sexta-feira, 1 de abril de 2016

Uma presidente fora de si

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Bastidores do Planalto nos últimos dias mostram que a iminência do afastamento fez com que Dilma perdesse o equilíbrio e as condições emocionais para conduzir o país

Sérgio Pardellas e Débora Bergamasco
Revista IstoÉ
Os últimos dias no Planalto têm sido marcados por momentos de extrema tensão e absoluta desordem com uma presidente da República dominada por sucessivas explosões nervosas, quando, além de destempero, exibe total desconexão com a realidade do País. Não bastassem as crises moral, política e econômica, Dilma Rousseff perdeu também as condições emocionais para conduzir o governo. Assessores palacianos, mesmo os já acostumados com a descompostura presidencial, andam aturdidos com o seu comportamento às vésperas da votação do impeachment pelo Congresso. Segundo relatos, a mandatária está irascível, fora de si e mais agressiva do que nunca. Lembra o Lula dos grampos em seus impropérios. Na última semana, a presidente mandou eliminar jornais e revistas do seu gabinete. Agora, contenta-se com o clipping resumido por um de seus subordinados. Mesmo assim, dispara palavrões aos borbotões a cada nova e frequente má notícia recebida. Por isso, os mais próximos da presidente têm evitado tecer comentários sobre a evolução do processo de impeachment. Nem com Lula as conversas têm sido amenas. Num de seus acessos recentes, Dilma reclamou dos que classificou de “traidores” e prometeu “vingança”. Numa conversa com um assessor, na semana passada, a presidente investiu pesado contra o juiz Sérgio Moro, da Lava Jato. “Quem esse menino pensa que é? Um dia ele ainda vai pagar pelo quem vem fazendo”, disse. Há duas semanas, ao receber a informação da chamada “delação definitiva” em negociação por executivos da Odebrecht, Dilma teria, segundo o testemunho de um integrante do primeiro escalão do governo, avariado um móvel de seu gabinete, depois de emitir uma série de xingamentos. Para tentar aplacar as crises, cada vez mais recorrentes, a presidente tem sido medicada com dois remédios ministrados a ela desde a eclosão do seu processo de afastamento: rivotril e olanzapina, este último usado para esquizofrenia, mas com efeito calmante. A medicação nem sempre apresenta eficácia, como é possível notar.
DESCONTROLE
A presidente se entope de calmantes desde a eclosão da crise. Os medicamentos
nem sempre surtem efeito, atestam seus auxiliares
Em recente viagem a bordo do avião presidencial, um Airbus A319, tripulantes e passageiros ficaram estupefatos com outro surto de Dilma. Depois de uma forte turbulência, a presidente invadiu a cabine do piloto aos berros: “Você está maluco? Vai se f...! É a presidente que está aqui. O que está acontecendo?”, vociferou. Não seria a primeira vez que Dilma perdia o equilíbrio durante um vôo oficial. No final de janeiro, o avião da presidente despencou 100 metros, enquanto passava pela região entre a floresta Amazônica e o Acre. O piloto preparava-se para pousar em Quito, no Equador. Devido ao tranco mais brusco, Marco Aurélio Garcia, assessor especial, acabou banhado de vinho e uma ajudante de ordens bateu levemente com a cabeça no teto da aeronave. Copos e pratos foram ao chão, mas ninguém se machucou. A presidente saiu de si. Na sequência do incidente, tratou de cobrar satisfações do piloto. Aos gritos. “Não te falei para não pegar esse trajeto? Quer que eu morra de susto, cace...?”. Os desvarios de Dilma durante os vôos já lhe renderam uma reclamação formal. Em carta, a Aeronáutica pediu para que a presidente não formulasse tantas perguntas sobre trajetos e condições climáticas nem adentrasse repentinamente às cabines para não tirar a concentração dos pilotos. A presidente não demonstra paciência nem mesmo para esperar o avião presidencial seguir o procedimento usual de taxiamento. Um de seus assessores lembra que, certa feita, Dilma chegou a determinar à Aeronáutica que reservasse uma pista exclusiva para a decolagem de sua aeronave. Com isso, outros aviões na dianteira tiveram de esperar na fila por horas.
O modelo consagrado pela renomada psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross descreve cinco estágios pelo qual as pessoas atravessam ao lidar com a perda ou a proximidade dela. São eles a negação, a raiva, a negociação, a depressão e a aceitação. Por ora, Dilma oscila entre os dois primeiros estágios. Além dos surtos de raiva, a presidente, segundo relatos de seus auxiliares, apresenta uma espécie de negação da realidade. Na semana passada, um presidente de uma instituição estatal foi chamado por Dilma para despachar assuntos de sua pasta. Chegou ao Palácio do Planalto, subiu ao terceiro andar e falaram longamente acerca da saúde da empresa e especialmente sobre a economia do Brasil e o contexto internacional. Ao final da conversa, observando o visível abatimento do executivo, Dilma quis saber: “Por que você está cabisbaixo?”. Franco, ele revelou sua preocupação com o cenário de impeachment que se desenhava, especialmente com o então iminente rompimento do PMDB. Ao ouvir a angústia do seu subordinado, que não está há muito tempo à frente da empresa, Dilma teve uma reação que tem se repetido sistematicamente: descartou totalmente a hipótese do seu impedimento. Ela exclamou: “Imagine, nada disso vai acontecer. Já temos garantidos 250 votos na Câmara”. O executivo tentou argumentar, mas foi novamente interrompido. A petista avaliou ser “até melhor” o rompimento com o PMDB, assim teriam a chance de “refundar” o governo. O presidente da instituição deixou a conversa completamente atônito. Considerou inacreditável a avaliação da chefe do Executivo.



