domingo, 10 de dezembro de 2017

Alckmin soou como cabo eleitoral de Bolsonaro

Josias de Souza

''O povo está enojado, irritado com todos nós”, disse FHC na convenção nacional do PSDB. Em timbre professoral, ele indicou um caminho: ''Nós temos que nos reconectar com a vida. É preciso enfrentar os temas tais como eles são.'' O guru do tucanato enumerou meia dúzia de inquietações do brasileiro. O primeiro item de sua lista foi o seguinte: “Decência.” Geraldo Alckmin discursou na sequência. Guindado ao topo da hierarquia partidária, o presidenciável tucano despejou sobre o microfone 1.422 palavras. E não falou sobre “corrupção”. Nem sinal de “Lava Jato”. O discurso de Geraldo Alckmin pede uma tradução.
“Quero agradecer aos outros partidos que nos honram com suas presenças. O PPS, PSD, PSC, PR, PSB, PTB…”
(Ao citar os partidos que aceitaram o convite para enviar representantes à convenção tucana, Alckmin quis dizer que concorda que a política enoja e irrita. Mas vai à campanha presidencial atado à maior coligação partidária que for capaz de compor. Incluirá até o PR de Valdemar Costa Neto e o PTB de Roberto Jefferson. Sim, é verdade que Jeffersons, Valdemares e outros azares não cheiram bem. Mas o povo e FHC sempre poderão tapar o nariz.)
“Quero agradecer a generosidade de dois grandes líderes, o senador Tasso Jereissati e o meu colega Marconi Perillo. São esteios do nosso partido.”
(Alckmin quis dizer que seria ótimo reconectar o PSDB à vida, encostando Aécio Neves contra a parede. Mas isso mergulharia o partido numa guerra fratricida entre a proposta de autocrítica de Tasso e a desconversa aecista de Perillo. Assim, é melhor valorizar a tradição tucana. Desde que a caciquia do PSDB deixou-se fotografar em 2006, numa mesa de restaurante, escolhendo Alckmin como candidato ao Planalto, os tucanos cultuam a tese de que mais vale um bom conchavo do que uma boa contenda.)
“O Brasil vive uma ressaca, descobriu que a ilha da fantasia petista nunca foi a terra prometida. A ilusão petista acabou em pesadelo na maior crise econômica e ética a história do nosso país. Agora é hora de olhar para frente com união e esperança renovada. Os brasileiros não são tolos e estão vacinados contra o modelo lulopetista de confundir para dividir, de iludir para reinar. Mas vejam a audácia dessa turma. Depois de ter quebrado o Brasil, Lula diz que quer voltar ao poder, ou seja, quer voltar à cena do crime. Será que os petistas merecem uma nova oportunidade? Fiquem certos de uma coisa: nós os derrotaremos nas urnas.”
(Alckmin quis dizer que seria ótimo se o PSDB pudesse enfrentar os temas tal como eles são. Entretanto, é mais fácil para o sujo falar do mal lavado do que ter que explicar o pedido de inquérito criminal que corre no STJ contra si mesmo, ou os inúmeros processos que tramitam no STF contra companheiros do porte de Aécio e José Serra .)
“Registrem-se os esforços do atual governo que, pouco a pouco, começa a reversão da tragédia econômica que o país foi colocado. O PSDB reitera sua disposição no âmbito do Congresso na aprovação de reformas necessárias ao nosso país. Temos compromisso com a nossa história, coerência das nossas atitudes.”
(Alckmin quis dizer que a decência é um princípio inviolável. Mas o rompimento com Michel Temer jogaria o tempo de propaganda eleitoral do PMDB no colo de Henrique Meirelles, na bica de entrar na briga sucessória. Portanto, às favas com as duas denúncias criminais contra o presidente e com o rastro pegajoso do seu governo.)
“Há quem duvide que possamos fazer uma campanha eleitoral à altura das expectativas do ano que vem. Pois bem, eu não concordo com esse diagnóstico. Prefiro ficar com a opinião de um militante tucano, dos mais brilhantes economistas brasileiros, Luiz Carlos Mendonça de Barros. Ele descreveu de forma exemplar o estilo, o jeitão do nosso PSDB. É uma grande escola de samba momentos antes do início do desfile, uma aparente desorganização e desencontro de seus membros. Parece que ninguém se entende. Soa o apito vigoroso e toda aquela multidão evolui organizada, entusiasmada. Quando chega a hora do desfile, a bateria começa a tocar e toda aquela multidão cantando o hino da escola sai dançando na sequência certa na avenida.”
(Alckmin quis dizer que ainda acredita que um milagre fará cair dos céus um samba-enredo capaz de interromper a Quarta-Feira de Cinzas hipertrofiada que o PSDB vive desde que deixou o Poder federal em 2002.)
“Termino minha fala com uma citação de Santo Agostinho: a esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem. A indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão. A coragem nos ensina a mudá-las. Pois bem, nossa indignação e coragem, juntas, vão mudar o Brasil. Dá-lhe, tucanos!''
(O que Alckmin quis dizer com este arremate é que, se o santo não ajudar, talvez vote em Jair Bolsonaro no segundo turno.)