Caros,
o texto ficou longo (grande novidade!!!), mas acho que dá conta de
quase todos os aspectos daquele grotesco espetáculo de ontem à noite.
Avaliem. Se gostarem, espalhem.
*
Há dias a transgressão à Lei Eleitoral estava anunciada. Lula
daria a sua primeira entrevista depois de deixar a Presidência da
República ao Programa do Ratinho, do SBT. O SBT é a emissora do
empresário e ex-banqueiro Silvio Santos, cujo banco, o Panamericano,
quebrou, deixando um rombo de R$ 4,3 bilhões na praça. Isso deveria lhe
ter custado o patrimônio pessoal e empresarial. Mas saiu ileso, sem
gastar um centavo. O então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, deu um
jeitinho. Foi um dos maiores escândalos financeiros do país. Voltarei
ao ponto mais abaixo. Pois bem: os petistas anunciavam, e a imprensa
noticiava: a “entrevista” ao apresentador Ratinho será a primeira de uma
série de aparições do ex-presidente em programas de TV para tentar
catapultar a candidatura de Fernando Haddad (PT) à Prefeitura de São
Paulo. Ou por outra: o desrespeito à Lei Eleitoral estava sendo, por
espantoso que pareça, anunciado. Fazia-se a crônica do crime antes mesmo
de ele acontecer. E assim se deu. Só não se esperava que pudessem ir
tão longe — aposta sempre perdida quando se trata de Lula. E foram!
Haddad, em pessoa, apareceu a tiracolo, para ter suas virtudes exaltadas
por Lula e para tentar, ele mesmo, com peculiar ruindade, vender o seu
peixe. Um escracho! Um acinte! Um deboche! A maracataia que livrou a
cara e o bolso de Silvio Santos vivia ali mais um capítulo das
compensações, da política do “é dando que se recebe”.
Ataque boçal e antidemocrático
Lula — com o concurso do SBT, é evidente! — não foi além do
aceitável apenas quando apareceu com seu candidat, um notável
desajeitado, que mal escondia a condição de boneco de mamulengo. A certa
altura do programa, Ratinho perguntou — com aquela falsa espontaneidade
que, admita-se, o apresentador encarna muito bem — se o petista admitia
voltar a se candidatar à Presidência da República. Depois de afirmar,
obviamente, que Dilma tentará a reeleição, que está fazendo um trabalho
extraordinário, não se conteve: “Se ela não quiser ser candidata, vou ser. Não vou permitir que um tucano volte a ser presidente do Brasil”.
Ainda que a resposta pareça banal na sua boca e, até certo ponto,
esperada, é bom que se destaque: não há democracia respeitável no mundo
que aceite uma intervenção como essa. Lula transforma um dos partidos de
oposição numa anátema, como se, na Presidência, tivesse feito um mal ao
Brasil. É essa abordagem verdadeiramente criminosa que o petismo tem da
política que me causa — a mim e a quantos possam prezar o regime
democrático — repúdio. Ratinho, com Haddad ali presente, numa programa
que tinha justamente o objetivo de tirá-lo da obscuridade eleitoral, não
perdeu tempo. Olhou para as câmeras e disparou:
— Zé Serra, cê tá ralado!
O empresário
Ratinho, dono de concessões de emissoras de televisão, de tonto só tem o
andado e o jeitão. É espertíssimo. Sabe que o tucano José Serra é
candidato à Prefeitura de São Paulo e, pois, adversário de Haddad, não à
Presidência. Mas estava ali prestando um serviço. Lula havia dado a
Silvio Santos, afinal, quando fez a maracataia do Panamericano, bem mais
do que aquilo. A dívida, aliás, é impagável!
Pagando a rabada de Ratinho com a rabada do povo
Lula está com a aparência doentia, ainda bastante inchado e
rouco, mas o caráter, o que ele tem, já está cem por cento. Nos
primeiros instantes de programa, contou que havia prometido a entrevista
ao apresentador porque eram amigos pessoais: “Já comi rabada na casa do Ratinho, e o Ratinho comeu rabada na Granja do Torto”.