Outro interlocutor freqüente diz que a desaprovação recorde junto aos eleitores é vista como mero detalhe pela presidente. “Que falta faz um João Santana”, disse referindo-se ao marqueteiro preso e, principalmente, conselheiro para todas as horas. Aos integrantes do núcleo político, Dilma deixa transparecer que não lhe importa mais a opinião pública. Seu objetivo é seguir no posto a todo e qualquer custo e, se lograr êxito, punir aqueles que considera hoje seus mais ferozes inimigos. Especialmente os do Congresso. Na tática do desespero oferece cargos e verbas para angariar apoios à sua causa, não se importando com o estouro do orçamento e muito menos com o processo sobre suas contas abertos nos órgãos de fiscalização e controle, como o TCU. Na quarta-feira 30, chegou ao cúmulo de sugerir uma audiência com Valdemar Costa Neto, do PR, para oferecer-lhe a indicação do ministério de Minas e Energia. Ocorre que, hoje, Costa Neto apresenta dificuldades e limites de locomoção devido ao uso de uma tornozeleira. Depois da gafe, o jeito foi recorrer a emissários.
É bem verdade que Dilma nunca se caracterizou por ser uma pessoa lhana no trato com os subordinados. Mas não precisa ser psicanalista para perceber que, nas últimas semanas, a presidente desmantelou-se emocionalmente. Um governante, ou mesmo um líder, é colocado à prova exatamente nas crises. E, hoje, ela não é nem uma coisa nem outra. A autoridade se esvai quando seu exercício exige exacerbar no tom, com gritos, berros e ofensas. Helmuth von Moltke, chefe do Estado-Maior do Exército prussiano, depois de aposentado, concedeu uma entrevista que deveria servir de exemplo para governantes que se pretendam grandes líderes. Perguntado como se sentia como um general invicto e o mais bem-sucedido militar da segunda metade do século XIX, Moltke respondeu de pronto: “Não se pode dizer que sou o mais bem-sucedido. Só se pode dizer isso de um grande general, quando ele foi testado na derrota e na retirada. Aí se mostram os grandes generais, os grandes líderes e os grandes estadistas”. Na retirada, Dilma sucumbiu ao teste a que Moltke se refere. Os surtos, os seguidos destemperos e a negação da realidade revelam uma presidente completamente fora do eixo e incapaz de gerir o País.

