredo, mas no mercado estima-se que as cifras sejam próximas de 500 milhões de reais.
Nas economias de mercado, fusões e aquisições são negócios corriqueiros, mas a transação que envolve a Unicel e a Nextel chama especial atenção. Primeiro porque, a rigor, a Unicel não deveria ter o que vender. Sua concessão para operar só saiu por obra e graça da então ministra Erenice Guerra, que no auge do poder procurou pessoalmente conselheiros e técnicos da Anatel para defender a empresa dirigida por seu marido, José Roberto Camargo. A concessão saiu, e a Unicel entrou no mercado com o nome de fantasia AEIOU. Em pouco tempo, a AEIOU estava atolada em dívidas e, com apenas 22 000 clientes, sumiu do mapa em 2010, deixando para trás queixas amargas de consumidores e diversos processos na Justiça. A própria Anatel, a maior credora da empresa falida, publicou um comunicado no qual informava que a Unicel funcionava em “local incerto e não sabido”. Seria o fim da linha para qualquer outra empresa. Não para a Unicel.
Reinaldo Azevedo: Nextel e Unicel, mais uma fábula do mundo real petista
Desde que a Unicel fechou as portas, dormita na Anatel o processo de cassação das concessões conseguidas pela empresa dirigida pelo marido da ex-ministra. Esses processos estão parados há dois anos. Uma breve consulta à papelada oficial fornece pistas que permitem entender as razões que, em circunstâncias normais, teriam levado à cassação das licenças. Em um desses documentos, datado do ano passado, os técnicos da Anatel destacam que, além da vultosa dívida, a Unicel não utiliza as radiofrequências que foi autorizada a operar - um bem público disputado palmo a palmo em um setor em franca ebulição. Os técnicos listam uma série de motivos para o cancelamento da autorização. O parecer foi chancelado pela área jurídica da Anatel, que enviou o caso para apreciação dos conselheiros. Até a semana passada, porém, o processo ainda não tinha sido sequer examinado.
A Unicel, na verdade, existe em lugar certo e sabido. No documento em que solicita autorização para a venda, consta como endereço da empresa uma sala comercial em Brasília onde funciona a Ametista, firma de mineração fundada justamente pelo marido de Erenice Guerra. Quem se apresenta na Anatel como representante da Unicel é um velho conhecido de todos os personagens da história. Trata-se de Elifas Gurgel, ex-presidente da Anatel e amigo de Erenice e de seu marido. Elifas tem um largo histórico de bons serviços prestados à Unicel. Quando comandou a Anatel, em 2005, foi ele que, contrariando pareceres técnicos que desaconselhavam a concessão, assinou a licença dada à empresa. Foi Elifas que transitou pelos corredores da Anatel com a missão de protelar ao máximo a cassação das licenças da Unicel. “Essa lentidão acabou dando o tempo de que a empresa precisava para negociar a concessão”, admitiu a VEJA um conselheiro da Anatel que pediu para não ser identificado.
A Unicel ganhou tempo suficiente para definir o seu futuro e a sorte de seus sócios - hoje duas pessoas ligadas a José Roberto Melo, padrinho de casamento da ex-ministra Erenice Guerra. O pedido de autorização de venda da Unicel foi protocolado na mesma semana em que a Anatel aprovou medidas para incentivar a concorrência no setor de telefonia. A Nextel foi uma das beneficiárias.
Procurada, a Anatel explicou que a tramitação dos processos é demorada porque é preciso respeitar o direito à ampla defesa. José Roberto Camargo, marido de Erenice, e Elifas Gurgel, lobista da empresa, não quiseram se manifestar. A Nextel, por sua vez, informou que a aquisição da Unicel atende “unicamente a sua estratégia de evolução tecnológica” e que “as condições negociadas estão dentro de um patamar justo de mercado”.
Erenice Guerra evitou falar sobre o assunto. “Eu nunca fui consultora da Unicel”, limitou-se a dizer. Realmente, consultora ela não foi. O papel da ex-ministra na viabilização da empresa dirigida pelo marido foi bem mais preponderante do que o de uma simples consultoria.
