segunda-feira, 9 de abril de 2018

Voto de Rosa deve garantir prisão na 2ª instância


Josias de Souza

O Supremo Tribunal Federal deve discutir na quarta-feira pedido de liminar do Partido Ecológico Nacional para que sejam impedidas as prisões de condenados na segunda instância. Relator da causa, o ministro Marco Aurélio Mello planeja dividir a decisão com os seus dez colegas. O PT aposta numa mudança da jurisprudência em vigor desde 2016. Isso colocaria Lula em liberdade. Contudo, os próprios ministros da banda da Suprema Corte contrária às prisões estão pessimistas quanto à possibilidade de reviravolta. O voto decisivo será novamente o da ministra Rosa Weber. Ela sinaliza internamente a propensão de manter inalterada a jurisprudência.
Em 2016, o Supremo deliberou três vezes sobre a matéria. Em todas elas manteve o entendimento segundo o qual a prisão de sentenciados em segunda instância não afronta o princípio constitucional da presunção de inocência. Na última votação, realizada em outubro de 2016, essa posição prevaleceu por 6 votos a 5. Rosa Weber foi voto vencido. A despeito disso, ela vem respeitando a decisão da maioria ao julgar pedidos de habeas corpus. Mantendo a coerência, votou na semana passada contra o pedido de Lula para não ser preso. Foi graças ao seu voto que Sergio Moro pôde expedir o mandado de prisão do ex-presidente petista.
No pedido de liminar, o PEN sustenta que Rosa Weber retomará sua posição original, contra as prisões, ao analisar a questão em termos genéricos, sem vinculação com nenhum caso específico como o de Lula. O partido realça, de resto, que Gilmar Mendes, que havia votado a favor do encarceramento em 2016, mudou de posição. Com isso, haveria maioria para aprovar as duas ações diretas de constitucionalidade que questionam no Supremo as prisões antecipadas —mesmo que seja apenas para retardar a execução das penas até o julgamento dos recursos no STJ, um tribunal de terceira instância.
Além da sinalização interna, Rosa Weber tomou distância da política de celas abertas no voto da semana passada. Se mantiver sua posição, a prisão na segunda instância seria preservada no Supremo pelo mesmo placar anotado na rejeição do habeas corpus de Lula: 6 a 5. Ao votar contra o pedido de Lula, a ministra deixou antever que não considera razoável alterar uma jurisprudência do Supremo tão recente quanto a que foi fixada em 2016. Realçou a necessidade de oferecer segurança jurídica.
Eis o que disse Rosa Weber: “A imprevisibilidade por si só qualifica-se como elemento capaz de degenerar o Direito em arbítrio. Por isso aqui já afirmei, mais de uma vez, que compreendido o tribunal, no caso o Supremo Tribunal Federal, como instituição, a simples mudança de composição não constitui fator suficiente para legitimar a alteração da jurisprudência.”
Sem mencionar o nome de Gilmar Mendes, Rosa acrescentou que a mudança conjuntural da opinião de ministros também não é suficiente para mudar a jurisprudência. Ela citou o filósofo do Direito Frederick Schauer, professor da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos: “Espera-se que um tribunal resolva as questões da mesma maneira que ele decidiu no passado, ainda que os membros do tribunal tenham sido alterados ou se os membros dos tribunais tenham mudado de opinião’.”
A ministra citou também Neil Markovitz, professor da universidade escocesa de Edimburgo, “para quem fidelidade ao Estado de Direito requer que se evite qualquer variação frívola no padrão decisória de um juiz ou tribunal para outro.” Acrescentou que o vaivém em curto período de tempo produz indesejável incerteza: “A consistência e a coerência no desenvolvimento judicial do Direito são virtudes do sistema normativo enquanto virtude do próprio Estado de Direito.”
Rosa Weber prosseguiu: “As instituições do Estado devem proteger os cidadãos de incertezas desnecessárias referentes aos seus direitos. Embora a jurisprudência comporte obviamente evolução, porque, insisto, a vida é dinâmica, a sociedade avança, o patamar civilizatório se eleva, é o que pelo menos se deseja, e o Direito segue, a atualização do Direito operada pela via judicial, pela atividade hermenêutica dos juízes e tribunais, há de evitar rupturas bruscas e ser justificada adequadamente.”
O PT cogita acionar os movimentos sindicais e sociais que se opõem à prisão de Lula para bater bumbo defronte do Supremo. Deve adensar também o acampamento já instalado nas proximidades da sede da Polícia Federal em Curitiba, onde Lula está preso. Tudo isso para pressionar o Judiciário. Um pedaço minoritário do petismo avalia que esse tipo de pressão pode surtir efeito contrário. Até aqui, a tática de confrontação fez de Lula um colecionador de derrotas judiciais. Acumula revezes nas quatro instâncias do Judiciário —da 13ª Vara de Sergio Moro até o Supremo, passando pelo TRF-4 e o STJ.
Para a força-tarefa da Lava Jato, a importância da manutenção da regra sobre prisão vai muito além do caso Lula. Avalia-se que a prisão em segunda instância é essencial também para punir outros encrencados graúdos. Sobretudo num instante em que o Supremo está na bica de limitar a abrangência do foro privilegiado, remetendo para a primeira instância encrencados protegidos sob a marquise dos mandatos eletivos ou dos cargos ministeriais. No limite, o próprio Michel Temer estará ao alcance de procuradores e juízes do primeiro grau quando descer a rampa do Planalto, em 1º de janeiro de 2019.



