Parte da verba saiu de sobrepreço de contratos do esquema chefiado pelo ex-governador Sérgio Cabral. Operação cumpre 22 mandados de prisão, 10 deles contra deputados estaduais.
Por Henrique Coelho, G1 Rio
O esquema de compra e venda de votos na Assembleia Legislativa do Rio
(Alerj) movimentou ao menos R$ 54 milhões, segundo informou o
superintendente da Polícia Federal, Ricardo Saadi. A declaração foi dada
em entrevista coletiva nesta quinta-feira (8), após a deflagração da
Operação Furna da Onça, que investiga um suposto "mensalinho" na Alerj. Os valores chegavam a R$ 900 mil.
A investida cumpriu, até as 11h, 20 de 22 mandados de prisão - mas três
já estavam presos há um ano, quando da Operação Cadeia Velha. Dos
demais 17, dez são deputados estaduais, cinco deles reeleitos.
“A prisão temporária foi decretada e não será submetida à Alerj”, destacou Carlos Aguiar, do MPF.
Também foi alvo da operação o secretário estadual de Governo, Affonso
Monnerat, apontado como o canal entre Alerj e Palácio Guanabara. Estão
foragidos o presidente do Detran, Leonardo Jacob, e seu antecessor,
Vinícius Farah, em cujas gestões, segundo a força-tarefa, lotearam-se
cargos como parte das vantagens indevidas.
Houve ainda 47 mandados de busca e apreensão - um foi na Alerj, no
prédio anexo; outro no Palácio Guanabara, sede do governo estadual.
Todos os alvos
PODER EXECUTIVO
- Affonso Monnerat, secretário estadual de Governo;
- Leonardo Jacob, presidente do Detran, foragido;
- Vinícius Farah (MDB), ex-presidente do Detran, eleito deputado federal, foragido.
PODER LEGISLATIVO
- André Correa (DEM), deputado estadual reeleito e ex-secretário estadual de Meio Ambiente;
- Chiquinho da Mangueira (PSC), deputado estadual reeleito e presidente da escola de samba;
- Coronel Jairo (MDB), deputado estadual não reeleito;
- Edson Albertassi (MDB), deputado afastado - já preso em Bangu;
- Jorge Picciani (MDB), deputado afastado - já em prisão domiciliar;
- Luiz Martins (PDT), deputado estadual reeleito;
- Marcelo Simão (PP), deputado estadual não reeleito;
- Marcos Abrahão (Avante), deputado estadual reeleito;
- Marcus Vinícius Neskau (PTB), deputado estadual reeleito;
- Paulo Melo (MDB), deputado afastado - já preso em Bangu;
ASSESSORES PARLAMENTARES E AUXILIARES
- Alcione Chaffin Andrade Fabri, chefe de gabinete e operadora financeira de Marcos Abrahão;
- Daniel Marcos Barbiratto de Almeida, enteado e operador financeiro de Luiz Martins;
- Jennifer Souza da Silva, empregada do Grupo Facility/Prol, vinculada a Paulo Melo;
- Jorge Luis de Oliveira Fernandes, assessor e operador financeiro de Coronel Jairo;
- José Antonio Wermelinger Machado, ex-chefe de gabinete e principal operador financeiro de André Corrêa;
- Leonardo Mendonça Andrade, assessor e operador financeiro de Marcos Abrahão;
- Magno Cezar Motta, assessor e operador financeiro de Paulo Melo;
- Shirlei Aparecida Martins Silva, ex-chefe de gabinete de Edson Albertassi e subsecretária dos Programas Sociais da Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia, Inovação e Desenvolvimento Social.
Sobrepreço de contratos
De acordo com as investigações, a organização criminosa, chefiada pelo
ex-governador Sérgio Cabral, pagava propina a vários deputados
estaduais, a fim de que patrocinassem interesses do grupo criminoso na
Alerj. Loteamento de cargos no Detran era outra forma de "agrado".
A força-tarefa afirma que o esquema continuou mesmo após as operações
do ano passado, quando Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi
foram presos.
“Estima-se que o valor desviado e pago em propina seja de, pelo menos,
R$ 54,5 milhões, dos quais uma parte foi financiada pelo sobrepreço de
alguns contratos”, afirmou Ricardo Saadi, superintendente da Polícia
Federal.
