domingo, 2 de julho de 2017

Trocar ética pelas reformas equivale à atualização do antigo rouba, mas faz


Josias de Souza
Ao final de uma semana em que entrou para a história como o primeiro presidente a ser denunciado por corrupção em pleno exercício do mandato, Michel Temer veiculou na internet um vídeo sugestivo. Nele, autocongratulou-se pela melhoria dos indicadores econômicos. E insinuou que as investigações anti-corrupção constituem uma conspiração impatriótica para frear o avanço nacional.
O presidente arrematou sua mensagem assim: “…Com o aumento do investimento, com a aceleração do consumo e as ações que estão reduzindo a taxa de juros, logo, logo teremos a volta definitiva do crescimento e do emprego. O Brasil está caminhando, apesar de alguns pretenderem parar nosso país. Não conseguirão!''
Noutros tempos, o político que explicitamente roubava, mas fazia, reinvindicava para si uma certa imunidade ética. Era como se sua obra justificasse seus pecados, quando não era uma decorrência natural deles. A eterna tolerância com esse fenômeno do roubamasfazismo desaguou na Lava Jato. Súbito, o país ficou sabendo que a JBS tricotava seus interesses empresariais no escurinho do palácio residencial. Ou que a Odebrecht mantinha em seu organograma um departamento encarregado de comprar políticos com verbas roubadas do Estado.
Rodeado de auxiliares e apoiadores investigados por suspeita de corrupção, Michel Temer declara-se portador de uma biografia impecável. Sustenta que a denúncia da Procuradoria-Geral da República, por “trôpega”, não passa de uma peça de “ficção” jurídica. O presidente dispõe de uma maneira simples e eficaz de restaurar a sua honra. Basta exigir que o Supremo Tribunal Federal exerça a sua atribuição constitucional de julgar a denúncia do procurador-geral Rodrigo Janot.
Entretanto, Temer prefere testar os limites da paciência do brasileiro, ressuscitando a tese segundo a qual as supostas realizações de um governante perdoam todos os seus meios. No momento, alheio à fome de limpeza que paira no ar, o sistema de conivências e cumplicidades que une os poderes Executivo e Legislativo articula o sepultamento da denúncia contra o presidente no plenário da Câmara.
Servindo-se da matéria-prima que Temer lhe forneceu ao receber o empresário Joesley Batista, o procurador-geral grudou na biografia limpinha do presidente a figura de Rodrigo Rocha Loures. Na conversa vadia que manteve com o inquilino do Jaburu, o delator pediu ao anfitrião que indicasse um interlocutor para tratar dos interesses de sua empresa no governo. E Temer indicou o homem da mala —filmado depois recebendo propina de R$ 500 mil.
Imprenssado pelas evidências, Temer alegou ter indicado Rocha Loures apenas para se livrar de Joesley, um “notório bandido”. Curiosamente, definiu o assessor da mala como um homem “de boa índole, de muito boa índole.” E entoou para a bancada apodrecida da Câmara um velho lema mosqueteiro: ‘Um por todos, todos por hummm…” Pediu aos deputados que deixem tudo pra lá em nome da cumplicidade e da preservação das reformas.
De costas para a sociedade brasileira, que lhe atribui uma taxa de aprovação de 7%, a mais baixa desde José Sarney, o presidente ignora o saco cheio nacional. E oferece cargos e verbas aos deputados em troca da suspensão tácita de todos pudores morais. Num instante em que muitos chegaram a imaginar que a Lava Jato representaria um marco civilizatório, Temer e seus aliados cutucam a plateia com o pé pra ver se ela morde.
Décadas de depravação impregnaram no sistema político brasileiro um fascínio antroplógico pela cleptocracia. É como se o modelo político baseaedo no quanto eu levo nisso? roçasse os seus limites, rompesse escandalosamente esses limites e buscasse no passado a sobrevivência ou a transformação dos seus valores mais tradicionais depois do rompimento. A essa altura dos acontecimentos, a pretendida troca dos valores éticos pelas reformas econômicas equivale à atualização do velho e bom ‘rouba, mas faz’. O Brasil merece outro destino. Não é mais tolerável condicionar reformas à sobrevivência de um governo que merece ser reformado.