O PLACAR DO AFASTAMENTO
Em frente ao Congresso, integrantes de movimentos pró-impeachment estampam
os rostos dos parlamentares contra e a favor da saída de Dilma
A maneira temperamental de lidar com as situações não é nova, embora tenha se agravado nas últimas semanas. Desde o primeiro mandato de Dilma, um importante assessor palaciano dedicou-se a registrar num livro de capa preta as reprimendas aplicadas por Dilma em seus subordinados. Ele deixou o governo recentemente por não aturar mais os insultos da presidente. A maioria injustificável, em sua visão. No caderno, anotou mais de 80 casos ocorridos entre 2010 e 2016. Entre eles, há o de um motorista que largou o automóvel presidencial no meio da Esplanada dos Ministérios depois de ser ofendido compulsivamente pela presidente e ameaçado de demissão por causa de um atraso. “Você não percebeu que não posso atrasar, seu m...Ande logo com isso senão está no olho da rua”, atacou Dilma. Consta também das anotações os três pedidos de demissão de Anderson Dornelles, que deixou o Planalto no último mês sob fortes suspeitas de ser sócio oculto de um bar localizado no estádio Beira-Rio de propriedade da Andrade Gutierrez. Nas vezes em que ameaçou deixar o governo, alegou cansaço dos destratos da presidente. “Menino, você não faz nada direito!”, afirmou ela numa das brigas. O ministro da Advocacia-Geral da União, José Eduardo Cardozo, também já experimentou a fúria da presidente. A irritação, neste caso, derivou das revelações feitas pelo empresário Ricardo Pessoa, da UTC, sobre as doações a sua campanha à reeleição em 2014. Participaram dessa reunião convocada pela presidente, além de Cardozo, os ministros Aloizio Mercadante, Edinho Silva e o assessor especial Giles Azevedo. Na frente de todos, Dilma cobrou Cardozo por não ter evitado que as revelações de Ricardo Pessoa se tornassem públicas dias antes de sua visita oficial aos Estados Unidos, quando buscava notícias positivas para reagir à crise. “Você não poderia ter pedido ao Teori (Zavascki) para aguardar quatro ou cinco dias para homologar a delação?”, perguntou Dilma referindo-se ao ministro que conduz os processos da Lava Jato no STF. “Cardozo, você fodeu a minha viagem”, bradou a presidente.
O episódio envolvendo Cardozo, no entanto, pode ser considerado até brando se comparado às situações enfrentadas por duas ex-ministras do governo, Maria do Rosário e Ideli Salvatti. Em 2011, ao debater com Rosário o andamento dos trabalhos da Comissão da Verdade, àquela altura prestes a ser criada pelo Congresso para esclarecer casos de violação de direitos humanos durante a ditadura militar, Dilma perdeu as estribeiras: “Cale sua boca. Você não entende disso. Só fala besteira”. Já Ideli conheceu o despautério da presidente logo no dia seguinte à sua nomeação para as Relações Institucionais. Quando ainda devorava jornais, Dilma leu uma reportagem em que a titular da pasta fazia considerações sobre os desafios do novo trabalho. Não gostou e deixou clara sua insatisfação: “Ideli, se na primeira coletiva você já disse bobagens, imagine nas próximas”.
Publicamente, a presidente tenta disfarçar seu estado de ânimo atual. Mas nem sempre é possível deixar transparecer serenidade quando, por dentro, os nervos estão à flor da pele. Seus últimos discursos refletem a tensão reinante nos corredores do Palácio do Planalto. Na quarta-feira 30, Dilma converteu o evento de entrega de moradias da terceira fase do Minha Casa Minha Vida em um palanque contra o impeachment. Na cerimônia, estiveram presentes integrantes de movimentos sociais, como o MST. Os representantes, —muitos deles chamados de última hora já que nenhum governador se dignou a ir e, dos 300 prefeitos convocados, só oito compareceram —, foram acomodados em lugares destinados a convidados, onde entoaram gritos de guerra pró-governo mesmo antes de o evento começar. Os presentes chamaram o juiz Sérgio Moro, o vice Michel Temer e a OAB de “golpistas” e bradaram o já tradicional “não vai ter golpe”. Detalhe: o coro foi puxado pela militante travestida de presidente da República
Durante a campanha eleitoral, a presidente Dilma Rousseff pagou para seus marqueteiros desenvolverem e disseminarem o nocivo “discurso do medo”. Espalhou o pavor entre os brasileiros mais carentes dizendo que, se seus concorrentes Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (na época no PSB) ganhassem a eleição, os programas sociais estariam em risco. Funcionou. Hoje, cara a cara com o impeachment, ela coloca sua tropa de choque novamente para atemorizar a população. Disse a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), na última segunda-feira: “Programas sociais como Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família, Fies e tantos outros que beneficiam os mais pobres correm sério risco de sofrer corte caso a presidente Dilma seja impedida de continuar seu governo”.
Não bastasse a repetição da retórica cretina da campanha eleitoral, a presidente disse nos últimos dias que o que está se vendo o País é um verdadeiro “nazismo”, sem lembrar que o discurso do “nós contra eles” foi gestado e cultivado por sua equipe. O ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, foi na mesma toada ao tentar reverter a posição do governo de incitador de ódio para pacificador: “Nós vamos baixar o tom ou esperar o primeiro cadáver?”. Sem mencionar, é claro, provocações até do presidente do PT, Rui Falcão, que no twitter escreveu recentemente: “Queremos a paz, mas não tememos a guerra”. Ou as palavras de Guilherme Boulos, coordenador do MTST, que disse que se o impeachment for efetivado ou Lula for preso, o Brasil seria “incendiado por greves, ocupações e mobilizações” e que “Não haverá um dia de paz do Brasil”.

