Sempre
que está acuado, não importa o assunto – uma disputa eleitoral ou uma
investigação policial –, o PT parte para o ataque. Infelizmente – para o
país e para a ordem dos fatos –, costuma ser bem-sucedido. Vimos isso
recentemente, na disputa eleitoral em São Paulo. Desde que Lula decidiu
que o candidato seria mesmo Fernando Haddad, o partido iniciou uma
intensa campanha acusando forças supostamente obscurantistas e a
oposição de explorar a questão do kit gay. Quem quer que faça uma
pesquisa vai constatar que os adversários do partido mal tocavam no
assunto. Era só uma reação preventiva para conquistar, como conquistou, a
imprensa. Tocar no tema passou a ser visto como coisa reacionária,
conservadora, religiosa. Mais ainda: inverteu-se o ônus do tema. O
tucano José Serra é que passou a ser literalmente perseguido por
jornalistas para se posicionar a respeito, sendo acusado de explorar um
tema que não diria respeito à cidade – o que, de resto, é falso porque
há milhares de alunos da rede municipal de ensino.
Muito bem!
Qual foi a consequência? O kit gay ficou longe da campanha. O tema não
foi levado ao horário eleitoral gratuito ou aos debates na TV. A questão
ficou circunscrita aos jornais, que atingem uma fatia mínima do
eleitorado, e mal chegou às rádios. O PT conseguiu, assim, com o barulho
que fez junto aos chamados “setores formadores de opinião”, blindar
Fernando Haddad, preservando-o de sua própria obra. O ministro que
autorizou a produção de um material – destinado a alunos a partir de 11
anos – que sustentava a superioridade da bissexualidade no cotejo com a
heterossexualidade e que estimulava o debate sobre pessoas insatisfeitas
com seu órgão genital não teve de responder por suas escolhas. O mais
impressionante: Serra, que não tocou no assunto, foi acusado de
estimular o preconceito. Um sedizente “cientista social” afirmou que sua
campanha estaria contaminada pelo “ódio”. O PT, em suma, fez um
movimento preventivo e se deu bem. Até alguns tucanos de alta plumagem,
para não variar, falaram besteira a respeito, apontando o erro de uma
suposta campanha contaminada pela religião.
O caso da CPI do Cachoeira
Enquanto o ministro Ricardo Lewandowski permanecia sentado
sobre a revisão do processo do mensalão – Lula havia prometido aos seus e
a Marcos Valério que o julgamento jamais ocorreria; talvez “em 2050”,
ele profetizou –, o próprio Apedeuta e José Dirceu urdiram pelas costas
até da presidente Dilma a CPI do Cachoeira. Alguém buzinou informações
erradas ao ouvido dos dois patriotas, sustentando que a Operação Monte
Carlo tinha potencial para liquidar com a oposição, com a imprensa
independente, com o procurador-geral da República e até com ministros do
Supremo. No dizer de Rui Falcão, presidente do PT e pensador refinado, a
bancada do PT na Câmara e no Senado defendia uma CPI “para apurar esse
escândalo dos autores da farsa do mensalão”. Tudo parecia caminhar bem
até que surgiu na mesa os nomes de Fernando Cavendish e Sérgio Cabral.
Aí os petistas precisaram correr com o rabo enfiado entre as pernas.
Afinal, ficou claro, Carlinhos Cachoeira era só um peixe pequeno de um
escândalo gigantesco, que iria estourar no Palácio do Planalto. Mas,
como resta evidente, houve, sim, a tentativa de usar a CPI para melar o
julgamento. Parte da imprensa aderiu inicialmente à farsa.
Depois da condenação…
Condenado Marcos Valério, o PT passou a viver o pânico da
concessão do benefício da delação premiada ao empresário. Sabe que os 40
anos de cadeia não são coisa trivial e que seu antigo aliado está
injuriado. Alguém na sua situação pode, sim, decidir se safar contando o
que sabe. Então o PT resolveu correr de novo para a galera. Passou a
acusar nada menos do que o próprio STF de se comportar como tribunal de
exceção. De quebra, promete levar adiante a luta pela “regulamentação da
mídia golpista” e discutir o financiamento público de campanha. O
partido havia prometido um manifesto para quinta-feira, mas parece ter
adiado em face das notícias que começaram a circular sobre o depoimento
de Valério.
Agora ao ponto
Recuperem o noticiário de janeiro de 2002, por ocasião do
assassinato do prefeito Celso Daniel. Antes que qualquer pessoa
aventasse publicamente a possibilidade de que o PT pudesse ter algum
envolvimento com a morte, os petistas botaram a boca no trombone e
saíram acusando a suposta tentativa de incriminar o partido, exigindo,
em tom enérgico, que a polícia fizesse alguma coisa. Montou-se uma
verdadeira operação de guerra para controlar o noticiário. No arquivo do
blog, vocês encontram alguns textos a respeito. Celso foi o primeiro de
uma impressionante fila de oito cadáveres relacionados ao caso.
O prefeito morto era já o coordenador do programa de governo do então
pré-candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva. O partido
seria o primeiro a ter motivos para desconfiar de alguma motivação
política para o sequestro e imediato assassinato. Deu-se, no entanto, o
contrário: o partido praticamente exigia que a polícia declarasse que
tudo não havia passado de crime comum.
