O
Supremo Tribunal Federal deve discutir na quarta-feira pedido de
liminar do Partido Ecológico Nacional para que sejam impedidas as
prisões de condenados na segunda instância. Relator da causa, o ministro
Marco Aurélio Mello planeja dividir a decisão com os seus dez colegas. O
PT aposta numa mudança da jurisprudência em vigor desde 2016. Isso
colocaria Lula em liberdade. Contudo, os próprios ministros da banda da
Suprema Corte contrária às prisões estão pessimistas quanto à
possibilidade de reviravolta. O voto decisivo será novamente o da
ministra Rosa Weber. Ela sinaliza internamente a propensão de manter
inalterada a jurisprudência.
Em 2016, o Supremo deliberou três
vezes sobre a matéria. Em todas elas manteve o entendimento segundo o
qual a prisão de sentenciados em segunda instância não afronta o
princípio constitucional da presunção de inocência. Na última votação,
realizada em outubro de 2016, essa posição prevaleceu por 6 votos a 5.
Rosa Weber foi voto vencido. A despeito disso, ela vem respeitando a
decisão da maioria ao julgar pedidos de habeas corpus. Mantendo a
coerência, votou na semana passada contra o pedido de Lula para não ser
preso. Foi graças ao seu voto que Sergio Moro pôde expedir o mandado de
prisão do ex-presidente petista.
No pedido de liminar, o PEN
sustenta que Rosa Weber retomará sua posição original, contra as
prisões, ao analisar a questão em termos genéricos, sem vinculação com
nenhum caso específico como o de Lula. O partido realça, de resto, que
Gilmar Mendes, que havia votado a favor do encarceramento em 2016, mudou
de posição. Com isso, haveria maioria para aprovar as duas ações
diretas de constitucionalidade que questionam no Supremo as prisões
antecipadas —mesmo que seja apenas para retardar a execução das penas
até o julgamento dos recursos no STJ, um tribunal de terceira instância.
Além
da sinalização interna, Rosa Weber tomou distância da política de celas
abertas no voto da semana passada. Se mantiver sua posição, a prisão na
segunda instância seria preservada no Supremo pelo mesmo placar anotado
na rejeição do habeas corpus de Lula: 6 a 5. Ao votar contra o pedido
de Lula, a ministra deixou antever que não considera razoável alterar
uma jurisprudência do Supremo tão recente quanto a que foi fixada em
2016. Realçou a necessidade de oferecer segurança jurídica.
Eis o
que disse Rosa Weber: “A imprevisibilidade por si só qualifica-se como
elemento capaz de degenerar o Direito em arbítrio. Por isso aqui já
afirmei, mais de uma vez, que compreendido o tribunal, no caso o Supremo
Tribunal Federal, como instituição, a simples mudança de composição não
constitui fator suficiente para legitimar a alteração da
jurisprudência.”
Sem mencionar o nome de Gilmar Mendes, Rosa
acrescentou que a mudança conjuntural da opinião de ministros também não
é suficiente para mudar a jurisprudência. Ela citou o filósofo do
Direito Frederick Schauer, professor da Universidade de Virgínia, nos
Estados Unidos: “Espera-se que um tribunal resolva as questões da mesma
maneira que ele decidiu no passado, ainda que os membros do tribunal
tenham sido alterados ou se os membros dos tribunais tenham mudado de
opinião’.”
A ministra citou também Neil Markovitz, professor da
universidade escocesa de Edimburgo, “para quem fidelidade ao Estado de
Direito requer que se evite qualquer variação frívola no padrão
decisória de um juiz ou tribunal para outro.” Acrescentou que o vaivém
em curto período de tempo produz indesejável incerteza: “A consistência e
a coerência no desenvolvimento judicial do Direito são virtudes do
sistema normativo enquanto virtude do próprio Estado de Direito.”
Rosa
Weber prosseguiu: “As instituições do Estado devem proteger os cidadãos
de incertezas desnecessárias referentes aos seus direitos. Embora a
jurisprudência comporte obviamente evolução, porque, insisto, a vida é
dinâmica, a sociedade avança, o patamar civilizatório se eleva, é o que
pelo menos se deseja, e o Direito segue, a atualização do Direito
operada pela via judicial, pela atividade hermenêutica dos juízes e
tribunais, há de evitar rupturas bruscas e ser justificada
adequadamente.”
O PT cogita acionar os movimentos sindicais e
sociais que se opõem à prisão de Lula para bater bumbo defronte do
Supremo. Deve adensar também o acampamento já instalado nas proximidades
da sede da Polícia Federal em Curitiba, onde Lula está preso. Tudo isso
para pressionar o Judiciário. Um pedaço minoritário do petismo avalia
que esse tipo de pressão pode surtir efeito contrário. Até aqui, a
tática de confrontação fez de Lula um colecionador de derrotas
judiciais. Acumula revezes nas quatro instâncias do Judiciário —da 13ª
Vara de Sergio Moro até o Supremo, passando pelo TRF-4 e o STJ.
