Os
fragmentos de narrativa e de conversas que vão vazando das escutas
feitas pela PF nas operações Vegas e Monte Carlo vão nos fazendo perder a
noção do todo. Aos poucos, os vários pedaços da verdade vão
contribuindo para construir o que tem tudo para ser uma grande mentira e
um elogio à impunidade.
Pensemos.
“Será que
Fernando Cavendish, o dono da Delta, está envolvido com jogo do bicho,
caça-níqueis, essas coisas?” Não há, até agora, nenhum sinal, certo? Não
existem evidências, pois, de que Cavendish seja sócio de Cachoeira na
contravenção, mas há indícios de sobra de que este era parceiro daquele
em alguns empreendimentos.
Estão acompanhando?
Outra
questão relevante. Ainda que não existisse uma Delta, Cachoeira seria
quem é no mundo da contravenção. Essa sua atividade específica independe
de contratos com o governo, licitações, obras públicas etc.
Assim, ele
tem de ser investigado e, dado o que já se sabe, punido por suas ações
no jogo. Atenção para isto: o contraventor já existia antes de a Delta
ser o que é. Haveria a obrigação de investigá-lo ainda que ele não
tivesse contato com construtora nenhuma.
O que estou
querendo dizer é que a investigação tem de ser dividida em dois grupos:
num deles, encontramos Cachoeira, os caça-níqueis, a exploração do jogo
etc.
É coisa séria, que merece atenção?
É, sim! Afinal, ele contava até
com parlamentares que atuavam como despachantes de seus interesses, a
exemplo do que se depreende de seus diálogos com o senador Demóstenes
Torres.
Restringir, no entanto, a investigação a Cachoeira, como quer o
PT — defendeu essa posição até numa resolução nacional —, corresponde a
fraudar de forma espetacular a verdade.
Quem é Cachoeira mesmo?
Cachoeira é um contraventor que tem de ser punido na forma da
lei, independentemente de seus vínculos com Cavendish. MAS ELE TAMBÉM
ERA O HOMEM DA DELTA NA REGIÃO CENTRO-OESTE.
E agora chegamos ao ponto:
Cavendish não aparece nas conversas de Cachoeira sobre jogo porque, de
fato, não tem nada com isso!
O bicheiro era o seu operador e
intermediário em assuntos no Centro-Oeste. Seu raio de ação não ia muito
além dessa região, especialmente Goiás e o Distrito Federal.
Assim, insisto: duas investigações precisam ser feitas:
a) a que envolve as ações ilegais do bicheiro como bicheiro;
b)
a que envolve as ações do bicheiro como parceiro da Delta.
E é nesse
ponto que a coisa fica interessante: Cachoeira era apenas um dos,
digamos, “escritórios” que cuidavam do interesse da empresa.
Cavendish,
que já declarou ser possível comprar um senador por R$ 6 milhões,
ESTABELECEU UMA PARCERIA COM ELE EM ASSUNTOS LOCAIS. Mas certamente não
era o bicheiro que atuava como procurador da Delta no Rio, por exemplo.
Quando
Cândido Vaccarezza mandou aquele torpedo amoroso para o governador
Sérgio Cabral (PMDB), já sabia que o nome do governador do Rio não
frequenta as conversas do bicheiro com sua turma.
ORA, NEM PODERIA!
Tanto no jogo ilegal como no assalto ao erário, a região de Cachoeira,
insisto, é o Centro-Oeste.
O leitor
esperto já se tocou, não?
Cumpre perguntar: quem é o braço operativo de
Cavendish no Rio, por exemplo?
O bicheiro pode ser hábil, poderoso e
tal, mas aquela não era uma área que ele dominasse. Podem virar do
avesso os contratos de R$ 1,1 bilhão do estado do Rio com a Delta, e
duvido que se encontre por ali o dedo de Cachoeira. A construtora, está
claro como a luz do dia, tinha operadores regionais.
No Centro-Oeste,
ficamos todos sabendo, parece difícil fazer um negócio sem se molhar na
fonte do contraventor, mas não fora dali.
Tendo a achar que isso explica
aquele rasgo vaccarezzo-shakespeariano.
O petista dirceuzista estava
dando garantias a Cabral de que a CPI vai se limitar ao Centro-Oeste e
não quer saber dos outros “Cachoeiras” espalhados Brasil afora.
Quem não se lembra?
A Polícia Federal e a Controladoria Geral da União (CGU)
acusaram maracutaias da Delta no Ceará, em 2010!!!
A operação Mão Dupla
identificou de tudo por lá: propina, fraudes em licitações, desvio de
verbas, superfaturamento, pagamentos irregulares e emprego de material
de qualidade inferior ao contratado em obras comandadas pelo Dnit.
Um
diretor local da Delta, Aluizio Alves de Souza, e o superintendente no
Dnit no Estado, Joaquim Guedes Martins de Neto, foram presos.
Mesmo
assim, o governo celebrou com a construtora outros 31 contratos, no
valor de quase R$ 800 milhões.
Pergunto: o Ceará estava sob a jurisdição
de Cachoeira??? Não! O “homem” da construtora no Estado era outro.
Pergunto
outra vez: “Quem será, hein, o ‘Cachoeira’ de Cavendish no Rio?
Assim
como, no Centro-Oeste, foi preciso recorrer ao estado paralelo
cachoeirístico para viabilizar negócios, quem terá, nas terras
fluminenses, feito pela Delta o que fazia Cachoeira na região central do
Brasil?
Entenderam o busílis?
Uma coisa é apurar a infiltração da
contravenção no estado etc. e tal…
É grave?
É grave!
Mas isso,
convenham, para os cofres públicos, beira a irrelevância quando se
pensa, só para ficar nas obras do PAC, em R$ 4 bilhões!
A INVESTIGAÇÃO QUE MAIS INTERESSA É OUTRA: QUAIS SÃO OS BRAÇOS QUE OPERAM O ESQUEMA DELTA NO BRASIL?
Esse é o ovo de Colombo.
E parece que é isso o que a CPI quer esconder.
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que deixou por um tempos a
militância em favor da descriminação da maconha para cuidar de outros
baratos na CPI, chama a possibilidade de investigar a Delta em escala
nacional de “devassa”!!! E
sse é um dos que preferem perseguir a imprensa
a ficar no encalço de larápios, que roubam os cofres públicos.
Agora, sim!
Agora, sim!, as coisas parecem mais claras.
Misturar no mesmo
imbróglio a jogatina — que tem de ser investigada e punida! — e o
esquema Delta corresponde a mentir de forma asquerosa para os
brasileiros.
No Centro-Oeste, em razão das atividades preexistentes de
Cachoeira, essas duas coisas se cruzaram. Cachoeira ainda é um
contraventor local, com aspirações de estender nacionalmente a sua
influência. A Delta, nesse sentido, lhe era um canal e tanto.
A teia
verdadeiramente nacional é outra: chama-se Delta.
E é preciso saber o
nome dos outros “cachoeiras”. PARA QUE TODOS SEJAM PUNIDOS POR SEUS
EVENTUAIS CRIMES.
Punir apenas
Carlinhos Cachoeira, Demóstenes e mais um, dois ou três não é injusto,
não, no que diz respeito à turma e às suas ações. Punir apenas essa
gente é injusto com o Brasil! E se trata de mais uma aposta na
impunidade, que está na raiz de toda essa lambança.
Se a CPI não investigar para valer a Delta no Brasil inteiro, estará mandando um recado aos demais “Cachoeiras” do esquema:
“Vocês são nossos, nós somos seus, e o Brasil e os brasileiros que se danem”.
REV VEJA
21.05.2012