O último
morto, por causa desconhecida (!), foi o legista Carlos Delmonte
Printes, que assegurou que Celso fora barbaramente torturado antes de
ser assassinado. Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado do PT que acompanhou o
caso em nome do partido e teve acesso ao cadáver, assegurou à família
de Celso, no entanto, que não havia sinais de tortura. O fato é
conhecido porque foi denunciado pela família do prefeito.
Gilberto
Carvalho, braço direito de Celso na Prefeitura, movimentou-se
freneticamente logo após a morte do “amigo” para que prevalecesse a
versão do partido: crime comum. O esforço deixou um rastro de conversas
gravadas que vieram a público. Tudo muito impressionante. Leiam, por
exemplo, este diálogo em que Sérgio Sombra, acusado de ser ao assassino
de Celso, entra em pânico e pede para falar com Carvalho. Alguém garante
que está sendo montado “um esquema”. Sombra, no diálogo abaixo, é o
“personagem A”.
A – Ô Dias!
B – Oi chefe!
A – Onde é que você está cara?
B – Tô na avenida (…). Eu tô saindo, to indo praí.
A – (…) Fala prá ligá nesse instante (…) Pará de fazer o que está fazendo.
B – Peraí, Peraí, Perai. Ei! Oi! Escuta o (…) Já está aí onde está todo mundo (…) Alô!
A – Ô meu irmão!
B – Cara cê está no sétimo?
A – Ô meu! O cara da Rede TV está me
escrachando, meu chapa! Tá falando que… Tá falando que é tudo mentira,
que o carro tá pegando, que não destrava a porta, que sou o principal
suspeito.
B – Ô cara! Deixa eu te falar. O que hoje
tá pegando contra você é esse negócio do carro. Nós temos que fazer é
armar um esquema aí: “porque as empresas de (…) junto com a Mitsubishi,
por razões óbvias de mercado, se juntaram para dizer que você está
mentindo, que o câmbio está funcionando”…Entendeu? Então é o seguinte…
A – Peraí. Perai, péra um pouquinho.
B – (…) Pô! Pegá o que Porra?
A – Chama o Gilberto aí! Chama o Gilberto! Tem que armar alguma coisa!
B – Calma!
A- Eu tô calmo. Quero é que as coisas sejam resolvidas.
Outro diálogo: “Puta! Tá dez!”
Há outro diálogo bastante interessante. Alguém liga para Ivone,
tornada pelo partido a “viúva oficial” de Celso — consta que era sua
“namorada” à época… E lhe dá nota dez por sua performance como “viúva”
numa entrevista. Vocês entenderam direito. Leiam. Ivone é a personagem
B.
A – Oi!
B – Oi meu amor. O Xande quer falar com você. Tá bom?
A – Ok.
B – Tchau.
C – Como vai minha querida?
A – Vou assim. Arrastando.
C – Ótima a sua entrevista! Viu?
A – Você gostou Xande?
C – Eu gostei muito mesmo.
A – É importante a sua opinião pra mim porque estou totalmente sem referência. Né?
C – Eu achei muita boa. Entendeu. Tá super. Tem coisas… tá perfeito!
(…)
B – Hoje tem uma coisa. Programa pra ir na Hebe.
A – É. Porque vai a mulher… a viúva do Toninho.
B – Sabe que o Genoino quer. E é uma merda né. Uma merda.
A – Olha. Se você falar o que falou ai está 10. Puta! Tá 10, não parece estrela, a dor de uma viúva. Tá dez!
Como se
nota, a morte do “companheiro” havia se transformado apenas numa questão
de marketing e de guerra para ganhar a “mídia”. Com direito a nota pela
performance da, sei lá como chamar, “atriz” talvez.
Retomo
Já lhes contei aqui. Mesmo a ala petista da família Daniel
rompeu com o PT. Um dos irmãos, Bruno, teve de se exilar na França com
mulher e filhos. Estavam sendo ameaçados de morte no Brasil. Outro irmão
relatou que Celso havia lhe contando que Carvalho era o portador de
malas de dinheiro de um propinoduto de Santo André para o então
presidente do PT, José Dirceu. Os dois negam.
Vale a
pena, reitero, por curiosidade quase científica, voltar ao noticiário
daqueles dias para constatar a frenética movimentação preventiva do
partido, certo de que poderia conduzir para onde quisesse a opinião
pública. Passada uma semana, quem estava na defensiva era a polícia
paulista… Agora, Marcos Valério denuncia ao Ministério Público que o PT
tentou fazê-lo participar de uma esquema para silenciar. com dinheiro,
pessoas que estariam chantageando Lula e Carvalho, podendo implicá-los
no assassinato de Celso. Valério diz que não participou, mas dá a
entender que tem mais detalhes da operação, que teria sido realizada.
Diz que sabe até que banco foi usado na operação.
Vamos ver.
Uma coisa é certa: o cadáver de Celso Daniel volta a se agitar no
armário. E o PT decidiu adiar o seu manifesto contra o STF e a “mídia
golpista”.
*
PS – Reitero: a vida de Marcos Valério
vale mais a cada dia. E, por isso mesmo, também vale menos… Se o STF não
tomar as devidas precauções, o óbvio acontece. Porque o óbvio sempre
acontece.