Para
a força-tarefa da Lava Jato, a importância da manutenção da regra sobre
prisão vai muito além do caso Lula. Avalia-se que a prisão em segunda
instância é essencial também para punir outros encrencados graúdos.
Sobretudo num instante em que o Supremo está na bica de limitar a
abrangência do foro privilegiado, remetendo para a primeira instância
encrencados protegidos sob a marquise dos mandatos eletivos ou dos
cargos ministeriais. No limite, o próprio Michel Temer estará ao alcance
de procuradores e juízes do primeiro grau quando descer a rampa do
Planalto, em 1º de janeiro de 2019.
Após pousar no heliponto da sede da PF em Curitiba, Lula é levado para a sala onde ficará preso
A
Polícia Federal já havia elaborado um plano de contingência para
prender Lula caso ele não se entregasse. O Plano B seria colocado em
prática na manhã deste domingo, depois das 6h. Agentes federais
invadiriam a sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, para
executar o mandado de prisão emitido por Sergio Moro. Em contato com
dirigentes da PF, o juiz da Lava Jato revelou-se irritado com a
pajelança política promovida por Lula em São Bernardo do Campo.
O
acordo que evitou a detenção de Lula na marra foi costurado no eixo São
Bernardo-Brasília-Curitiba. Ex-ministro da Justiça no governo de Dilma
Rousseff, o petista José Eduardo Cardozo teve papel central na
negociação. Sua participação injetou ironia no processo, pois Lula e a
cúpula do petismo eram críticos ferozes da atuação de Cardozo como
ministro. Na época, queriam que ele domasse a Polícia Federal,
anestesiando a Lava Jato. A corrosão de Lula ajuda a entender essa
inquietação. O petismo sabia o que fizera no verão passado.
O
acordo para que Lula se rendesse foi esboçado na sexta-feira, depois que
a Polícia Federal recebeu a informação de que o condenado não se
apresentaria voluntariamente em Curitiba até as 17 horas, como Moro
determinara. Agentes federais estavam acantonados secretamente nas
proximidades do sindicato desde a noite de quinta-feira. Mas a PF
decidira que só invadiria o
bunker de Lula se não houvesse outra alternativa. Ainda assim, com ordem expressa de Moro.
Ficou
acertado que a rendição de Lula ocorreria no sábado, depois de uma
missa pelo aniversário de sua mulher, Marisa Letícia. Se estivesse viva,
ela completaria 68 anos. O aconselhamento de Cardozo foi considerado
vital. Havia ao redor de Lula quem sugerisse levar a “resistência” às
últimas consequências —gente como a presidente do PT, Gleisi Hoffmann e o
presidenciável do PSOL, Guilherme Boulos.
Coube a Cardozo
esclarecer as consequências de uma bravata. Moro poderia, por exemplo,
decretar uma prisão preventiva, o que dificultaria o esforço da defesa
para abreviar a permanência de Lula em cana. O juiz não hesitaria em
endurecer o jogo. Outras vozes sensatas ecoaram as advertências do
ex-ministro de Dilma. E Lula autorizou o fechamento do acordo.
O
acerto não incluía a conversão da missa num comício. Tampouco previa que
Lula discursasse. Muito menos que ele achincalhasse o juiz e os membros
da força-tarefa da Lava Jato. O entendimento só não entornou porque o
orador teve o cuidado de incluir no discurso uma referência à sua
decisão de cumprir o mandado judicial.
Terminado o comício,
prepostos de Lula pediram a inclusão de um adendo no acordo. O pajé do
PT queria almoçar com a família antes de se entregar. O repasto com os
familiares foi autorizado, desde que a rendição ocorresse até as 16h.
Com
atraso, Lula saiu do prédio do sindicato pouco antes das 17h. Entrou
num carro que estava estacionado no pátio. Seguiria para um terreno
vizinho, onde veículos da Polícia Federal o aguardavam. Mas um grupo de
militantes postou-se defronte do portão, obstruindo a passagem do
automóvel, que deu marcha à ré. Lula desceu. E enfurnou-se novamente no
sindicato. Seguiram-se momentos de tensão.
A cúpula da PF e Moro
enxergaram na resistência um quê em encenação. Lula recebeu um ultimato.
Tinha meia hora para se entregar. Os agentes federais destacados para
conduzi-lo preso seriam desmobilizados às 19h. Um ministro de Temer, que
acompanhava as tratativas, exasperou-se: “Com 99% da operação
concluída, surge essa recaída lusitana”, lamentou.
Por um
instante, o governo receou que a PF tivesse de acionar o seu Plano B.
Uma invasão do sindicato envolvia riscos. Agredidos por militantes, os
policiais teriam de reagir. Havia grande preocupação com a integridade
física de Lula. Súbito, às 18h40, quando faltavam 20 minutos para
expirar o ultimato dado pela PF, Lula saiu novamente do prédio. Cruzou a
pé os cerca de 50 metros de militantes que o separavam do terreno onde
se entregaria, finalmente, à equipe da Polícia Federal. Houve alívio em
Brasília.