sábado, 4 de novembro de 2017

“Um gigantesco filtro ideológico de acesso ao ensino superior”



Na terceira e última parte da conversa de Miguel Nagib com O Antagonista sobre a decisão de Cármen Lúcia de vetar a “mordaça prévia” no Enem, o criador do movimento Escola Sem Partido deu exemplos de como a livre manifestação do pensamento ficava prejudicava com a regra da nota zero para quem desrespeitasse os alegados “direitos humanos”.
“Há um artigo na Constituição que diz assim: ‘Ninguém será privado de direitos por motivos de crença religiosa ou convicção política ou filosófica.’ Então quer ver um exemplo? O direito à vida está previsto em tratados internacionais sobre direitos humanos, inclusive desde a concepção [como o Pacto de San José da Costa Rica]. Eu pergunto: será que um candidato que defendesse o aborto numa redação do Enem tiraria zero? Duvido! O candidato que defendesse a descriminalização do aborto jamais teria a sua prova zerada. No entanto, ele está desrespeitando os direitos humanos [se julgarmos pelos tratados].
Na verdade, quando o Enem se afasta da legislação dos direitos humanos e passa a exigir do candidato o respeito ao politicamente correto, está transformando a prova de redação num gigantesco filtro ideológico de acesso ao ensino superior. Se pelo menos fosse o respeito aos direitos humanos, ainda assim seria contrário à livre manifestação do pensamento, mas pelo menos haveria um critério objetivo. Nós defendemos que o indivíduo tem todo o direito de discordar.
Quer ver um exemplo? O direito à propriedade privada está previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. Quer dizer então que um candidato comunista não pode defender a abolição da propriedade privada? Nós entendemos que pode, numa redação.
Até porque se fala muito em discurso de ódio, que agora o ‘STF permitiu discurso de ódio em redação’, mas só se poderia falar em discurso de ódio se as redações se destinassem à publicação em veículos de comunicação de massa. Mas não é o caso. Quem vai ler a redação são no máximo uma, duas, três pessoas, que são os corretores das provas. Então essa preocupação é completamente descabida.
O que deveria importar é a avaliação do português, da capacidade de expressão, Até porque a Constituição estabelece que o acesso aos níveis superiores de ensino se dará segundo a capacidade de cada um – e não segundo a opinião de cada um. Está no artigo 208, inciso quinto.
E capacidade remete precisamente ao domínio da língua, da expressão etc., e não obviamente ao fato de o candidato ter essa ou aquela opinião sobre um tema controvertido, sobretudo porque o Enem ainda tem a cara-de-pau de escolher temas que são polêmicos: violência contra a mulher, imigração, publicidade infantil, intolerância religiosa – uma série de temas que colocam o candidato numa situação difícil do ponto de vista de manifestar sua opinião.
Quer dizer: ele vai ficar com medo de manifestar uma opinião que possa ser considerada politicamente incorreta pelos corretores.”

Enem: MEC diz que acata decisão do Supremo e que não vai anular redação contrária aos direitos humanos

Presidente da Corte, Cármen Lúcia negou pedido do governo e da PGR para anular prova que desrespeitasse direitos humanos; segundo a pasta, continua valendo avaliação com cinco critérios estabelecidos no edital.

Por G1, Brasília
O Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsáveis pela aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) divulgaram nota neste sábado (4) informando que vão acatar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que proibiu aos órgãos dar nota zero em redações com teor de "desrespeito" aos direitos humanos.
Mais cedo, a presidente da Corte, Cármen Lúcia, manteve decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) do último dia 25 que permite somente o desconto de no máximo 200 pontos (de um total de 1.000 da redação), conforme as cinco competências exigidas para o texto.
"O Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) comunicam que acatam a decisão do Supremo Tribunal Federal e que não vão recorrer da decisão. O MEC e o Inep entendem que os participantes do Enem 2017 precisam fazer a prova com segurança jurídica e com a tranquilidade necessária ao Exame.
Diante disso, o MEC e o Inep informam aos participantes do Enem 2017 que não haverá anulação automática da redação que violar os Direitos Humanos, como previa o Edital do Enem. Continuam em vigor os critérios de correção das cinco competências, conforme estabelecido na Cartilha de Participante - Redação no Enem 2017", diz a nota.
Na decisão, Cármen Lúcia diz não enxergar "lesão a interesses públicos relevantes" na decisão do TRF-1, que, para ela, "expande os direitos fundamentais", ao garantir o exercício da liberdade de expressão e de opinião dos candidatos.
"Não se desrespeitam direitos humanos pela decisão que permite ao examinador a correção das provas e a objetivação dos critérios para qualquer nota conferida à prova. O que os desrespeitaria seria a mordaça prévia do opinar e do expressar do estudante candidato", afirmou a ministra.
Cármen Lúcia rejeitou pedidos apresentados pela Advocacia Geral da União (AGU) e da Procuradoria Geral da República (PGR) que visavam suspender a decisão do TRF-1.