Walter Campana/ ABR
AnfÍbio Elifas Gurgel: como presidente da Anatel, ele autorizou a concessão à Unicel. Agora, como consultor da Unicel, ele ajudou na venda da empresa à Nextel
AnfÍbio - Elifas Gurgel: como presidente da Anatel, ele autorizou a concessão à Unicel. Agora, como consultor da Unicel, ele ajudou na venda da empresa à Nextel
DA REVISTA VEJA

Tudo certo com a empresa do filho de Fanfarrão Minésio

Então vamos ver, leitor.
1) Fanfarrão Minésio tinha um filho, Minesiozinho, que não havia demonstrado qualquer tino empresarial até o pai chegar à Presidência da República. No segundo ano de mandato do genitor, o filhote já era um empresário de relativo sucesso. A empresa que criara recebeu um aporte de R$ 5 milhões de uma operadora de telefonia — uma concessionária de serviço público da qual é sócio um banco estatal de investimento.
2) A empresa de telefonia em questão queria comprar outra empresa do setor, mas a lei proibia. Fanfarrão Minésio não hesitou: mudou a lei para permitir que o negócio se realizasse. Fez mais do que isso: antes mesmo que houvesse o novo marco legal, autorizou aquele mesmo banco público a financiar a operação.
Refiro-me, é óbvio!, a Lula, o pai; a Lulinha, o filho; à Oi (antiga Telemar), que investiu dinheiro na Gamecorp (a empresa do Primeiro Filho) e comprou a Brasil Telecom. O “Fanfarrão Minésio” é uma homenagem às “Cartas Chilenas” de Tomás Antônio Gonzaga, que assim se referia ao então governador de Minas, Luís da Cunha Meneses, notório por sua truculência e arrogância. Como não podia dizer o nome do tiranete, inventou uma personagem. O desmando é a nossa mais acalentada tradição…
Ontem, a Procuradoria da República do Distrito Federal divulgou uma nota na qual afirma que dois inquéritos que apuravam eventuais irregularidades nos negócios de Lulinha foram arquivados. Falta de provas.
Leiam a nota. Volto em seguida.
“Nota à imprensa: esclarecimentos sobre caso Gamecorp”
Acerca da reportagem “Investigação sobre negócios de filho de Lula é arquivada”, publicada hoje, 9 de novembro de 2012, no jornal Folha de S. Paulo, a Procuradoria da República no DF (PR/DF) tem a esclarecer o seguinte:
Desdobramento cível
Embora a reportagem afirme que o objetivo do inquérito civil público (ICP) era “apurar suspeita de tráfico de influência em 2005”, o objeto da investigação era averiguar “suposta irregularidade na participação societária da Telemar Internet Ltda na empresa Gamecorp S/A, em virtude de eventual influência do BNDES, acionista da holding Telemar Participações S/A”, conforme expresso na portaria de instauração nº 313/2008, sob titularidade do 2º Ofício da Ordem Econômica e Consumidor da PR/DF, que não tem qualquer atribuição criminal.
Ressalta-se que não era objeto do ICP investigar tráfico de influência ou qualquer outro crime. Tratava-se de investigação de caráter cível, para analisar possível irregularidade na participação de uma concessionária de serviço público (Telemar) em empresa montada pelo filho do então presidente da República e seus possíveis reflexos na regulação do serviço telefônico fixo comutado, mormente diante da posterior fusão entre a Telemar e a Brasil Telecom. Assim, o foco da investigação conduzida pela PR/DF era verificar se o investimento realizado pela Telemar na empresa Gamecorp poderia ter violado alguma norma referente ao serviço de telefonia fixa e trazido algum prejuízo aos respectivos consumidores, sobretudo diante da suspeita de que a fusão entre a Telemar e a Brasil Telecom somente teria sido aprovada em razão do investimento na Gamecorp.