O valor de uma e de outra é certamente irrisório, mas não o simbolismo.
O apresentador pagou a iguaria que ofereceu a Lula com seu próprio
dinheiro, e Lula pagou a que ofereceu a seu amigo com o nosso. Mutatais mutandis (e põe uma montanha de “mutandis”
aí…), o acordão do Panamericano foi uma rabada pública de dimensões
pantraguélicas! Mas ainda não é a hora de falar disso. Sigamos.
O país de
Lula é assim, fraterno, feito de amizades, compadrios, arranjos,
acertos, conversas ao pé do ouvido, transgressões legais, artimanhas,
manhas, arranjos à socapa, ilegalidades à sorrelfa, cochichos… À guisa
ainda do troca-troca de rabadas, repetiu uma das divisas da República da
Companheirada:
“Eu costumo dizer que um irmão nem sempre é um grande companheiro, mas que um companheiro é sempre um grande irmão”.
Na plateia, o irmão Luiz Marinho, prefeito de São Bernardo (com os
cabelos tingidos, mais negros do que as asas da graúna) e, claro!,
Haddad, que logo seria chamado para uma das cadeiras dos entrevistados.
O câncer e o ataque a quem tem plano de saúde privado
Aí chegou a hora da exploração eleitoreira do câncer. Lula fez
digressões sobre a sua boa saúde até então, sem tomar remédios — no
máximo, disse, ingeria uns Engovs para minimizar os efeitos da “marvada
pinga” —, até que recebeu a notícia da doença. Fez um resumo até
bem-humorado das dificuldades para, ora se não faria isto!, atacar
aqueles que votaram contra a CPMF e, pasmem!, os brasileiros que têm
plano privado de saúde! O homem que se tratou num dos hospitais mais
equipados e caros do mundo — teria sido tudo pago por seu plano de
saúde??? — tem clara noção do contraste entre o tratamento que ele
recebe e aquele dispensado por seu governo à população pobre, certo?
Quem é o responsável por isso? Ora, os que votaram contra a CPMF! “Se a gente quiser que o povo tenha o tipo de tratamento que eu tive, tem de ter dinheiro”.
Não! Lula não foi se tratar no SUS — que ele chegou a declarar “perto
da perfeição” e a oferecer como modelo a Obama. Preferiu o
Sírio-Libanês. E afirmou, de modo um tanto oblíquo, que o conjunto dos
brasileiros só não tem um Sírio-Libanês para chamar de seu por culpa dos
adversários.
A mentira escandalosa sobre os planos de saúde
Está, sim, um tanto alquebrado, mas, afirmei, o caráter
continua o mesmo. É o que sempre digo: doença não é categoria de
pensamento, não melhora ninguém. Aproveitou, ainda, para fazer
caricatura dos brasileiros que pagam plano privado de saúde, que seriam
uns reclamões injustos: “Quem paga o plano de saúde dele? É o estado brasileiro, que não recebe imposto!” Trata-se
de uma falsificação grosseira da verdade. Lula sabe muito bem o que é
Imposto de Renda e como funciona — o governo petista bate sucessivos
recordes de arrecadação. Quando o contribuinte declara os gastos de
saúde está apenas — atenção! — deixando de ser tributado sobre aquele
valor, mas é mentira que o estado esteja pagando alguma coisa! O coitado
está efetivamente tirando um dinheiro do bolso para financiar a sua
saúde e a da família. A afirmação é uma mentira, uma vigarice! Terá a
oposição prestado atenção que o petista hostilizou, com essa afirmação,
milhões de brasileiros obrigados a aderir à saúde privada para fugir do
“sistema quase perfeito” de Lula? Se fosse ágil, estaria amanhã nas
redes sociais fazendo esse debate. Mas até acordar do sono eterno…
Aí chegou a hora de Haddad
Aí chegou a hora de Haddad. Como quem não quer nada, como se a
pergunta tivesse acabado de lhe ocorrer, Ratinho indagou por que ele
escolhera o ex-ministro da Educação como candidato à Prefeitura de São
Paulo. E o ApeDELTA explicou que queria alguém com uma cara nova, que
tinha criado o ProUni e 14 universidades federais (mais um número
mentiroso!). O candidato, então, foi chamado a integrar a mesa, como
entrevistado. Tudo estava tão organizado, que havia até uma “reportagem”
com uma estudante do quarto ano de medicina, financiada pelo ProUni.