Procurador-regional da República, Carlos Aguiar explicou que cargos
públicos foram dados como moeda de troca, e citou “propinolândia” na
Alerj.
“As investigações demonstraram que esses personagens lotearam o estado do Rio de Janeiro para viabilizar a execução dos seus interesses políticos. Alerj se tornou propinolândia.”
Incontrolável
Delegada da PF, Xênia Soares afirmou que o montante dos pagamentos
indevidos cresceu tanto que foi preciso "terceirizá-los". “Esses
pagamentos eram feitos pelos irmãos Chebar", conta Xênia. No segundo
mandato de Sérgio Cabral, eles não conseguiram administrar a quantidade
de valores que tramitavam. Então, terceirizavam o serviço de
movimentação do dinheiro da organização criminosa que eram dados por
ordem de Carlos Miranda para os doleiros Juca e Toni", detalha.
Affonso Henrique Monnerat, secretário de Pezão, é o personagem que
faria o canal entre os deputados e o Executivo no esquema. Segundo o
procurador Carlos Aguiar, "Não há indícios de que o atual governador
esteja envolvido nos pagamentos".
"Parte do dinheiro vinha do doleiro Álvaro Novis e era passado pela Fetranspor aos presidentes da Alerj. Outra parte vinha do dinheiro de obras feitas pela Odebrecht no Estado", disse Xênia Soares.
"As investigações mostraram que os envolvidos no esquema possuíam uma
movimentação financeira completamente incompatível com os ganhos
legais", disse o superintendente da Receita Federal da 7ª Região, Luiz
Henrique Casemiro.
"O esquema não usava apelidos, eram os nomes dos envolvidos. A
organização agia com a certeza da impunidade”, destacou a procuradora
Renata Ribeiro Baptista, do MPF.
Loteamento
O Detran era fonte de cargos, segundo a força-tarefa. "Chiquinho da
Mangueira tinha 74 indicações. Luiz Martins, sozinho, tinha 137",
afirmou a procuradora Renata Ribeiro Baptista. "Entre os 40 que estavam
com indicação de Paulo Melo, 15 apareciam como prestadores de serviço em
campanhas eleitorais do próprio deputado", emendou.
"O Detran era manipulado para a realização de atividades de interesse de grupos corruptos. O deputado Paulo Melo era considerado o “dono” do Detran", disse a delegada Xênia Soares, da PF.
A operação foi determinada por desembargadores da 1ª Seção
Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) e se
debruça também sobre a atual gestão do governo estadual, apesar de não
haver citação direta ao governador Luiz Fernando Pezão.
Operação Cadeia Velha
Deflagrada em novembro de 2017,
a operação levou para a cadeia os deputados Jorge Picciani, Paulo Mello
e Edson Albertassi e investigou esquema de corrupção em que os
deputados usavam da sua influência para aprovar projetos na Alerj para
favorecer as empresas de ônibus e também as empreiteiras.
Atualmente, Jorge Picciani está em prisão domiciliar por causa de sua saúde e Paulo Mello e Albertassi seguem presos em Bangu.
Esta semana, o RJ2 mostrou trechos de escutas gravadas com autorização da Justiça na época da Cadeia Velha. Os áudios trazem Picciani articulando para sair da prisão, horas antes de se entregar, e o braço direito do então presidente da Alerj negociando recolhimento de propina.
O que dizem os citados
- André Correa: ao chegar à PF, na Praça Mauá, André Corrêa afirmou que "quem não deve não teme". "Sigo com a minha promessa de tirar o Psol da presidência da Comissão de Direitos Humanos”, emendou. Corrêa ainda garantiu que mantém a postulação à presidência da Alerj.
- Affonso Monnerat: “O governo do estado desconhece os fatos e não teve acesso aos autos do processo”.
- Chiquinho da Mangueira: assessor ainda não conseguiu contato com o advogado dele;
- Coronel Jairo: assessoria do gabinete só vai se pronunciar no horário da tarde.
- Leonardo Jacob: "O Detran está à disposição das autoridades para qualquer esclarecimento.”
- Luiz Martins: ninguém atende no gabinete do deputado.
- Marcelo Simão: gabinete vazio.
- Marcus Vinícius Neskau: ainda não respondeu.
- Vinícius Farah: “O Detran está à disposição das autoridades para qualquer esclarecimento.”