Se Lula não se rendesse, PF invadiria o sindicato

Josias de Souza
Após pousar no heliponto da sede da PF em Curitiba, Lula é levado para a sala onde ficará preso
A Polícia Federal já havia elaborado um plano de contingência para prender Lula caso ele não se entregasse. O Plano B seria colocado em prática na manhã deste domingo, depois das 6h. Agentes federais invadiriam a sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, para executar o mandado de prisão emitido por Sergio Moro. Em contato com dirigentes da PF, o juiz da Lava Jato revelou-se irritado com a pajelança política promovida por Lula em São Bernardo do Campo.
O acordo que evitou a detenção de Lula na marra foi costurado no eixo São Bernardo-Brasília-Curitiba. Ex-ministro da Justiça no governo de Dilma Rousseff, o petista José Eduardo Cardozo teve papel central na negociação. Sua participação injetou ironia no processo, pois Lula e a cúpula do petismo eram críticos ferozes da atuação de Cardozo como ministro. Na época, queriam que ele domasse a Polícia Federal, anestesiando a Lava Jato. A corrosão de Lula ajuda a entender essa inquietação. O petismo sabia o que fizera no verão passado.
O acordo para que Lula se rendesse foi esboçado na sexta-feira, depois que a Polícia Federal recebeu a informação de que o condenado não se apresentaria voluntariamente em Curitiba até as 17 horas, como Moro determinara. Agentes federais estavam acantonados secretamente nas proximidades do sindicato desde a noite de quinta-feira. Mas a PF decidira que só invadiria o bunker de Lula se não houvesse outra alternativa. Ainda assim, com ordem expressa de Moro.
Ficou acertado que a rendição de Lula ocorreria no sábado, depois de uma missa pelo aniversário de sua mulher, Marisa Letícia. Se estivesse viva, ela completaria 68 anos. O aconselhamento de Cardozo foi considerado vital. Havia ao redor de Lula quem sugerisse levar a “resistência” às últimas consequências —gente como a presidente do PT, Gleisi Hoffmann e o presidenciável do  PSOL, Guilherme Boulos.
Coube a Cardozo esclarecer as consequências de uma bravata. Moro poderia, por exemplo, decretar uma prisão preventiva, o que dificultaria o esforço da defesa para abreviar a permanência de Lula em cana. O juiz não hesitaria em endurecer o jogo. Outras vozes sensatas ecoaram as advertências do ex-ministro de Dilma. E Lula autorizou o fechamento do acordo.
O acerto não incluía a conversão da missa num comício. Tampouco previa que Lula discursasse. Muito menos que ele achincalhasse o juiz e os membros da força-tarefa da Lava Jato. O entendimento só não entornou porque o orador teve o cuidado de incluir no discurso uma referência à sua decisão de cumprir o mandado judicial.
Terminado o comício, prepostos de Lula pediram a inclusão de um adendo no acordo. O pajé do PT queria almoçar com a família antes de se entregar. O repasto com os familiares foi autorizado, desde que a rendição ocorresse até as 16h.
Com atraso, Lula saiu do prédio do sindicato pouco antes das 17h. Entrou num carro que estava estacionado no pátio. Seguiria para um terreno vizinho, onde veículos da Polícia Federal o aguardavam. Mas um grupo de militantes postou-se defronte do portão, obstruindo a passagem do automóvel, que deu marcha à ré. Lula desceu. E enfurnou-se novamente no sindicato. Seguiram-se momentos de tensão.
A cúpula da PF e Moro enxergaram na resistência um quê em encenação. Lula recebeu um ultimato. Tinha meia hora para se entregar. Os agentes federais destacados para conduzi-lo preso seriam desmobilizados às 19h. Um ministro de Temer, que acompanhava as tratativas, exasperou-se: “Com 99% da operação concluída, surge essa recaída lusitana”, lamentou.
Por um instante, o governo receou que a PF tivesse de acionar o seu Plano B. Uma invasão do sindicato envolvia riscos. Agredidos por militantes, os policiais teriam de reagir. Havia grande preocupação com a integridade física de Lula. Súbito, às 18h40, quando faltavam 20 minutos para expirar o ultimato dado pela PF, Lula saiu novamente do prédio. Cruzou a pé os cerca de 50 metros de militantes que o separavam do terreno onde se entregaria, finalmente, à equipe da Polícia Federal. Houve alívio em Brasília.

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