Fundador da Gol diz ter se encontrado com Temer após acerto com Cunha; presidente nega que soubesse de acordo
SÃO PAULO - O empresário Henrique Constantino, um dos fundadores da
Gol Linhas Aéreas, relatou a procuradores da República em Brasília que o
presidente Michel Temer avalizou uma contribuição ilegal de R$ 10
milhões de suas empresas a políticos do PMDB e a campanhas em 2012, na
época em que era vice-presidente.
Em seu relato, confirmado ao GLOBO por duas pessoas com acesso às
negociações, Constantino conta que fez o acerto com o ex-deputado
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que então o teria levado a Temer para validar o
acordo. No entanto, disse o empresário, Cunha não falou sobre propina
na presença de Temer, mas sobre o compromisso do seu grupo de empresas
de apoiar o partido e o grupo político do vice-presidente — o que,
segundo Constantino, foi entendido como uma forma de avalizar os
pagamentos.
Além de Cunha e Temer, o ex-deputado federal Henrique Eduardo Alves
(PMDB-RN) também teria participado do encontro, que não consta da agenda
oficial da Vice-Presidência da República. Constantino tenta há meses
celebrar um acordo de colaboração premiada.
O GLOBO perguntou à assessoria de Temer por que o encontro citado por
Henrique Constantino não consta de sua agenda oficial, mas ele não
respondeu. Também não disse se, de fato, encontrou-se com o empresário,
como ele alega. Por meio de sua assessoria, Temer disse “jamais saber
que Eduardo Cunha tenha feito qualquer tipo de acordo com Henrique
Constantino”.
Os R$ 10 milhões referidos na delação teriam sido pagos depois do
encontro, como contrapartida a uma série de solicitações do Grupo
Comporte — que pertence à família Constantino — no governo federal e do
Distrito Federal, que à época tinha como vice-governador Tadeu
Filippelli (PMDB), também beneficiado pelos pagamentos, segundo o
empresário.
NEGOCIAÇÃO COMEÇOU EM 2016
No pacote estariam a inclusão de empresas do setor de transportes na
política de desoneração de folha de pagamento de funcionários —
implantada a partir de 2011 e objeto de leis relacionadas a ela nos
meses seguintes —, e também a desoneração do ICMS do querosene de avião
no Distrito Federal, aprovada em abril de 2013. O pacote considerava,
ainda, pagamentos destinados à campanha de Gabriel Chalita à prefeitura
de São Paulo em 2012, conforme publicado pela “Folha de S.Paulo”, e
facilitação no acesso a dinheiro do Fundo de Investimentos do FGTS
(FI-FGTS), controlado por diretorias da Caixa Econômica e sob a tutela
do PMDB. Temer era o principal cabo eleitoral de Chalita, mas nega ter
pedido “apoio financeiro à campanha”.
Segundo Constantino, o pagamento de propina ocorreu por meio de
contas e empresas indicadas por Eduardo Cunha, Henrique Alves, o
operador Lúcio Funaro e Filippelli. Outros políticos do PMDB também
foram citados pelo empresário. Pelo menos R$ 1 milhão destinados a
Filippelli teriam sido pagos ao escritório Alcoforado Advogados
Associados, de Brasília.
A negociação da colaboração premiada de Henrique Constantino começou
no fim do ano passado com os procuradores da Lava-Jato em Curitiba, onde
ele era investigado por pagamentos de suas empresas a Cunha. Depois de
citar pessoas com foro privilegiado nas negociações, o caso subiu para a
Procuradoria-Geral da República (PGR).
O ex-vice-presidente de Fundos de Governo e Loterias da Caixa, Fábio
Cleto, assumiu em acordo de colaboração ter recebido propina para
liberar um aporte de R$ 300 milhões do FI-FGTS para a Via Rondon, uma
das empresas da família Constantino.
Em dezembro do ano passado, a Gol Linhas Aéreas assinou um acordo de
leniência com o Ministério Público Federal (MPF) no valor de R$ 12
milhões e assumiu crimes praticados pela empresa. Agora, o empresário
busca se livrar de novas investigações na condição de pessoa física. Um
dos pontos de entrave na negociação é a definição da multa a ser paga
por ele como forma de compensação pelos crimes.
No início deste mês, Eduardo Cunha protocolou na 10ª Vara Federal de
Brasília novas perguntas endereçadas a Temer, no âmbito do processo em
que é investigado por corrupção no FI-FGTS. Entre elas, estão questões
citando o relacionamento do presidente com Constantino, recebimentos de
vantagens por empresas do grupo liderado pelo empresário e supostos
pagamentos a campanhas do PMDB. “Vossa Excelência conhece Henrique
Constantino? Esteve alguma vez com ele? Qual foi o tema? Tinha a ver com
algum assunto ligado ao financiamento do FI-FGTS?”, pergunta Cunha a
Temer.
O ex-deputado questionou se o político tinha conhecimento sobre
doações das empresas do fundador da Gol a campanhas do PMDB. “Alguma
delas fez doação para a campanha de Gabriel Chalita em 2012?”,
perguntou. “Se positiva a resposta, houve a sua participação? Estava
vinculada à liberação desses recursos da Caixa no FI-FGTS?”, completou.
Os advogados de Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves e Lúcio Funaro
não quiseram comentar as acusações. O escritório Alcoforado Advogados
Associados informou não haver registro de pagamentos de empresas ligadas
a Constantino. Gabriel Chalita argumenta que recursos da eleição
municipal de São Paulo “vieram do PMDB nacional, que se responsabilizou
pela arrecadação”. A assessoria de Henrique Constantino informou que ele
“está à disposição das autoridades para o total esclarecimento dos
fatos”. DO O GLOBO