Vocês
já viram a capa da revista VEJA. A reportagem traz informações
estarrecedoras. O publicitário Marcos Valério sabe que vai para a cadeia
— e não será por pouco tempo. E está, obviamente, infeliz e revoltado.
Acha que será o principal punido de uma cadeia criminosa que tinha,
segundo ele, na chefia, ninguém menos do que Luiz Inácio Lula da Silva,
então presidente da República — aquele mesmo que, ao encerrar o segundo
mandato, assegurou que iria investigar quem havia inventado essa
história de mensalão, “uma mentira”… Reportagem de capa de Policarpo
Júnior, na VEJA desta semana, revela, agora, um Marcos Valério amargo e,
como se vê, propenso a falar o que sabe — o que tem feito com alguns
amigos. Só que ele está com medo de morrer. Tem certeza de que será
assassinado se falar tudo o que sabe. Acho, no entanto, que ele deveria
fazê-lo. Os que podem estar interessados na sua morte temem justamente o
que ele não contou — e a melhor maneira de preservar o segredo é
eliminando-o. Que peça proteção formal ao Estado e preste um serviço aos
brasileiros.
Na sessão
de quinta-feira do Supremo, num dia em que não temeu em nenhum momento o
ridículo, o ministro Dias Toffoli — que vinha tendo uma boa atuação até
o julgamento do mensalão (ele decida o que fazer de sua biografia!) —
ensaiou uma distinção politicamente pornográfica entre “o valerioduto”
(cuja existência ele admitiu, tanto que condenou o empresário) e o
“mensalão como chama a imprensa”… Ficou claro que o ministro acha que
são coisas distintas, como se o empresário tivesse delinquido, sei lá,
apenas por interesse pessoal. A verdade, assegura Valério, é bem outra.
Abaixo, seguem trechos da reportagem de VEJA. Reputo como o texto
jornalístico mais explosivo publicado no Brasil desde a entrevista de
Pedro Collor às Páginas Amarelas da VEJA. Abaixo, uma síntese das nove
páginas.
“O CAIXA DO PT FOI DE R$ 350 MILHÕES”
A acusação do Ministério Público Federal sustenta que o
mensalão foi abastecido com 55 milhões de reais tomados por empréstimo
por Marcos Valério junto aos bancos Rural e BMG, que se somaram a 74
milhões desviados da Visanet, fundo abastecido com dinheiro público e
controlado pelo Banco do Brasil. Segundo Marcos Valério, esse valor é
subestimado. Ele conta que o caixa real do mensalão era o triplo do
descoberto pela polícia e denunciado pelo MP. (…) “Da SM P&B vão
achar só os 55 milhões, mas o caixa era muito maior. O caixa do PT foi
de 350 milhões de reais, com dinheiro de outras empresas que nada tinham
a ver com a SMP&B nem com a DNA”.
(…)
LULA ERA O CHEFE DO ESQUEMA, COM JOSÉ DIRCEU
Lula teria se empenhado pessoalmente na coleta de dinheiro para
a engrenagem clandestina, cujos contribuintes tinham algum interesse no
governo federal. Tudo corria por fora, sem registros formais, sem
deixar nenhum rastro. Muitos empresários, relata Marcos Valério, se
reuniam com o presidente, combinavam a contribuição e em seguida
despejavam dinheiro no cofre secreto petista. O controle dessa
contabilidade cabia ao então tesoureiro do partido, Delúbio Soares, que é
réu no processo do mensalão e começa a ser julgado nos próximos dias
pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa. O papel de
Delúbio era, além de ajudar na administração da captação, definir o nome
dos políticos que deveriam receber os pagamentos determinados pela
cúpula do PT, com o aval do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu,
acusado no processo como o chefe da quadrilha do mensalão: “Dirceu era o
braço direito do Lula, um braço que comandava”.
(…)
VALÉRIO SE ENCONTROU COM LULA NO PALÁCIO DO PLANALTO VÁRIAS VEZES
A narrativa de Valério coloca Lula não apenas como sabedor do
que se passava, mas no comando da operação. Valério não esconde que se
encontrou com Lula diversas vezes no Palácio do Planalto. Ele faz outra
revelação: “Do Zé ao Lula era só descer a escada. Isso se faz sem
marcar. Ele dizia vamos lá embaixo, vamos”. O Zé é o ex-ministro José
Dirceu, cujo gabinete ficava no 4º andar do Palácio do Planalto, um
andar acima do gabinete presidencial. (…) Marcos Valério reafirma que
Dirceu não pode nem deve ser absolvido pelo Supremo Tribunal, mas faz
uma sombria ressalva. “Não podem condenar apenas os mequetrefes. Só não
sobrou para o Lula porque eu, o Delúbio e o Zé não falamos”, disse, na
semana passada, em Belo Horizonte. Indagado, o ex-presidente não
respondeu.
