Atos pró e contra a prisão de Lula22 fotos
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3.abr.2018
- Manifestantes protestam contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva na avenida Paulista, em São Paulo, na véspera do julgamento do
habeas corpus que vai definir se o petista pode ser ou não preso. Há
carros de som de diversos movimentos, entre eles o Endireita Brasil, o
MBL (Movimento Brasil Livre) e o Vem Pra Rua
VEJA MAIS > Imagem: Nelson Antoine/Estadão Conteúdo
Um
tribunal chamado Supremo tem o mesmo problema de uma mulher chamada
Rosa. A qualquer momento, seu compamento pode desmentir o seu nome. A
supremacia do Supremo convive com a ameaça constante de uma notícia
inusitada —como essa de que a prisão na segunda instância, aprovada no
plenário da Corte três vezes em 2016, precisa ser revista porque a Lava
Jato foi longe demais e não convém colocar o Lula atrás das grades.
Afinal, como Gilmar Mendes fez o favor de lembrar, ''se alguém torce
para prisão de A, precisa lembrar que depois vêm B e C''.
Ironicamente,
a integridade institucional do Supremo depende da Rosa. Os corruptos já
farejam no voto da ministra Rosa Weber a fragrância da impunidade.
Contudo, Rosa poderia fazer história nesta quarta-feira se convertesse
seu voto num espinho. É a primeira vez que a ministra participa de um
julgamento na condição de protagonista. Sua posição tende a definir a
parada. Rosa não precisaria fazer muito para restaurar a supremacia do
Supremo. Bastaria manter a coerência.
Em 2016, Rosa votou contra a
prisão na segunda instância. Para ela, a pena só pode ser executada
depois de esgotadas todas as possibilidades de recurso nas quatro
instâncias do Judiciário brasileiro, incluindo o STJ e o STF. Desde
então, a ministra participou do julgamento de 58 habeas corpus. Em 57,
sua decisão foi contrária à libertação dos condenados. Para Rosa, se a
maioria do plenário tomou uma decisão, ela aplica. Mesmo que prefira o
caminho oposto.
Rosa age assim por acreditar que o respeito às
decisões da maioria confere segurança jurídica aos processos e reforça a
autoridade do Supremo. Pois bem. No caso de Lula, vale a jurisprudência
de 2016. E o habeas corpus não é ferramenta adequada para alterá-la.
Serve apenas para aplicá-la. Assim, se Lula foi condenado em segunda
instância e não existem ilegalidades no processo, não há o que fazer
senão permitir que Sergio Moro emita a ordem de prisão.
O caminho
para modificar a regra da prisão em segunda instância é a ação direta de
constitucionalidade. Há duas tramitando no Supremo. Relator de ambas,
Marco Aurélio Mello liberou-as para julgamento em dezembro. Mas Cármen
Lúcia, a presidente da Corte, decidiu não inclui-las na pauta. Disse que
a jurisprudência é recente e, portanto, sua rediscussão não é
prioritária. Sustentou, de resto, que, diante do caso concreto de Lula,
alterar a regra da prisão seria “apequenar” o Supremo.
Há duas semanas, não podendo elevar a própria estatura, a maioria dos ministros do Supremo —6 votos a 5— concedeu a Lula um
deixa-pra-lá-preventivo.
Nessa votação, Rosa foi 100% pétalas, ajudando a compor a maioria.
Trama-se agora uma manobra jurídica para transformar o habeas corpus de
Lula num degrau para alcançar um
deixa-pra-lá amplo, geral,
irrestrito e permanente. Isso apequenaria o Supremo de tal maneira que
sua supremacia caberia numa caixa de fósforos.
Em memorial enviado
ao Supremo nesta terça-feira (3), a procuradora-geral da República
Raquel Dogde apostou suas fichas nos espinhos de Rosa. Sustentou que a
revisão da jurisprudência do tribunal só faria sentido se a prisão na
segunda instância tivesse se revelado algo “errado, injusto e obsoleto,
agredindo o sentimento de justiça do cidadão comum.”
