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A
três meses da eleição presidencial, o mercado financeiro vive o
seguinte drama: metade da equipe de analistas está nervosa porque Dilma
diz que a economia vai bem mas sabe que ela está mentindo e prepara
ajustes para o caso de ser reeleita. A outra metade da equipe de
analistas está nervosa porque Dilma diz que a economia vai bem e sabe
que ela acredita mesmo nisso e não preparou nenhum ajuste. E Dilma está
nervosa porque não sabe se diz que fará ajustes que ainda não preparou
ou se prepara os ajustes e não diz. Ou vice-versa.
Foi contra esse
pano de fundo confuso que o Santander enviou aos seus correntistas
endinheirados um boletim sustentando a tese segundo a qual o sucesso
eleitoral de Dilma potencializará a deterioração da conjuntura
econômica. A plateia não viu a cara do autor do texto. Mas o vazamento
da análise fez dele —ou seria ela?— o fantasma mais execrado da
República.
O presidente do PT, Rui Falcão, chamou o desconhecido
de terrorista. Lula vestiu saia no hectoplasma: “Essa moça não entende
porra nenhuma do Brasil”. E endereçou um conselho para Emilio Botín,
presidente mundial do Santander: “Ô, Botín, é o seguinte, meu querido:
manter uma mulher dessa num cargo de chefia, sinceramente… Pode mandar
embora. E dá o bônus dela pra mim, que eu sei como falo.”
Dilma
preferiu o timbre de ameaça. “É inaceitável”, ela disse. “É
inadmissível”, vociferou. “Eu vou ter uma atitude bastante clara em
relação ao banco.'' Emparedado, o companheiro Botín veio à boca do palco
para
informar
que o Santander teria enviado ao olho da rua a pessoa que redigiu o tal
informe. Absteve-se de dar pseudônimo aos bois. A sinceridade do gesto é
tão confiável quanto o catolicismo do banqueiro que se persígna ao
passar pela porta de uma igreja.
Sendo o percentual de admiração e
bondade das casas bancárias e dos operadores do mercado muito reduzido,
o melhor a fazer antes de sair por aí dando urros, patadas e destilando
ódio contra um fantasma, é reparar no ridículo que permeia a cena.
Ganha um cargo de direção no Santander e um troféu de ingenuidade quem
acreditar que uma análise de conjuntura chegaria às mãos dos
correntistas mais ricos de um dos maiores bancos do mundo com conteúdo
alheio ao pensamento da casa.
Admita-se, para efeito de
raciocínio, que a análise anti-Dilma seja obra solitária de um fantasma
com CPF e RG. Nessa hipótese, seu crime teria sido o de deitar sobre o
papel raciocínios econômicos sussurrados por onze de cada dez analistas
de mercado. Seu propósito não seria o de influir no vaivém das
pesquisas, mas o de orientar os investimentos da clientela bem-posta do
Santander. Uma caciquia que frequenta a tribo dos que conservam algo
como R$ 2 trilhões investidos em fundos mútuos no Brasil —o grosso
alocado em títulos da dívida pública.
Essa gente não está
interessada na opinião de Rui Falcão, de Lula ou de Dilma. Essa gente
quer ganhar dinheiro. E os ganhos aumentam na proporção direta dos
desacertos da política fiscal do governo. Funciona assim: o Tesouro
gasta mais do que o fisco arrecada. Em vez de apertar o cinto, a Fazenda
recorre à criatividade contábil.
Para cobrir suas despesas,
Brasília endivida-se até a raiz dos seus cabelos, dos meus, dos nossos
cabelos. Não resta ao Banco Central senão elevar a taxa de juros. E ao
Tesouro, pagar a remuneração necessária para se manter solvente. Em vez
de investir na produção de copos e palitos de fósforos, a tribo dos
fundos mútuos investe no papelório do governo. E o PIB definha. Nesse
ambiente, a tempestade produzida pela análise do fantasma do Santander
surte o mesmo efeito de um tablete de Alkaseltzer: é tempestade num copo
d’água. O máximo que pode produzir é a migração para outros bancos dos
clientes que se julgarem mal aconselhados.
O que provoca a
lipoaspiração dos índices de Dilma nas pesquisas não são as análises do
mercado, mas os efeitos que a inflação exerce na rotina dos assalariados
e dos beneficiários do Bolsa Família. Esse pedaço do eleitorado está
interessado no café com leite, não nos boletins do Santander. Num país
inflacionário, seu principal problema é que sobra cada vez mais mês no
fim da remuneração.
Nesse contexto, a suposta demissão de um
analista-fantasma do Santander é mera hipocrisia. Se a moda pega, haverá
um desemprego em massa no mercado financeiro. Se Lula e o petismo
querem mesmo socorrer Dilma, é melhor esquecer os fantasmas e tentar
convencê-la de que atribuir todos os desacertos econômicos à crise
financeira internacional é o caminho mais longo entre o projeto
reeleitoral e sua realização.DO JOSIASDESOUZA-UOL