Ela, claro, estava gratíssima aos dois petistas. Setenta por cento das
universidades federais estão em greve. Algumas delas não contam nem com
sistema de esgoto. Aulas estão sendo ministradas em barracões e prédios
improvisados. E isso é apenas um fato. Em 2010, formaram-se menos
estudantes em universidades públicas do quem em 2004!
Exibindo
notável falta de treino, um tanto desenxabido, Haddad engrolou ali um
discurso segundo o qual os críticos do Bolsa Família (???) acusavam o
programa de assistencialista — o que, atenção!, é falso! Lula roubou o
programa do governo FHC, como já provei aqui.
Antes de adotá-lo como seu, quem dizia que programas de bolsa deixava o
pobre preguiçoso, “sem vontade de plantar macaxeira”, era o próprio
Lula. E já estava na Presidência da República. Indagado por que quer ser
prefeito, Haddad afirmou que pretende melhorar a vida das pessoas do
portão para fora — tarefa que seria da Prefeitura — porque, do portão
para dentro, tudo o que aconteceu de bom aos brasileiros é obra de Lula
e, vá lá, de Dilma. E teve a cara de pau de falar justamente sobre
saúde, como se o governo do PT não administrasse o país, estados e
cidades em que a área vive em petição de miséria. O atendimento na rede
municipal de São Paulo é muito superior àquele dispensado pelo governo
federal.
Lula retomou
a palavra. Pelo visto, está disposto a ressuscitar a sua pantomima do
arranca-rabo de classes — justo o homem que comandou o arranjo de mais
de R$ 4 bilhões do Panamericano… Já chego lá! “Muita gente diz que o Lula só cuida dos pobres”…
Meus Deus! Que calúnia! Muita gente diz que eu me pareço com o Brad
Pitt, e eu não me ofendo… Ora, quem diz isso? Desconheço. Eu acho que o
Lula cuida é mal dos pobres. O ProUni, por exemplo, com raras exceções, é
o quê? Faculdade ruim, paga com dinheiro público, para os… pobres! Os
ricos vão para as universidades públicas. Mas isso fica para outra hora.
SBT X Record e os evangélicos
Ali pelo fim da entrevista, algo curioso se deu. Ratinho
anunciou que o Ibope do seu programa estava maior do que “o da emissora
do bispo”, referindo-se à Record, de Edir Macedo, que concorre com o SBT
no esforço de puxar o saco de Lula e do PT. E disse ao ApeDELTA: “Eu
estive com o apóstolo Valdomiro [na verdade, é "Valdemiro"], e ele te
mandou um abraço. E Lula: “Eu quero falar com ele!” Ratinho responde:
“Posso marcar?” O petista disse que sim.
Pois é…
Haddad é amplamente rejeitado, por enquanto, pelos cristãos, tanto
católicos como evangélicos, por causa do kit gay preparado para as
escolas e da defesa fanática que o PT faz da descriminação do aborto.
Valdemiro, originalmente um desgarrado da Igreja Universal do Reino de
Deus, de Macedo, é dono da Igreja Mundial do Poder, uma das pentecostais
que mais crescem. E esse crescimento tem-se dado justamente sobre a
Universal, tomando-lhe fiéis e pastores. Os dois donos de igreja travam
uma batalha feroz, com pesadas acusações mútuas. Macedo já pôs o, por
assim dizer, “jornalismo” da Record para atacar o adversário do mercado
da fé. É bem possível que Lula queira falar com o concorrente de seu
amigo Macedo para promover a paz religiosa… O dono da Universal também é
proprietário (!) de um partido político, o PRB, que tem, por enquanto,
um candidato à prefeitura de São Paulo: Celso Russomano. Nada,
certamente, que o Babalorixá de Banânia não possa resolver.