Antes de
citar Rosa, Raquel Dodge acrescentou: “…a incongruência do precedente
[sobre a prisão na segunda instância] deve ser robusta o suficiente a
ponto de justificar o sacrifício dos valores que a preservação de
precedentes vinculantes visa a proteger, ou seja, a estabilidade,
unidade e previsibilidade do sistema jurídico correspondente. Trata-se,
aqui, de ponderar se os benefícios possivelmente decorrentes da eventual
revogação do precedente vinculante superam os custos que isso causará
ao sistema.”
Nesse ponto, a procuradora-geral apontou para o
espinho que poderia espetar os corruptos na sessão desta quarta. Raquel
Dodge reproduziu um trecho do voto de Rosa Weber no julgamento de
fevereiro de 2016, no qual a tese da prisão em segunda instância
prevaleceu pela primeira vez no plenário do Supremo sobre o entendimento
de que um réu só poderia ser preso depois que seus recursos
percorressem as quatro instâncias do Judiciário.
De mulher para
mulher, Raquel Dodge escreveu: “Caem como uma luva, aqui, as lúcidas
palavras da ministra Rosa Weber, colhidas de seu voto proferido […] nos
autos do HC núnmero 126.292/SP, cujo julgamento, em fevereiro de 2016,
deu início à virada jurisprudencial. […] Naquela ocasião, a ministra,
instada a se afastar da jurisprudência até então dominante no STF
[contrária à execução das penas na segunda instância], expressou seu
critério de julgamento em situações desse jaez.”
A
procuradora-geral fez questão de reproduzir, entre aspas, um pedaço do
voto de Rosa: “Ocorre que tenho adotado, como critério de julgamento, a
manutenção da jurisprudência da Casa. Penso que o princípio da segurança
jurídica, sobretudo quando esta Suprema Corte enfrenta questões
constitucionais, é muito caro à sociedade, e há de ser prestigiado.
Tenho procurado seguir nessa linha. Nada impede que a jurisprudência
seja revista, por óbvio. A vida é dinâmica, e a Constituição comporta
leitura atualizada, à medida em que os fatos e a própria realidade
evoluem. Tenho alguma dificuldade na revisão da jurisprudência pela só
alteração dos integrantes da Corte. Para a sociedade, existe o Poder
Judiciário, a instituição, no caso o Supremo Tribunal Federal”.
Do
mesmo modo, concluiu Raquel Dodge, a revisão da recentíssima regra que
autoriza a imediata execução de penas como a que o TRF-4 impôs a Lula
“deve ser feita com cautela e parcimônia, apenas quando o precedente já
não mais corresponder à lei e ao sentimento de justiça da sociedade, ou
seja, e nas palavras da ministra Rosa Weber, ‘à medida em que os fatos e
a própria realidade’ evoluírem.” Desde 2016 nada se alterou além da
composição do Supremo e da redução da taxa de impunidade no Brasil,
anotou a procuradora-geral.
As manchetes anunciam que o Supremo
decidirá nesta quarta-feira o futuro de Lula. Engano. Os 11 ministros
votarão para decidir o futuro do próprio Supremo. É antigo e muito
bem-sucedido no Brasil o sistema de conveniências que protege os
corruptos. Mesmo os culpados mais evidentes só são punidos no Brasil com
um voto de desempate, nos pênaltis. A esse ponto chegamos. O plenário
está dividido ao meio: cinco votos para livar Lula da cadeia e instituir
uma espécie de
deixa-pra-laísmo penal. Cinco votos pelo envio do grão-mestre do PT para o xilindró.
Não
havendo surpresas, o lance decisivo será o voto da Rosa. Às vezes, o
escândalo é tão escancarado que é impossível não reagir. Mas entre o
escárnio e a reação existe uma imensa área de manobras. A Lava Jato fez o
brasileiro pensar que finalmente a nação daria um jeito nos seus
rapinadores. Resta saber de que forma Rosa decidiu descer ao verbete da
enciclopédia.
O longo hábito de descrer indispõe a plateia para as
boas expectativas. Num país como o Brasil, em que a apuração dos
escândalos só prosperam enquanto não ameaçam o consenso maior, um
tribunal chamado Supremo flerta com o risco constante de se tornar
ridículo. Sacrifica sua supremacia em nome de uma cumplicidade quase
carinhosa. Quem torce pela “prisão de A” nunca esquece que “depois vêm B
e C”. Nesse contexto, o espinho da Rosa seria uma grata surpresa.