Embora às vezes a gente se sinta perdido na
complexidade da crise brasileira, é possível achar um rumo. Ele passará
pela sociedade e pelo Congresso
Publicado no Globo
Na semana passada nosso barco encalhou perto da Baía dos
Pinheiros, no litoral sul do Paraná. A maré baixou rápido e ficamos mais
ou menos perdidos: só tínhamos as coordenadas e um rádio. Não havia o
que fazer, exceto esperar a maré subir. Alguém me provocou: nosso barco
está encalhado como o país.
Nessas horas de espera a gente alonga a conversa. Disse que
de uma certa forma só voltaríamos a flutuar quando viessem as eleições
de 2018. Até lá estaremos encalhados de uma forma diferente do pequeno
barco colado na lama do fundo do mar. Haveria muita turbulência e, como
estamos no final de uma grande investigação, muitas situações repetidas.
A de Temer, por exemplo, afirmando que não há provas,
dizendo-se vítima de uma perseguição. Quem não ouviu essa fala em outros
atores da grande série político-policial?
Embora às vezes a gente se sinta perdido na complexidade da
crise brasileira, é possível achar um rumo. Ele passará pela sociedade e
pelo Congresso. Vamos entrar num período eleitoral, e a sociedade
costuma ter mais peso nessas épocas. O Congresso torna-se mais sensível
às pressões populares. De memória, lembro-me apenas de uma grande
exceção: a derrota na emenda Dante de Oliveira.
Enquanto o barco não sai do lugar, movido pelos ventos da
legitimidade, há muito o que fazer na espera. Num barco, temos de
distribuir as bananas, agasalhar a garganta do sudeste frio que sopra no
litoral. Num país é preciso saber o que se quer enquanto estamos à
espera de voltar a navegar. Fora Temer, ou fica Temer.
A Câmara terá que decidir isto. Mas não o fará sozinha. Se a
pressão social a levar a aceitar a denúncia contra Temer, é o fim para
ele. Só restará, depois de visitar a União Soviética, passar umas férias
no Império Austro-Húngaro.
Começaria aí uma nova etapa, a escolha do novo presidente. É
preciso algumas precauções básicas, pois não é possível derrubar
presidentes com tanta frequência.
Entregue a si próprio, o Congresso tende a escolher alguém
que o proteja da Lava-Jato. Mas não existe mais possibilidade de tomar
as decisões nas madrugadas. Uma vigilância social pode conter os passos
do escolhido para a transição.
O que se espera de um presidente de país encalhado é
principalmente tocar a administração. Quando a maré subir, com eleitos
no poder, tomam-se as grandes decisões.
Alguém me lembra que isso é não é uma situação sonhada. Mas a
que a realidade nos coloca. Mesmo as eleições de 2018, embora tragam
mais legitimidade aos eleitos, não devem ser vistas na categoria de
sonho, mas sim de uma oportunidade, depois de tudo o que pessoas viram e
ouviram sobre o sistema político partidário.
Na rua ouvem-se muito os nomes de Lula e Bolsonaro.
Potencialmente pode surgir uma força de equilíbrio que suplante as duas.
Não creio que aconteça o mesmo que aconteceu na França, onde houve uma
ampla renovação, da presidência ao Congresso.
Mas alguma coisa vai acontecer. Enquanto a maré não sobe, há
muito o que fazer no barco encalhado. É preciso que o essencial
funcione.
No momento em que escrevo ouço os helicópteros da PM
sobrevoando o morro. Uma dezena de tiroteios por dia, uma onda de roubos
de carga, imagens de crianças deitadas no chão da escola enquanto os
tiros ecoam.
Temer chegou a anunciar um plano de segurança para o Rio.
Era pura agenda positiva, esse tipo de ação que fazem quando a barra
está muito pesada e é preciso mudar de assunto. A dimensão da crise no
cotidiano, a existência de 14 milhões de desempregados, esse pano de
fundo inquietante torna a tarefa mais difícil. Quando governantes já
caídos se apegam ao poder, na verdade colocam seu destino acima do
destino nacional. Os reflexos na economia são sempre negativos.
Encalhamos um pouco mais.
A compreensão do momento vai exigir da sociedade evitar que o
barco encalhado torne-se um barco naufragado. Será preciso um amplo
entendimento entre todos que reconhecem a gravidade da crise, para que
cheguemos em condições razoáveis em 2018.
Esta semana faltaram passaportes na Polícia Federal. É um
sintoma. Se não houver o mínimo de energia na administração, daqui a
pouco não faltarão apenas passaportes mas as próprias saídas.
Não é nada agradável se desfazer de dois presidentes num
curto espaço de tempo. Mas o roteiro, de uma certa forma, estava
escrito. Retirado o PT do governo, restaram em seu lugar os companheiros
de uma viagem suja pelos cofres públicos brasileiros.
A investigação chegou a eles e à própria oposição. Não
importa qual o desfecho jurídico desse imenso esforço, ele serviu para
desvendar para a sociedade um gigantesco esquema de corrupção e um
decadente sistema político partidário.
Daí pra frente a bola está com a sociedade. DO A.NUNES