O
principal problema da candidatura presidencial do Pastor Everaldo é que
o grosso do eleitorado é incapaz de enxergar consistência nela. E o
candidato, brindado com uma entrevista de 15 minutos no Jornal Nacional,
revelou-se incapaz de demonstrá-la. Quem assistiu ficou com a impressão
de que Deus talvez não exista. Se existisse, já teria convencido a
maioria dos eleitores a alçar o presidenciável-pastor ao topo das
pesquisas.
Sob Lula, Pastor Everaldo e o seu Partido Social
Cristão apoiavam o governo. Na sucessão de 2010, ensaiaram o apoio à
candidatura presidencial do tucano José Serra. Súbito, bandearam-se para
a coligação de Dilma Rousseff. Na sequência, o PSC foi brindado com uma
doação de R$ 4,7 milhões proveniente das arcas do PT. Patrícia Poeta
espetou: esse foi o preço do seu apoio, quase R$ 5 milhões?
O
pastor reconheceu o recebimento do donativo. Mas declarou que a aliança
com Dilma, selada em 30 junho de 2010, baseou-se em “princípios”. Os
meio$, segundo ele, só pingaram na caixa registradora do PSC quase três
meses depois, em 22 de setembro. Foram doações legais, disse Everaldo,
para custear material feito para a campanha.
Depois da posse de
Dilma, o pastor e suas ovelhas queixaram-se à bispa do Planalto. Dilma
entregara aos comunistas do PCdoB o comando do Ministério dos Esportes e
da Agência Nacional do Petróleo. Com um deputado a mais, os cristãos do
PSC foram excluídos do paraíso. E reivindicaram um pedaço da máquina
pública. Não é toma-lá-dá-cá?, quis saber Patrícia Poeta.
E o
Pastor Everaldo: Olha, quando fizemos o acordo para a coligação, nós
defendemos os princípios em que acreditamos. E o governo chama as
pessoas que ajudaram para compor o governo. Nós tínhamos um número
maior, elegemos mais do que o PCdoB. Então, esperávamos um espaço no
governo.
Mas isso é um toma-lá-dá-cá, sentenciou Patrícia Poeta. O
pastor renegou o veredicto três vezes. Primeiro, sem muita convicção:
não acredito que seja. Depois, um pouco mais enfático: não é.
Finalmente, como um cristão saltando da cova dos leões, o pastor soou
peremptório: não é toma-lá-dá-cá.
O partido do pastor ficou
decepcionado com Dilma, ele reconheceu. Mas antes que o telespectador
concluísse que não há grande diferença entre os irmãos do PSC e os
ímpios de um PR ou de um PTB, o Pastor Everaldo apressou-se em
esclarecer: nós ficamos decepcionados pela maneira como foi formado o
governo. Hã?
Tomado pelas palavras, o pastor parece enxergar na
equipe de Dilma uma legião de pecadores. A composição do governo
contrariou os princípios que o PSC defende, ele afirmou. Nós defendemos a
vida do ser humano desde a sua concepção, acrescentou. Defendemos a
família como está na Constituição brasileira, aditou.
O lero-lero
não fazia muito sentido. A audiência ficou sem saber que diabos (ops!)
tem a ver o carguinho que Dilma sonegou ao PSC com a cruzada do partido
contra o aborto e a favor da família. Mas o pastor esticou a prosa:
verificamos que a maneira como foi montado o governo contrariava esses
princípios. Daí a decepção. Hã, hã…
William Bonner disse ao
entrevistado que o Brasil defendido no programa do PSC é um país que,
para ser feito, exigiria inclusive reformas na Constituição. Como um
partido que dispõe de bancada nanica —17 deputados e um senador—
conseguiria prevalecer no Congresso?
O meu exemplo de governo é o
de Itamar Franco, respondeu o Pastor Everaldo. Ouviu-se ao fundo um
barulhinho. Era o ruído do Itamar revirando na tumba. Ele assumiu numa
situação difícil do país, prosseguiu o candidato. Chamou todas as forças
políticas, todos os representantes no Congresso. E apresentou, com
transparência, o plano da estabilidade econômica do país. E todos não
puderam negar apoio.
