O
jornal O Globo traz uma reportagem com informações que estão naquela
categoria que chamo estupefaciente. Não recrimino a reportagem, não, mas
a bobajada produzida por pesquisadores da PUC-RJ, que não resiste a
cinco minutos de reflexão. Leiam o que informa Alessandra Duarte e
Sérgio Roxo (em vermelho). Volto em seguida:
*
A redução da desigualdade com o Bolsa
Família está chegando aos números da violência. Levantamento inédito
feito na cidade de São Paulo por pesquisadores da PUC-Rio mostra que a
expansão do programa na cidade foi responsável pela queda de 21% da
criminalidade lá, devido principalmente à diminuição da desigualdade,
diz a pesquisa. É o primeiro estudo a mostrar esse efeito do programa na
violência.
Em 2008, o
Bolsa Família, que até ali atendia a famílias com adolescentes até 15
anos, passou a incluir famílias com jovens de 16 e 17 anos. Feito pelos
pesquisadores João Manoel Pinho de Mello, Laura Chioda e Rodrigo Soares
para o Banco Mundial, o estudo comparou, de 2006 a 2009, o número de
registros de ocorrência de vários crimes - roubos, assaltos, atos de
vandalismo, crimes violentos (lesão corporal dolosa, estupro e
homicídio), crimes ligados a drogas e contra menores -, nas áreas de
cerca de 900 escolas públicas, antes e depois dessa expansão.
“Comparamos
os índices de criminalidade antes e depois de 2008 nas áreas de escolas
com ensino médio com maior e menor proporção de alunos beneficiários de
16 e 17 anos. Nas áreas das escolas com mais beneficiários de 16 e 17
anos, e que, logo, foi onde houve maior expansão do programa em 2008,
houve queda maior. Pelos cálculos que fizemos, essa expansão do programa
foi responsável por 21% do total da queda da criminalidade nesse
período na cidade, que, segundo as estatísticas da polícia de São Paulo,
foi de 63% para taxas de homicídio”, explica João Manoel Pinho de
Mello.
O motivo
principal, dizem os autores, foi a queda da desigualdade causada pelo
aumento da renda das famílias beneficiadas- Há muitas explicações de
estudos que ligam queda da desigualdade à queda da violência: uma, mais
sociológica, é que diminui a insatisfação social; outra, econômica, é
que o ganho relativo com ações ilegais diminui - completa Rodrigo
Soares. - Outra razão é que muda a interação social dos jovens ao terem
de frequentar a escola e conviver mais com gente que estuda.
Reforma policial ajudou a reduzir crimes
Apesar de estudarem no bairro que já foi tido como um dos mais
violentos do mundo, os alunos da Escola Estadual José Lins do Rego, no
Jardim Ângela, periferia de São Paulo - com 1.765 alunos, dos quais 126
beneficiários do Bolsa Família -, dizem que os assaltos e brigas de
gangues, por exemplo, estão no passado. “Os usuários de drogas entravam
na escola o tempo todo”,conta Ana Clara da Silva, de 17 anos, aluna do
ensino médio. “Antes, você estava dando aula e tinha gente vigiando pela
janela”, diz a diretora Rosângela Karam.
Um dos
principais pesquisadores do país sobre Bolsa Família, Rodolfo Hoffmann,
professor de Economia da Unicamp, elogia o estudo da PUC-Rio: “Há ali
evidências de que a expansão do programa contribuiu para reduzir
principalmente os crimes com motivação econômica”, diz. “De 20% a 25% da
redução da desigualdade no país podem ser atribuídos ao programa; mas
há mais fatores, como maior valor real do salário mínimo e maior
escolaridade”.
Professora
da Pós-Graduação em Economia da PUC-SP, Rosa Maria Marques também lembra
que a redução de desigualdade não pode ser atribuída apenas ao Bolsa
Família: “Também houve aumento do emprego e da renda da população. E
creio que a mudança na interação social dos jovens beneficiados contou
muito.” Do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, o professor
Ignácio Cano concorda com a relação entre redução da desigualdade e
queda da violência: “Muitos estudos comparando dados internacionais já
apontaram que onde cai desigualdade cai criminalidade.”
