Investidores veem 'custo Temer' nos preços do país, com juros e custos mais altos.
“Mercado tem apreço por reformas e não por manutenção” do presidente, diz gestor
O presidente
Michel Temer
diz ter uma missão elevada até o fim do seu mandato: entregar o país a
um sucessor com a economia no rumo certo e franco crescimento. Promete
reformas das leis previdenciárias e trabalhistas que permitam um ajuste
fiscal, um equilíbrio das contas públicas. Enquanto tenta
escapar de investigações e ações penais,
depois de ser denunciado pela primeira vez nesta segunda-feira pelo
crime de corrupção passiva,Temer se agarra a essas promessas como se sua
renúncia ou seu afastamento ameaçassem a retomada econômica. Só que as
reformas ficaram mais distantes com o avanço das investigações. E a
falta de resultados vem cobrando um preço. Banqueiros e gestores
entrevistados pelo EL PAÍS afirmam que Temer encarece e dificulta o
ajuste fiscal que promete. Para esses financistas, a permanência do
presidente no poder embute uma espécie de “custo Temer” nos preços:
juros e dólar giram em patamar mais alto. Nesse processo de piora do
cenário econômico, consumo e investimentos ficam prejudicados.
“A
permanência dele acabou sendo negativa, sem dúvida. Se o Tribunal
Superior Eleitoral tivesse decidido pela cassação da chapa, teria sido
mais fácil”, afirmou ao EL PAÍS Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco
Central (1995-1997) e sócio da consultoria Tendências. Isso não
aconteceu, a ser ver, porque não há incentivo para ele sair. “Teria sido
mais tranquilo do ponto de vista da economia se Temer tivesse
renunciado e entregue a presidência para alguém eleito pelo Congresso”,
completa Loyola.
Enquanto luta para permanecer no poder, Temer estaria atrasando
diretamente a retomada da economia. O “custo Temer” dificulta a tarefa
do Banco Central de reduzir os juros para estimular a economia e atrasa
investimentos. É uma consequência direta do que os economistas chamam de
“prêmio de risco”, como é chamado o lucro adicional que investidores
exigem antes de aplicar dinheiro para correr determinado grau de risco.
Nenhum investidor fica mais tentado a aplicar dinheiro no país se
descobre que um ex-assessor presidencial carrega uma mala de propina de
500.000 reais e fala em nome do presidente da República. Também não há
grande incentivo se o mais alto mandatário do país diz “ótimo, ótimo” a
um empresário que narra pagamentos de propina a um político preso. Ao
contrário. O risco de afastamento de um presidente deixa um preço alto.
De 16 de maio, no dia anterior à explosão da delação da JBS, até o
fechamento desta segunda-feira, o juro implícito nos contratos de
Depósitos Interfinanceiros (DIs) subiu de 8,25% ao ano para 8,5%. Também
subiu o risco-Brasil, medido pela negociação de Credit Default Swap
(CDS), um tipo de seguro contra o calote, de 196 pontos para 237
pontos-base nesse intervalo. No Tesouro Nacional, o custo de emissão de
títulos prefixados (NTN-F) com vencimento em 2027 subiu de 9,9% para
10,7% ao ano. Cada ponto percentual de avanço nesses indicadores
representa alguns bilhões de reais a mais no custo do financiamento do
país.
Um sinal da dificuldade do governo em reduzir juros já tinha se
evidenciado na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom),
no fim de maio, quando só foi reduzida em 1 ponto percentual a taxa
Selic, para 10,25% ao ano. A expectativa era de uma queda de 1,25 ponto
percentual antes de vir a público a delação da JBS e de Temer virar
investigado. Mas a condição do presidente atrapalhou tudo e tirou o
otimismo do mercado.
A situação claudicante de Temer dita uma espécie de ciranda
financeira com reflexo direto nos preços: juros maiores reduzem consumo e
investimento, retardam a atividade econômica. “O mercado tem apreço
pelas reformas e não pela manutenção da pessoa de Temer. Ele
individualmente é um peso”, explica Rogério Braga, gestor de renda fixa
da Quantitas, que administra mais de 1,2 bilhão de reais.
Para piorar o quadro, o programa econômico de Temer criou uma
armadilha caso não seja aprovada uma reforma trabalhista e
previdenciária. Isso porque entrou em vigor no fim de 2016 a
Emenda Constitucional do Teto de Gastos Públicos,
a PEC do Teto, que limita a evolução das despesas à inflação acumulada
de cada ano. Sem a economia propiciada pelas reformas ou por improváveis
cortes de gastos, Temer ficou emparedado – o gasto público
inevitavelmente vai subir e dificultar a margem de manobra depois desse
teto orçamentário em vigor.
O Governo Temer tenta evitar o clima de pessimismo. Em discurso no
Palácio do Planalto nesta segunda-feira, pouco antes de ser denunciado
pelo procurador Rodrigo Janot, o presidente afirmou que “o Brasil está
nos trilhos, no caminho da responsabilidade e na rota da superação”. Na
semana passada, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tinha
afirmado que ainda há perspectivas “positivas” para a aprovação da
reforma trabalhista mesmo depois da derrota na Comissão de Assuntos
Sociais do Senado.
Mesmo que Temer consiga permanecer no poder e derrubar no Congresso a
sequência de ações penais na cartucheira do procurador-geral da
República, essa eventual blindagem aumenta ainda mais o
peso para que congressistas
queiram aprovar as impopulares reformas propostas por Temer. Nenhum
político sai ileso nas urnas depois de apoiar medidas impopulares e de
blindar um réu da Justiça.“O melhor cenário de todos seria Temer sair e
ser substituído por um nome consensual com apoio da base”, afirmou
Braga. O gestor acredita, no entanto, que o cenário político mais
provável é que Temer permaneça no poder até o fim do mandato, sem
conseguir aprovar reformas prometidas.
O problema é que está longe do horizonte um nome de consenso para
conduzir o país. O banqueiro Ricardo Lacerda, sócio do banco BR
Partners, vê um “rápido e claro processo de sarneyzação” do governo
Temer, mas não arrisca previsões. Quando comparam Temer com o Governo
Sarney, especialistas veem um presidente com pouca margem de manobra, em
uma economia claudicante, que apenas esquenta o banco para o sucessor.
“Pela fotografia de hoje, eu avalio que o governo permanece até o fim
sem força política para aprovar reformas”, diz Lacerda. Diante desse
cenário, a previsão de Lacerda é de um mercado volátil com gradual
deterioração, tudo que os investidores mais detestam. DO EL PAIS