As diabruras de “Maria, a Louca”
Não é exclusividade de nosso tempo e nem de nossas cercanias que, na iminência de perder o poder, governantes ajam de maneira ensandecida e passem a negar a realidade. No século 18, o renomado psiquiatra britânico Francis Willis se especializou no acompanhamento de imperadores e mandatários que perderam o controle mental em momentos de crise política e chegou a desenvolver um método terapêutico composto por “remédios evacuantes” para tratar desses casos. Sua fórmula, no entanto, pouco resultado obteve com a paciente Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana de Bragança, que a história registra como “Maria I, a Louca”. Foi a primeira mulher a sentar-se no trono de Portugal e, por decorrência geopolítica, a primeira rainha do Brasil. O psiquiatra observou que os sintomas de sandice e de negação da realidade manifestados por Maria I se agravaram na medida em que ela era colocada sob forte pressão. “Maria I, a Louca”, por exemplo, dizia ver o “corpo” de seu “pai ardendo feito carvão”, quando adversários políticos da Casa de Bragança tentavam alijá-la do poder. Nesses momentos, seus atos de governo denotavam desatino, como relatou doutor Willis: “proibir a produção de vinho do Porto na cidade do Porto”. Diante desse quadro, era preciso que ocorresse o seu “impedimento na Coroa”. Quanto mais pressão, mais a sua consciência se obnubilava, até que finalmente foi “impedida de qualquer ato na Corte”. Já com o filho Dom João VI no comando de Portugal, “Maria I, a Louca” veio às pressas para o Rio de Janeiro com a Família Real diante da invasão de Portugal. Aqui, ela tinha por hábito usar longos vestidos pretos e passava horas correndo pelos corredores palacianos gritando palavrões desconexos. Costumava acordar na madrugada e “berrava para seres imaginários descerem do Pão de Açúcar” porque nele “morava o diabo”. A sua derradeira frase em território lusitano pode ser interpretada como faísca de lucidez na loucura: “Não corram tanto, vão pensar que estamos sendo tocados ou que estamos fugindo”.
Antonio Carlos Prado
Fotos: Adriano Machado, Claudio Belli/Valor; Adriano Machado/Ag. Istoé; CELSO JUNIOR/AE; EPITACIO PESSOA/AE, Marcelo Camargo/Agência Brasil, Givaldo Barbosa/Agência O Globo DO R.DEMOCRATICA