Mas são as
outras razões para a criminalidade que chamam a atenção de Michel Misse,
coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência
Urbana da UFRJ. Misse destaca que a violência na capital paulista vem
caindo por outros motivos desde o fim dos anos 1990:
“O estudo
cobre bem os índices no entorno das escolas. Mas não controla as outras
variáveis que interferem na queda de criminalidade. Em São Paulo, a
violência vem caindo por pelo menos quatro fatores: reforma da polícia
nos anos 2000; política de encarceramento maciça; falta de conflito
entre quadrilhas devido ao monopólio de uma organização criminosa; e
queda na taxa de jovens (maioria entre vítimas e autores de crimes),
pelo menor crescimento vegetativo.” Para Misse, a influência do programa
não foi pela desigualdade: “É um erro supor que só pobres fornecem
agentes para o crime; a maioria dos presos é pobre, mas a maioria dos
pobres não é criminosa. Creio que, no caso do Bolsa Família, o que mais
afetou a violência foi a criação de outra perspectiva para esses jovens,
que passaram a ter de estudar.”
Voltei
Há tempos não lia tanta bobagem. O único que diz aí coisa com coisa, com
algumas ressalvas, é Michel Misse. O resto é o besteirol de sempre, que
associa pobreza a violência. O índice de homicídios em São Paulo vem
caindo de forma consistente há mais de 12 anos. O estado está em
antepenúltimo lugar no ranking de homicídios por 100 mil habitantes; a
capital, proporcionalmente, é a que menos mata no país.
O Mapa da
Violência desmente esse estudo de maneira vexaminosa, assombrosa. E não
com estudozinho focado na escola X ou Y, não, mas com dados objetivos.
Leiam trecho de um post deste blog de 14 de dezembro do ano passado (em
azul):
Nesta quarta, foi divulgado o Mapa da Violência
com dados de 11 anos, de 2000 a 2010. Pois é… Em 2000, a cidade de São
Paulo tinha 64 mortos por 100 mil habitantes, segundo o mapa. Em 2010,
apenas 13 - uma queda de 80%. No outro extremo, Salvador tinha 12,9
naquele ano; em 2010, saltou para 55,5 mortos por cem mil: um
crescimento de 330,2%…
(…)
O Brasil teve 49.932 homicídios no ano de 2010. De acordo com o Mapa da
Violência divulgado nesta quarta-feira pelo Instituto Sangari com
informações dos ministério da Saúde e da Justiça, a taxa de homicídios
no ano passado ficou em 26, 2 mortes para 100.000 habitantes. O número
significa uma pequena redução em relação a 2009, quando a taxa foi de 27
mortes. Mas a taxa é superior à de conflitos armados em países como o
Afeganistão, a Somália, ou o Sudão. Qualquer taxa acima de 10 mortes por
100.000 pessoas é considerada epidêmica por organismos internacionais.
Uma epidemia que, no Brasil, tirou 1 milhão de vidas nos últimos 30
anos.
O maior
índice de homicídios é o de Alagoas, com 66, 8 mortes por 100.000
habitantes. Em seguida, vêm o Espírito Santo (50, 1), Pará (45, 9),
Pernambuco (38,8) e Amapá (38,7). Os menores números são os de Santa
Catarina (12,9), Piauí (13,7), São Paulo (13,9), Minas Gerais (18,1),
Rio Grande do Sul (19,3) e Acre (19,6). Entre as capitais, Maceió é a
que tem o maior número de homicídios por habitante. São Paulo possui a
menor taxa. A trajetória da capital paulista, aliás, chama a atenção: em
2000, a cidade tinha a 4ª maior taxa entre as capitais. De lá para cá, o
índice de homicídios no município caiu cerca de 80%.
“A grande
novidade é que há um processo de nivelamento nacional da violência que
não existia dez anos atrás. Há dez anos, ela estava concentrada nas
regiões metropolitanas. Agora se espalhou. As taxas dos sete estados que
em 2000 eram os líderes de violencia caíram, e os sete que tinha as
taxas menores subiram”, diz Julio Jacobo, coordenador da pesquisa.
Aumento
Uma análise em perspectiva mostra um aumento da violência nas regiões
Norte e Nordeste: entre 2000 e 2010, o número de homicídios mais do que
quadruplicou no Pará, na Bahia e no Maranhão. A maior queda se deu em
São Paulo, que registrou uma redução de 63, 2% no número de homicídios
durante a década passada, mesmo com o aumento populacional. O Rio de
Janeiro também teve uma diminuição expressiva, de 42,4%, no período.