No curso da investigação, foi apurado que o BNDES não concedeu qualquer empréstimo nem efetuou aporte de capital para que a Telemar investisse na Gamecorp e tampouco participou daquela decisão empresarial. É importante notar que, como a Telemar e a Gamecorp são instituições privadas, são livres para investir e participar em outras empresas. A promoção de arquivamento elaborada pelo procurador da República Marcus Goulart, em novembro de 2010 (citada na matéria da Folha), deixa claro que “não foi possível obter qualquer prova que demonstre efetivamente que o investimento da Telemar na Gamecorp exerceu influência na posterior alteração da norma que veio a permitir a compra da Brasil Telecom” e que “tampouco se obteve prova de que o investimento se deu em razão da presença do filho do presidente da República no quadro societário da Gamecorp”.
Quanto à fusão entre Brasil Telecom e Oi, é necessário registrar as seguintes medidas tomadas pelo Ministério Público Federal (MPF):
a) instauração dos ICPs nº 1.16.000.001086/2008-38 (com foco na atuação da Anatel) e nº 1.34.001.003921/2008-46 (acompanhando investigação da Comissão de Valores Imobiliários – CVM);
b) expedição de duas recomendações à Anatel, questionando diversas omissões e contradições da agência;
c) realização de reuniões entre superintendentes da Anatel e o Grupo de Trabalho de Telefonia, da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria Geral da República (PGR), nas quais foi explicitamente questionado o indevido apressamento na análise da anuência prévia da fusão entre Brasil Telecom e Oi em função de prazo contratual privado;
d) tendo em vista o descumprimento das recomendações, o MPF ajuizou a ação nº 2008.34.00.040371-1, visando impedir a deliberação da anuência prévia antes da edição do Plano Geral de Metas de Competição, pedido posteriormente convertido em pedido de anulação da anuência prévia, infelizmente ainda sem sentença da Justiça;
e) diante da demora na decisão judicial, o MPF acompanhou o cumprimento das condicionantes impostas à fusão pela Anatel.
Desdobramento criminal
A investigação sobre possível tráfico de influência foi realizada no âmbito do Inquérito Policial 1094/2011-1, instaurado pela Polícia Federal em São Paulo, sem qualquer influência ou atuação da PR/DF. Referido inquérito foi arquivado em maio de 2012 pela Justiça Federal em São Paulo, por não haver provas que apontassem concretamente o recebimento ou promessa de vantagens a pretexto de influenciar a atuação de funcionário público.
Esclarecemos, ainda, que a colheita de depoimentos sugerida pela reportagem não teria qualquer utilidade probatória no inquérito, eis que inexistem testemunhas sobre a tal suspeita de tráfico de influência. Sem medidas de interceptação de comunicações telefônicas e de dados em tempo real, é quase impossível investigar esse tipo de ilegalidade, até porque não se espera que os investigados se dirijam à Polícia ou ao Ministério Público para confessar os fatos nem que registrem essas tratativas em documentos.
Quando não há provas para embasar acusações nem meios legais e reais de obtê-las, é dever do MPF proceder ao arquivamento dos autos, para não favorecer nem perseguir essa ou aquela agremiação política.”
Voltei
Dou até de barato que o Ministério Público tenha feito direito o seu trabalho, não encontrando provas de irregularidade. Meu ponto nem é esse.
Revejam lá os fatos. É aceitável que uma concessionária de serviço público, da qual é sócio o BNDES, injete R$ 5 milhões numa empresa que acabara de ser criada, tendo como sócio o filho do presidente? Não é ainda mais espantoso saber que o Pai do Filho alterou a legislação com o propósito específico de beneficiar justamente aquela empresa que apostara no talento de seu rebento?
Parece-me impensável que esse fato não vá ser, um dia, exumado como expressão de um tempo. Se o Brasil não dispõe de leis que coíbam essa farra, isso só nos diz quão longe estamos de um país decente. 
Por Reinaldo Azevedo - REV VEJA

Mais pudor, ministro José Eduardo Cardozo, e mais respeito com o STF!