Os vendilhões do Planalto

Editorial
O Estado de S. Paulo
A aprovação ou a rejeição do impeachment de Dilma Rousseff vai depender, exclusivamente, de que os vendilhões do Planalto consigam negociar em número suficiente a mercadoria no momento mais valorizada no cenário político: os votos a serem registrados na sessão plenária que vai decidir a sorte da presidente da República. Pode-se dizer, alternativamente, que o mandato de Dilma vai depender de que parlamentares venais fiquem satisfeitos com o que os traficantes de consciência, tendo à frente Luiz Inácio Lula da Silva, têm a lhes oferecer em troca do voto. E o mais vergonhoso é que essa estratégia de cooptação baseada na corrupção dos valores morais que deveriam prevalecer na gestão da coisa pública – estratégia definida esta semana pelo ministro Jaques Wagner como uma “repactuação” das alianças – foi concebida e é coordenada a partir dos gabinetes do poder e está sendo abertamente discutida nos círculos políticos. Definitivamente, o lulopetismo perdeu de vez a vergonha.
Há porta-vozes de Lula, como o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que até se permitem gabar-se do “sucesso” de suas artimanhas: “Diziam que após o rompimento do PMDB haveria uma debandada e o que estamos vendo hoje é um movimento inverso, vários partidos voltando para a base. O PMDB facilitou o jogo para o governo, que terá agora condições de construir uma maioria (sic) de 200 votos. Não haverá impeachment”.
De qualquer modo, a “repactuação” pela “maioria” de 200 votos vai dar trabalho a Lula e sua tropa de choque, a começar pelos seis Ministérios ocupados pelo PMDB que, pela lógica, já deveriam estar disponíveis para serem negociados por votos na Câmara dos Deputados. Henrique Eduardo Alves, do Turismo, já se demitiu. Até dois dias atrás era dado como certo que três ministros peemedebistas desejavam permanecer nos cargos: Kátia Abreu, da Agricultura, da cota pessoal de Dilma; Marcelo Castro, da Saúde; e Celso Pansera, de Ciência e Tecnologia. Outros três estariam dispostos a renunciar tão logo ultimassem questões pendentes em seus gabinetes.
Ontem, o panorama já era diferente: a despeito da decisão do Diretório Nacional de determinar a “imediata saída”, todos os seis peemedebistas passaram a demonstrar que gostariam de continuar ministros. Ocorre que o Ministério da Saúde, por exemplo, já está sendo negociado com outros partidos, para profunda frustração do controvertido ministro Marcelo Castro. Corre o mesmo risco outro que está agarrado ao cargo com unhas e dentes: Celso Pansera. De qualquer modo, a composição final do Ministério “repactuado” dependerá do que cada aspirante a ascender ou permanecer no cargo poderá oferecer em termos de votos contra o impeachment.
Enquanto isso, na linha da falta de compostura a que o desespero a está levando, Dilma Rousseff voltou, quarta-feira e ontem, a privatizar o espaço público da sede do governo de todos os brasileiros para promover comícios partidários em defesa de seu mandato. E não desperdiçou as oportunidades para elevar o tom na escalada “antigolpe” a que se entregou de corpo e alma. Como a palavra de ordem “impeachment é golpe” ficou desmoralizada pela evidência de que o afastamento é preceito constitucional inquestionável, Dilma foi forçada a fazer uma adaptação no mantra: “impeachment sem crime é golpe”, conforme berrou, com voz cada vez mais esganiçada, sob aplausos delirantes das claques.
Mais uma vez, Dilma age de má-fé e fala bobagem. O impeachment precisa, é claro, ter justificativa legal. Mas a existência ou não dos crimes alegados no pedido de impeachment é uma questão que cabe aos congressistas julgar. A presidente da República tem o direito de se defender, mas não o direito de se antecipar a uma decisão soberana do Congresso Nacional e decretar que o pedido de impeachment, já em tramitação na Câmara, não tem fundamento. Muito menos lhe cabe incendiar o País em benefício próprio. Se tivesse um mínimo de compostura, a desesperada chefe do governo preservaria a dignidade de seu mandato deixando a cargo de seus advogados e correligionários a tarefa de expor, nos foros adequados e com linguagem pertinente, os argumentos de sua defesa.
Mas Dilma só faz o que sabe. Formada na escola do “centralismo democrático”, com aperfeiçoamento no populismo lulopetista, ela acredita que o governante pode tudo, inclusive colocar-se acima da lei. 01 Abril 2016 DO R.DEMOCRATICA