“Siga o cheiro do dinheiro” e outras notas de Carlos Brickmann

O Imposto Sindical será abolido e, em seu lugar, surgirá uma nova fonte de financiamento para a pelegada. Em outras palavras, o imposto só muda de nome

Protestos em São Paulo
Publicado na Coluna de Carlos Brickmann
Tudo bem, houve greve geral. Só que não foi geral: tirando alguns congestionamentos chatos em algumas cidades, o país funcionou como de costume. Também não foi greve: até os congestionamentos chatos, seu símbolo maior, ocorreram por manifestações com pouca gente, em locais estratégicos, para dificultar o trânsito. Trabalhou-se como de costume.
Guilherme Boulos, líder do MTST, movimento dos sem-teto, um dos organizadores da greve, atribuiu o fracasso ao desemprego. “As pessoas estão com medo de ser demitidas, achacadas por patrões”. A explicação tem lógica, mas não é verdadeira. O objetivo da greve geral era impedir um ponto da reforma trabalhista: o que prevê o fim do imposto sindical. Este imposto, um dia de trabalho de cada assalariado do país, é a grande fonte de renda das centrais sindicais (e dos sindicatos, que ficam desobrigados de trabalhar em favor de seus associados, porque eles não lhes fazem falta: o dinheiro do imposto sindical continua irrigando seus cofres com fartura).
O problema era esse? Michel Temer o resolveu: o Imposto Sindical será  abolido e, em seu lugar, surgirá uma nova fonte de financiamento para a pelegada. Em outras palavras, o imposto sindical só muda de nome. Paulinho, presidente da Força Sindical, confirma a manobra: resolvido o problema do dinheiro (R$ 3,5 bilhões por ano), a reforma passa a ser boa.
As centrais ameaçaram, Temer acertou tudo, e o caro leitor paga a conta.
Dinheiro entra…
Um dia de salário de todos os empregados com carteira assinada (pouco mais de 41 milhões de pessoas) representa uns R$ 3,5 bilhões por ano. Desse dinheiro, pela CLT, Consolidação das Leis do Trabalho, 60% vão para 15.315 sindicatos, para muitos deles a principal receita; 15% às federações; 5% às confederações; 20% ao Ministério do Trabalho, para financiar programas como o FAT, Fundo de Amparo ao Trabalhador, que sustenta o seguro-desemprego e o PIS. Da verba repassada ao FAT, 10% vão para as centrais, livres de prestar de contas. Por isso há tantas centrais sindicais e tantos sindicatos: há muito dinheiro sem precisar trabalhar.
…dinheiro sai
A Assembleia Legislativa de São Paulo planeja licitação para contratar uma agência de publicidade. A agência terá verba inicialmente calculada em R$ 35 milhões por ano (podendo chegar a R$ 50 milhões). Pergunta que vale milhões: que é que a Assembleia paulista pretende anunciar? A Assembleia faz aniversário e quem ganha o presente é você? Assembleia, sempre a seu dispor? Assembleia, novas obras, agora ainda mais bonita?
Para que publicidade da Assembleia? Alguém lhe faz concorrência? Há alguma disputa de mercado? Não: é pura vontade de gastar cada vez mais.
Direito na prática
Depois de quatro sessões, o Supremo Tribunal Federal decidiu como tratar os acordos para obter delações premiadas. Os acordos de delação não poderão ser revistos, exceto em dois casos: quando houver uma ilegalidade afrontosa ou quando o delator não cumprir o que prometeu. Em outras palavras, os acordos legais deverão ser mantidos. E os ilegais, cancelados.
Temer, o poeta do futuro
Nos tempos do Império Romano, acreditava-se que os poetas recebiam dos deuses a capacidade de prever o futuro. Poeta, em latim, é “vate”; daí vem a palavra “vaticínio”, previsão. E, quem diria, nos dias atuais há quem preveja o futuro em seus poemas. O presidente Michel Temer publicou em 2012, pela Topbooks, o livro de poesias Anônima Intimidade. Cinco anos depois, é cada vez mais atual. Quem descobriu essa pedra preciosa foi o jornalista Augusto Nunes:
SABER: “Eu não sabia./ Eu juro que não sabia!”
TRAJETÓRIA: “Se eu pudesse,/ Não continuaria”.
FUGA: “Está/ Cada vez mais difícil/ Fugir de mim!”
RADICALISMO: “Não. Nunca mais!”
EU: “Deificado./ Demonizado./ Decuplicado.”/
“Desfigurado./ Desencantado./ Desanimado.”/
“Desconstruído./ Derruído./ Destruído”.
COMPREENSÃO TARDIA: “Se eu soubesse que a vida era assim,/ Não teria vindo ao mundo.”
Justiça petista
Frase do ex-presidente Lula (PT), que aguarda sentença de Sérgio Moro:
“Se tiver uma decisão que não seja a minha absolvição, quero dizer que não vale a pena ser honesto neste país”.
Pimenta no ar
Rádio Jovem Pan de São Paulo, a partir desta terça, dia 3: voltam os Pingos nos Is, com Felipe Moura Brasil, Joice Hasselmann, Fernando Martins, mais o ótimo repórter Cláudio Tognolli. Metralhadora giratória. DO A.NUNES