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, não tem, que eu saiba, nenhum parente próximo que tenha participado dos grupos terroristas Colina ou VAR-Palmares (ver post), mas também é apontado como pré-candidato a uma vaga no Supremo, o que mostra que eventuais vínculos de sangue com aqueles heróis não chegam a constituir um critério único… Muito bem! Cardozo parece ter outra qualidade que pode eventualmente compor o mix do Supremo: senso de humor involuntário, quiçá uma queda para a ironia cínica. Ontem, o ministro afirmou que “ainda não está muito claro” que dinheiro púbico tenha sido usado pelos quadrilheiros, corruptos, corruptores e peculadores que protagonizaram o mensalão. Reproduzo em vermelho a sua fala, conforme registro de O Globo:
“Quando a decisão do Supremo estiver estampada num acórdão, vamos ter um divisor de águas sobre o que foi dinheiro público e o que foi dinheiro privado. Até o momento, não me parece ainda muito claro. A partir desse acórdão é que as medidas poderão ser tomadas, se comprovado que houve uso de dinheiro público”.
Como??? “SE COMPROVADO QUE HOUVE USO DO DINHEIRO PÚBLICO”??? Sabem onde estava este senhor quando deu tal declaração? Na 15ª Conferência Internacional Anticorrupção! É um escracho! É um acinte! É um deboche!
Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil foi condenado por peculato por ONZE A ZERO no Supremo! Nem Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli conseguiram fugir à evidência. O peculato é roubo de… dinheiro público!!! Se público não fosse, peculato não seria, certo ministro? Ou este que dizem pré-candidato o Supremo tem alguma outra particular leitura da questão? Terá já revogado também o sentido das palavras?
Beira a cara de pau afirmar que não está muito claro, no julgamento do Supremo, se o dinheiro era público ou não, razão por que seria preciso esperar o acórdão. Vai ver, então, existe a possibilidade de os ministros condenarem os peculadores, omitindo, depois, no texto final do processo, o crime cometido.
É impressionante que alguém que ocupa cargo tão importante na República engrole essa retórica do despiste. Cardozo pode até insistir naquela ladainha de que  os R$ 76,7 milhões eram da Visanet, não do BB, embora os autos provem o contrário. Ele pode, em suma, ser mais um a dizer que o Supremo está errado, atacando, também ele, o tribunal. Afirmar, no entanto, que a corte não deixou claro se o dinheiro era público é simplesmente uma mentira factual. Fazê-lo num seminário que debate o combate à corrupção é provocação ou humor involuntário.
Achando que não tinha enrolado o bastante, Cardozo disse esta outra coisa fabulosa:
“O Supremo confirmou no voto, mas é preciso ver no texto o que ele vai precisar. O acórdão vai balizar as ações que virão a posteriori, e é importante colocar o preto no branco”.
Heeeinnn? O quê? Como assim?
Quer dizer que existe a possibilidade, senhor ministro da Justiça, de aquilo que foi confirmado pelo voto unânime de 11 ministros não estar devidamente explicitado no acórdão? A quem se encomendará tal peça? À Executiva Nacional do PT?
Mais pudor!
Por pudor, José Eduardo Cardozo não deveria nem comentar esse caso. É ele o autor da Lei 12.232 que regularizou, com efeito retroativo, a apropriação indevida dos chamados bônus de volume pelas agências de publicidade que trabalham para estatais — e uma das condenações de Pizzolato por peculato tem a ver justamente com isso. O artigo que deu efeito retroativo à lei, o que é um escândalo, não é de sua autoria, mas, solerte, ele se calou e permitiu que o absurdo fosse consumado. A lei que leva a assinatura do agora ministro foi excomungada pelo Supremo. O presidente do tribunal, Ayres Britto, considerou que ele foi “escrito sob medida”; acusou-o de ter sido feito “intencionalmente” e “maquinadamente” para legalizar o ilegal. Chamou a lei de “atentado veemente” à Constituição.
Mais pudor, ministro!
Imaginem, agora, Cardozo no Supremo…
Por Reinaldo Azevedo