Lava Jato diz a Lula que o passado não passou

Josias de Souza

Operação Lava Jato274 fotos

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15.dez.2015 - Movimentação de policiais federais em frente à casa do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. A Polícia Federal faz nesta terça-feira (15), por ordem do STF (Supremo Tribunal Federal), uma operação de busca e apreensão na casa de Cunha. O deputado é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro pela Procuradoria-Geral da República nas investigações da Operação Lava Jato VEJA MAIS > Imagem: Fábio Motta/Estadão Conteúdo
Em pleno Dia da Mentira, a Lava Jato deflagrou uma operação que devolve à cena verdades que o petismo havia enterrado em covas rasas. Num instante em que Lula molha a camisa para tentar salvar a própria pele e o futuro do governo Dilma, a “República de Curitiba” emite um aviso incômodo: atenção, o passado não passou.
O juiz Sérgio Moro mandou prender neste 1º de abril Silvinho Pereira, ex-secretário-geral do PT, e Ronan Maria Pinto, empresário do ABC Paulista. O primeiro personagem evoca o escândalo do mensalão. O segundo iça à superfície o caso do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel.
Ronan é acusado de chatagear Lula e outros dirigentes petistas para silenciar sobre segredos que poderiam desvendar a morte de Celso Daniel. Silvinho é apontado como cúmplice da montagem da transação financeira que resultou na compra do silêncio do empresário por R$ 6 milhões.
A extorsão foi revelada em depoimento de Marcos Valério, condenado a 40 anos de cadeia no mensalão. Ele abriu o bico para a Procuradoria da República, em 2012. E a grana que remunerou o biombo foi surrupiada da Petrobras, contou à força-tarefa da Lava Jato o pecuarista José Carlos Bumlai, em novembro do ano passado.
Amigão de Lula, Bumlai disse ter repassado para o Partido dos Trabalhadores R$ 12 milhões de um pseudo-empréstimo que contraiu em 2004 no Banco Schahin. Metade da bolada foi para Ronan. A dívida jamais foi liquidada. E o Grupo Schahin foi brindado com um contrato de R$ 1,6 bilhão na Petrobras.
Súbito, surgem entrelaçados num mesmo inquérito os três grandes escândalos da era petista: o assassinato de Celso Daniel, o mensalão e o petrolão. Além de Silvinho e Ronan, voltou ao noticiário o ex-gestor das arcas petistas Delúbio Soares, conduzido sob vara pela Polícia Federal para prestar depoimento.
Até bem pouco, Dilma Rousseff fazia cara de paisagem para as operações da Lava Jato. Dizia não respeitar delatores e fingia que não era com ela. Já não pode adotar o mesmo comportamento. Hoje, a presidente guerreia para enfiar Lula na Casa Civil do Planalto. E terceirizou ao padrinho político o arrastão fisiológico anti-impeachment.
Sob holofotes, o PT mobiliza artistas, o sindicalismo da CUT e a militância dos movimentos sociais. Nos subterrâneos, ouve-se o barulhinho do tilintar de cargos e verbas manuseados por Lula para cavar votos contra o impeachment no PP, com 34 implicados no petrolão, e no PR, feudo cartorial do mensaleiro Valdemar Costa Neto.
A nova fase da Lava Jato foi batizada de Carbono 14, uma alusão à técnica utilizada para situar no tempo os achados arqueológicos. A exumação do passado que não passa para o PT produz um odor lancinante. Mas Lula, Dilma e o partido parecem não ligar. Eles já se ocupam dos detritos que serão investigados no futuro. É como se desejassem criar no Brasil uma Lava Jato eterna.

Valério citou, em 2012, alvos da Carbono em trama que envolveria poupar Lula no caso Celso Daniel