(…)
PAULO OKAMOTTO, ESCALADO PARA SILENCIAR VALÉRIO, TERIA AGREDIDO FISICAMENTE A MULHER DO PUBLICITÁRIO
“Eu não falo com todo mundo no PT. O meu contato com o PT era o
Paulo Okamotto”, disse Valério em uma conversa reservada dias atrás. É o
próprio Valério quem explica a missão de Okamotto: “O papel dele era
tentar me acalmar”. O empresário conta que conheceu o Japonês, como o
petista é chamado, no ápice do escândalo. Valério diz que, na véspera de
seu primeiro depoimento à CPI que investigava o mensalão, Okamotto o
procurou. “A conversa foi na casa de uma funcionária minha. Era para
dizer o que eu não devia falar na CPI”, relembra. O pedido era óbvio.
Okamotto queria evitar que Valério implicasse Lula no escândalo. Deu
certo durante muito tempo. Em troca do silêncio de Valério, o PT, por
intermédio de Okamotto, prometia dinheiro e proteção. A relação se
tornaria duradoura, mas nunca foi pacífica. Em momentos de dificuldade,
Okamotto era sempre procurado. Quando Valério foi preso pela primeira
vez, sua mulher viajou a São Paulo com a filha para falar com Okamotto.
Renilda Santiago queria que o assessor de Lula desse um jeito de tirar
seu marido da cadeia. Disse que ele estava preso injustamente e que o PT
precisava resolver a situação. A reação de Okamotto causa revolta em
Valério até hoje. “Ele deu um safanão na minha esposa. Ela foi correndo
para o banheiro, chorando.”
O PT PROMETEU A VALÉRIO QUE RETARDARIA AO MÁXIMO O JULGAMENTO NO STF
O empresário jura que nunca recebeu nada do PT. Já a promessa
de proteção, segundo Valério, girava em torno de um esforço que o
partido faria para retardar o julgamento do mensalão no Supremo e, em
último caso, tentar amenizar a sua pena. “Prometeram não exatamente
absolver, mas diziam: ‘Vamos segurar, vamos isso, vamos aquilo’…
Amenizar”, conta. Por muito tempo, Marcos Valério acreditou que daria
certo. Procurado, Okamotto não se pronunciou.
“O DELÚBIO DORMIA NO PALÁCIO DA ALVORADA”
Nos tempos em que gozava da intimidade do poder em Brasília,
Marcos Valério diz guardar muitas lembranças. Algumas revelam a
desenvoltura com que personagens centrais do mensalão transitavam no
coração do governo Lula antes da eclosão do maior escândalo de corrupção
da história política do país. Valério lembra das vezes em que Delúbio
Soares, seu interlocutor frequente até a descoberta do esquema,
participava de animados encontros à noite no Palácio da Alvorada, que
não raro servia de pernoite para o ex-tesoureiro petista. “O Delúbio
dormia no Alvorada. Ele e a mulher dele iam jogar baralho com Lula à
noite. Alguma vez isso ficou registrado lá dentro? Quando você quer
encontrar (alguém), você encontra, e sem registro.” O operador do
mensalão deixa transparecer que ele próprio foi a uma dessas reuniões
noturnas no Alvorada. Sobre sua aproximação com o PT, Valério conta que,
diferentemente do que os petistas dizem há sete anos, ele conheceu
Delúbio durante a campanha de 2002. Quem apresentou a ele o petista foi
Cristiano Paz, seu ex-sócio, que intermediava uma doação à campanha de
Lula.
(…)
EMPRÉSTIMOS DO RURAL FORAM FEITOS COM AVAL DE LULA E DIRCEU
“O banco ia emprestar dinheiro para uma agência quebrada?” Os
ministros do STF já consideraram fraudulentos os empréstimos concedidos
pelo Banco Rural às agências de publicidade que abasteceram o mensalão.
Para Valério, a decisão do Rural de liberar o dinheiro — com garantias
fajutas e José Genoino e Delúbio Soares como fiadores — não foi um favor
a ele, mas ao governo Lula. “Você acha que chegou lá o Marcos Valério
com duas agências quebradas e pediu: ‘Me empresta aí 30 milhões de reais
pra eu dar pro PT’? O que um dono de banco ia responder?” Valério se
lembra sempre de José Augusto Dumont, então presidente do Rural. “O Zé
Augusto, que não era bobo, falou assim: ‘Pra você eu não empresto’. Eu
respondi: ‘Vai lá e conversa com o Delúbio’. ”A partir daí a solução foi
encaminhada. Os empréstimos, diz Valério, não existiriam sem o aval de
Lula e Dirceu. “Se você é um banqueiro, você nega um pedido do
presidente da República?”
(…)