Agora o Panamericano
Em 2008, o Banco Panamericano já estava quebrado. Mesmo assim,
em 2010, a Caixa Econômica Federal comprou 49% das ações da instituição.
Um ano depois, estava quebrado, com um rombo de R$ 4,3 bilhões. A única
saída seria Silvio Santos arcar, conforme a lei, com os seus bens
pessoais e os das suas empresas. A menos que aparecesse um super-Lula no
meio do caminho, como apareceu. O Fundo Garantidor de Créditos (FGC)
ficou com o espeto. Luiz Sandoval, ex-presidente do Grupo Silvio Santos,
contou tudo à Folha numa entrevista no dia 11 de março.
A história de que o FGC é só dinheiro privado é conversa para boi
dormir. A “sociedade” com a CEF rendeu a ignominiosa reportagem da
“bolina de papel” em 2010, lembram-se? A operação salva-Sílvio, rende
agora a campanha eleitoral arreganhada para Haddad. Dado o tamanho do
socorro — R$ 4,3 bilhões —, vem mais coisa por aí.
Os truques
É quase certo que a patranha desta quinta será lavada com
convites aos demais candidatos à Prefeitura. Aposto que Serra e alguns
outros serão convidados, sob o pretexto de garantir condições iguais a
todos. Eles irão, claro! Mas se trata de um truque. Não haveria nada de
errado em Lula conceder uma entrevista e elogiar fartamente as gestões
petistas. Do mesmo modo, o candidato Haddad poderia ter sido
entrevistado (outros teriam a sua chance). A malandragem está na
operação casada, no uso de um programa de TV para que Lula faça
proselitismo em favor do outro, transformando uma suposta entrevista em
horário eleitoral gratuito. Ratinho e o SBT puseram um programa da
emissora a serviço do lançamento de uma candidatura. A propósito: caso
os demais candidatos sejam convidados, devem exigir da produção
“reportagens” com pessoas gratas à sua atuação pública.
“Vamos bater nos jornalistas”
Ratinho encerrou o programa fazendo um gracejo, convidando Lula
para um programa em conjunto, na televisão. Seria o certo. Finalmente, a
vocação de animador de auditório! O apresentador emendou: “Tem muito jornalista que bateu em você; vamos bater neles”. E Lula respondeu: “Vamos entrevistá-los“.
Trata-se de um gracejo revelador, a exemplo do troca-troca das rabadas.
Políticos não entrevistam jornalistas porque estes, na sua profissão,
não se candidatam a cargos públicos nem são sustentados pelo povo — há
alguns que são, mas não são jornalistas, e sim paus-mandados. Lula nunca
entendeu direito o trabalho da imprensa, não é? Daí que se dedique, com
frequência, a tentativas de censura e intimidação.
Indagado,
finalmente, e de forma indireta, sobre o caso Gilmar Mendes, o petista
afirmou que não falaria a respeito se limitou a dizer: “Quem acusou que
prove”! Pois é! Só se Gilmar Mendes estivesse com um microfone na
lapela. O relevante é que todo mundo sabe o que aconteceu. Não estivesse
Lula ali a roer a Lei Eleitoral, os fatos, as instituições, o decoro e o
bom senso, talvez um ou outro ainda pudessem ter direito à dúvida. Mas
como duvidar?
Como
acreditar num Lula que se dizia respeitador da lei enquanto a
desrespeitava uma vez mais? O passado não quer passar. O passado quer
ficar. A tradição de todas as gerações mortas insiste em oprimir como um
pesadelo o cérebro dos vivos, como disse aquele…
Ave, Lula! As instituições, que hão de sobreviver, o espreitam!
Texto publicado originalmente às 5h10