Por Andreza Matais, Julia Affonso e Ricardo Brandt
01/04/2016, 09h36 - ESTADÃO
Operador do mensalão afirmou em depoimento ao Ministério Público Federal que o PT teria pedido a ele R$ 6 milhões para que Ronan Maria Pinto parasse de chantagear o ex-presidente, o então secretário da Presidência Gilberto Carvalho e o ex-ministro José Dirceu
Marcos Vaélio. Foto: Celso Junior/AE
Marcos Valério. Foto: Celso Junior/AE
O empresário Ronan Maria Pinto, de Santo André (SP), preso na Operação Carbono 14 nesta sexta-feira, 1, é um dos personagens do Caso Celso Daniel – prefeito da cidade do ABC paulista executado em janeiro de 2002. Conforme o Estado revelou em 2012, o operador do mensalão, Marcos Valério, afirmou em depoimento ao Ministério Público Federal que o PT teria pedido a ele R$ 6 milhões para que Ronan Maria Pinto parasse de chantagear o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o então secretário da Presidência Gilberto Carvalho e o ex-ministro José Dirceu.
Este valor, segundo investigação da força-tarefa da Operação Lava Jato, teria saído de um montante de R$ 12 milhões que o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, havia contraído em um empréstimo junto ao Banco Schahin em outubro de 2004. Segundo a Procuradoria da República, há evidências que apontam que o PT influiu diretamente junto ao Banco Schahin na liberação do empréstimo fraudulento. Para chegar ao destinatário final Ronan Maria Pinto, os investigados teriam se utilizado de diversos estratagemas para ocultar a proveniência ilícita dos valores e a identidade do destinatário final do dinheiro obtido na instituição financeira.
Os investigadores da Lava Jato afirmam a operacionalização do esquema se deu, inicialmente, por intermédio da transferência dos valores de Bumlai para o Frigorifico Bertin, que, por sua vez, repassou a quantia de aproximadamente R$ 6 milhões a um empresário do Rio de Janeiro.
“Há evidências de que este empresário carioca realizou transferências diretas para a Expresso Nova Santo André, empresa de ônibus controlada por Ronan Maria Pinto, além de outras pessoas físicas e jurídicas indicadas pelo empresário para recebimento de valores. Dentre as pessoas indicadas para recebimento dos valores por Ronan, estava o então acionista controlador do Jornal Diário do Grande ABC, que recebeu R$ 210 mil em 9 de novembro de 2004. Na época, o controle acionário do periódico estava sendo vendido a Ronan Maria Pinto em parcelas de R$ 210 mil. Suspeita-se que uma parte das ações foi adquirida com o dinheiro proveniente do Banco Schahin. Uma das estratégias usadas para conferir aparência legítima às transferências espúrias dos valores foi a realização de um contrato de mútuo simulado, o qual havia sido apreendido em fase anterior da Operação Lava Jato”, sustenta a Procuradoria.
No texto divulgado pelo MPF sobre a operação Carbono 14, não há menção sobre o caso Celso Daniel. Os investigadores falarão sobre a ação de hoje a partir das 10 horas, quando devem dar mais detalhes.
Corrupção. Após a morte de Celso Daniel, a polícia concluiu que o petista foi vítima de “criminosos comuns”, mas o Ministério Público sustenta que ele foi eliminado a mando do empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, porque decidiu dar um basta em amplo esquema de corrupção em sua administração depois que constatou que o dinheiro desviado não abastecia exclusivamente o caixa 2 do PT, mas estava sendo usado para enriquecimento de algumas pessoas.
Em seu depoimento, Marcos Valério afirmou que se recusou a interferir neste caso. Mas contou que Silvio Pereira, o Silvinho, então secretário-geral do PT, o procurou pedindo esta nova ajuda. O encontro foi marcado no Hotel Sofitel, em São Paulo, reduto de reuniões da cúpula do PT durante quase todo o governo Lula. Silvio Pereira também foi preso na Operação Carbono 14. O jornalista Breno Altaman foi conduzido coercitivamente nesta sexta. Segundo Valério, ele teria participado de reuniões para acalmar Ronan Maria Pinto.
Segundo Marcos Valério, os dois se sentaram em uma mesa do lado de fora e que Silvinho disse que Ronan vinha chantageando Lula, Dirceu e Carvalho. E pediu a Valério o dinheiro para estancar a chantagem. Valério recusou-se a ajudar o PT neste caso. “Me inclua fora disso”, limitou-se a dizer.
Silvinho insistiu, pedindo apenas que aceitasse uma conversa com Ronan. O encontro foi marcado no “Hotel Puma”, na verdade Hotel Pullman, situado no Ibirapuera, em São Paulo. Teriam participado da conversa Valério, Ronan e o jornalista Breno Altman. Segundo Valério, Ronan disse que os R$ 6 milhões seriam usados para comprar 50% do jornal Diário do Grande ABC – conforme Valério disse ter ouvido de Silvinho.
O Diário do Grande ABC, disse o operador do mensalão, vinha publicando seguidas matérias sobre o assassinato de Celso Daniel. Apesar desses detalhes, Valério disse que Silvinho não lhe contou o motivo da chantagem.
Em 2012, Ronan Maria Pinto, Silvio Pereira e Breno Altman se manifestaram desta forma.
Em nota, o empresário Ronan Maria Pinto disse que “conforme já declarou em oportunidade anterior, jamais se encontrou em qualquer circunstância com o sr. Valério, a quem não conhece pessoalmente – só pelo noticiário”. Ele disse que “não conhece o sr. José Bumlai, de quem nunca sequer tinha ouvido falar”. “Tratam-se de novas partes da velha falácia com que buscam envolver seu nome em assuntos com os quais nada tem a ver.”
Silvio Pereira afirmou, por seu advogado, que considera “fantasiosa” a versão de Valério. O pecuarista José Carlos Bumlai recebeu com perplexidade a citação a seu nome. “Ele (Bumlai) ficou perplexo”, disse o advogado Mário Sérgio Duarte Garcia. “Absolutamente nada a ver com Banco Schain. Eu o consultei sobre isso, nega categoricamente que tenha participado de algo nessa linha.”
O jornalista Breno Altman disse que nunca se reuniu com Valério. “Nunca na minha vida estive com Marcos Valério. Nem nesse hotel e nem em canto nenhum. Se o Ronan é réu nos processos de Santo André junto com o PT, qual o sentido disso?”