Imaginando-se dotado de poderes celestiais, o
pastor disse acreditar que, eleito, o Congresso jamais lhe negaria
apoio para aprovar medidas que fossem expostas à população com
transparência. Hummm… Até o Plano Real, desembrulhado na gestão Itamar
sob a luz do Sol, sem o segredo dos fracassados pacotes econômicos
anteriores, arrostou a oposição barulhenta do ex-PT. Porém, num
hipotético governo do presidente-pastor, o Planalto operaria o milagre
do Congresso unânime.
Willian Bonner tentou resgatar o telejornal
do universo da ficção: candidato, no mundo real, as concessões que o
senhor será obrigado a fazer para realizar as mudanças que planeja vão
descaracterizar suas propostas. O senhor sabe disso. Não, o pastor não
sabia. Ele parecia decidido a subverter a grade de programação da Globo,
antecipando o início da novela Império, de Aguinaldo Silva.
Olha,
eu vou fazer um corte na carne, afirmou o Pastor Everaldo. Eu defendo
um Estado mínimo, vou reduzir o número de ministérios de 39 para 20. Vou
passar para iniciativa privada todas as empresas que hoje são foco de
corrupção. Rendido, Bonner deu asas à fantasia: é uma privatização em
massa? E o entrevistado alçou voo: privatização, privatização. Tudo o
que for possível.
Bonner tomou gosto pela brincadeira: Petrobras,
inclusive? Presidenciável de 3%, o pastor enxergou-se na poltrona de
presidente da República. Cenho grave, falou como se premiasse o
entrevistador com um furo de reportagem: eu vou te antecipar, então, a
notícia aqui: vou privatizar a Petrobras. Uma empresa que foi orgulho
nacional hoje é foco de corrupção. Tem uma dívida astronômica de mais de
R$ 300 bilhões. Então, eu vou privatizar!
Bonner deu corda: o
senhor vai privatizar o Banco do Brasil também? O pastor levou o pé ao
freio: o Banco do Brasil e a Caixa Econômica representam a segurança do
sistema financeiro. Então, não vamos mexer no Banco do Brasil nem Caixa
Econômica. Quando se imaginava que o candidato tivesse se dado conta de
que também está sujeito à condição humana, ele voltou ao seu estado
anormal: tudo o que for possível passar para a iniciativa privada nós
vamos passar. A BR Distribuidora, a Infraero…
Patrícia Poeta
interveio para lembrar ao entrevistado que as promessas do seu programa
de governo não vieram acompanhadas da fonte de recursos. Melhorias na
Saúde, na Educação, nos Transportes…, ampliação dos programas sociais,
investimentos maciços na PF e nas Forças Armadas. De onde vai tirar o
dinheiro?
Pastor Everaldo não se apertou com a matemática: à
medida que eu transfiro para a iniciativa privada essas empresas que dão
rombo e tiram dinheiro do Tesouro, sobram recursos dos impostos para
aplicar na Educação e na Saúde. Bonner convidou o candidato a servir-se
do minuto final para discorrer sobre suas prioridades.
Nesse
ponto, o Pastor Everaldo converteu a bancada do JN num púlpito de
igreja. Minha irmã, meu irmão brasileiro. Eu reafirmo meu compromisso em
defesa da vida, do ser humano desde a sua concepção, disse o
companheiro do deputado-pastor Marco Feliciano. Eu defendo a família…
Nós somos um país democrático e respeito a todas as pessoas, mas
casamento, pra mim, é homem e mulher. Sou contra a legalização das
drogas.
Da pauta moral, Pastor Everaldo saltou para a agenda
antiviolência: vou criar o Ministério da Segurança Pública. Para quê?
Hoje, o cidadão de bem está preso dentro de casa e o bandido está solto
na rua. Vou inverter essa lógica e botar ordem na casa. Para encerrar, o
pastor serviu um bombom tributário: a partir de 1º de janeiro de 2015,
todo trabalhador que ganhe até R$ 5 mil por mês estará isento do Imposto
de Renda na fonte. Aleluia!
Pastor Everaldo despediu-se com uma
frase de efeito: eu defendo mais Brasil e menos Brasília na vida do
cidadão brasileiro. Evocou o Todo-Poderoso: Deus abençoe você, Deus
abençoe sua família, Deus abençoe o nosso querido Brasil. Falou em Deus
com tal convicção que o telespectador ficou tentado a acreditar que Ele
realmente não existe. Se existisse, o presidenciável do PSC seria um
fenômeno eleitoral, não uma piada.
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Serviço:
aqui, a íntegra da entrevista.
DO JOSIASDESOUZA