A pesquisa
mostra que os números da violência têm se estabilizado nas capitais,
enquanto a criminalidade avança nas cidades menores. Em 2010, a maior
taxa de homicídios ficou com a cidade de Simões Filho (BA): o índice
chegou a 146, 4 assassinatos por 100.000 pessoas. De acordo com o
levantamento, três causas contribuíram para essa mudança de perfil: a
desconcentração econômica do país, o aumento do investimento em
segurança nas grandes cidades e a melhoria nos sistemas de captação de
dados sobre crimes nos pequenos municípios.
Retomo
Usar o Bolsa Família para explicar a queda de violência em São
Paulo é a mais nova farsa influente. A anterior era atribuir a queda à
campanha do desarmamento. Pergunto aos iluminados: por que,
então, a campanha do desarmamento não produziu os mesmos efeitos no
resto do Brasil? Por que, então, houve, na média, aumento da violência
no Norte e Nordeste, embora sejam as regiões mais beneficiadas pelo
Bolsa Família? A verdade é bem outra. No dia 12 de janeiro, o Globo dava uma notícia relevante. Segue em preto, com comentários em azul.
Estados
brasileiros que prenderam mais registraram menos homicídios.
Levantamento feito pelo GLOBO com base nos dados do Sistema Nacional de
Informação Penitenciária (InfoPen) do Ministério da Justiça e do Mapa da
Violência 2012, do Instituto Sangari, revela que as unidades da
Federação em que há menos presos por homicídio do que a média nacional
viram, na década passada, a taxa de assassinatos aumentar 16 vezes mais
em comparação aos estados com população carcerária maior.
Em 12
estados do grupo que tem menos presos houve aumento no número de
assassinatos, incluindo a Bahia, que teve uma explosão no índice de
homicídios, passando de 9,4 por 100 mil habitantes para 37,7 por 100 mil
habitantes entre 2000 e 2010. Alagoas, o estado mais violento do
Brasil, também tem menos presos pelo crime do que a média nacional. Lá,
em dez anos, o índice de assassinatos subiu de 25,6 para 66,8 por 100
mil habitantes.
Já havia chamado a atenção de vocês
para o caso da Bahia, onde a elevação do índice de homicídios é
assustadora. O Mapa da Violência, diga-se, evidencia que essa é uma
realidade de quase todos os estados nordestinos. Mais um mito caiu:
aquele segundo o qual o baixo crescimento econômico induz a violência. O
Nordeste cresceu mais do que a média do Brasil nos últimos anos e muito
mais do que a própria média histórica.
A única
exceção no quadro é o Rio de Janeiro. Segundo os dados do InfoPen, o
estado tem o menor número de presos por assassinatos do Brasil e, ainda
assim, conseguiu reduzir o número de homicídios de 51 para 26,2 por 100
mil habitantes.
O dado precisa ser visto com
cuidado. Havia no estado, como se tornou público, um problema de
subnotificação. Mas isso é o menos relevante agora. Bem ou mal, o Rio
decidiu enfrentar o crime organizado. O índice é ainda brutal. Se quiser
chegar ao número que a ONU considera aceitável, terá de prender mais.
Na outra
ponta, em cinco dos 14 estados com mais presos (Mato Grosso, São Paulo,
Mato Grosso do Sul, Roraima e Pernambuco, além do Distrito Federal)
houve queda nas taxas de assassinatos. O estado que mais reduziu o crime
é São Paulo. Passou de 42,2 para 13,9 homicídios por 100 mi habitantes.
Em outros dois (Rondônia e Acre), os indicadores mantiveram-se
estáveis.
Bem, os dados estão aí. Pode-se
tentar entendê-los; pode-se ignorá-los, como, vocês verão, farão um
“especialista” e uma representante do governo. No caso dela, pesam
certamente dois fatores: a ideologia e a zona do conforto.
A taxa de
detentos cumprindo pena por homicídios simples, qualificado e latrocínio
no Brasil é de 36,9 presos por 100 mil habitantes. Em 13 estados as
populações carcerárias de homicidas estão abaixo desse total. Na média,
os assassinatos nesses estados cresceram 62,9% na década passada ante
3,8% dos 14 estados que têm mais detentos.
Alguma dúvida sobe o que vai acima?
Alguém
precisa contar aos tais pesquisadores da PUC-RJ que, assim como não se
deve oferecer polícia a quem precisa do Bolsa Família, não se deve
conter com Bolsa Família quem precisa de polícia. E uma recomendação
final: parem com esse preconceito asqueroso contra pobre, sob o pretexto
da benevolência social. Se pobreza induzisse violência, ninguém
conseguiria botar o nariz fora da porta. Nem os pesquisadores da PUC…