O Brasil real não conheceu nenhuma obra
notável concluída pela ministra. O país registrado em cartório por Lula e
Dilma inaugurou um deslumbramento por mês
Por
Augusto Nunes
16 maio 2017, 14h58
- Atualizado em 16 maio 2017, 15h44
Dilma Rousseff, candidata à Presidência pelo PT, vota em Porto Alegre. 31/10/2010 (Felipe Dana/AP/VEJA)
O país em que Dilma vive tem até trem bala
Num dos incontáveis comícios promovidos para celebrar o bom
ritmo de obras que nunca ficam prontas, o presidente Lula informou que o
trem-bala prometido para aquele ano teria de esperar um pouco mais. “É
uma coisa muito grande, mas está tudo mais ou menos encaminhado e a
licitação vai ser feita em outubro”, avisou em 26 de abril de 2008.
De onde viriam os R$ 9 bilhões que serão
engolidos pela maravilha ferroviária ligando o Rio a São Paulo e
Campinas? Lula replicou com um sorriso superior e outra bazófia: “Neste
momento, a companheira Dilma está no Japão e na Coreia mostrando o
projeto para países mais ricos e empresas que têm tecnologia, a fim de
participarem junto do consórcio de empresas brasileiras”. Era esperar
pela viagem de volta e correr para o abraço.
A licitação prometida para outubro, que permitiria ouvir o
apito na curva até o fim de 2012, já completou nove anos de
inexistência. Em 4 de dezembro de 2009, Dilma baixou em Berlim para
prosseguir a missão iniciada no Japão e na Coreia. Pronta para embarcar
num trem-bala alemão, transferiu a viagem inaugural do similar
brasileiro para 2014. “Antes da Copa do Mundo do Brasil”, animou-se.
A coisa demoraria, mas em compensação ficaria maior, soube o
país na continuação da discurseira: “A gente exige transferência de
tecnologia, porque esse é o primeiro trem. Você tem outras
possibilidades de construção de trens de alta velocidade no país”. Em
seguida, Dilma presenteou com trens-balas também os eleitores
de Curitiba, Brasília e Belo Horizonte.
O Brasil real não conheceu nenhuma obra notável concluída
pela ministra. O Brasil registrado em cartório por Lula e herdado por
Dilma inaugurou um deslumbramento por mês. Lá a vida é uma beleza. Lá se
vive como rei. Lá a pobreza é uma lembrança tão longínqua, tão remota
que os pobres já nem se lembram dos tempos em que faltava dinheiro para
comprar passagens de avião. Lá há aeroportos de sobra, e só São Paulo
tem três.
O terceiro começou a tomar forma em 20 de julho de 2007,
quando Dilma descobriu como acabar com apagões e desastres.
“Determinamos a construção de um novo aeroporto e os estudos ficarão
prontos em 90 dias”, pisou fundo já na largada da entrevista coletiva,
caprichando no plural majestático. “Estamos determinando que a vocação
de Congonhas seja de voos diretos, ponto a ponto”.
Como conexões e voos internacionais seriam banidos de
Congonhas “em 60 dias”, não havia tempo a perder. Nenhum detalhe
escapara à astúcia da Mãe do PAC. “Tivemos de tomar precauções sobre a
área de segurança ao redor do aeroporto”, exemplificou. Onde seria
construído o mais confortável e mais seguro aeroporto do planeta?,
excitaram-se os jornalistas. “Não sabemos onde será e, se soubéssemos,
não diríamos”, ensinou a superexecutiva a serviço da pátria. “Jamais
iríamos dizer isso para não sermos fontes de especulação imobiliária”.
Dilma Rousseff trucida a realidade com tanta
aplicação que parece mais convincente mentindo do que dizendo a
verdade. No começo de julho de 2008, por exemplo, declarou com a
convicção ensaiada de uma espiã de cinema que nada teve a
ver com a venda da Variglog a um fundo americano e três sócios
brasileiros. Claro que teve, insistiu a ex-diretora da Anac Denize
Abreu.
Segundo Denize, Dilma havia interferido nas negociações em
favor do corretor de luxo Roberto Teixeira, primeiro-compadre e
especialista em ganhar muito dinheiro no céu
com transações subterrâneas. Denize mentiu, cortou a ministra. O amigo
do presidente jamais dera as caras na Casa Civil. Só em 26 de julho,
depois de resistir por 20 dias à procissão de evidências, provas e
testemunhos, admitiu que haviam ocorrido dois encontros fora da agenda.
“Mas não conversamos sobre a venda da Variglog”,
ressalvou. Do que haviam tratado, então? Dilma safou-se da zona de
sombra tirando da bolsa a frase da moda no Planalto: “Isso é a
escandalização do nada”.
Em agosto de 2009, foi a vez de Lina Vieira, ex-secretária
da Receita Federal, enxergar um escândalo onde Dilma Rousseff não viu
nada. Demitida do cargo por acreditar que a lei valia também para a
família Sarney, Lina contou que foi convidada para um encontro com Dilma
na Casa Civil. A secretária-executiva Erenice Guerra
transmitiu pessoalmente o convite a Iraneth Weller, chefe de gabinete da
Secretaria da Receita Federal.
“Foi uma conversa muito rápida, não durou dez minutos”,
resumiu Lina. “Falamos sobre algumas amenidades e, então, Dilma me
perguntou se eu podia agilizar a fiscalização do filho de Sarney”. Dilma
seguiu jurando que o encontro não existiu. Erenice jurou que o convite
não foi feito. Iraneth disse o contrário. Ouvida no Senado, Lina deu
todos os indícios de que tinha razão.
Contou que foi até a reunião no carro dirigido por um
motorista do Ministério da Fazenda, seu nome foi anotado na garagem,
subiu pelo elevador, passou por dois funcionários da Casa Civil quando
caminhava rumo ao gabinete de Dilma. “Não sou fantasma”, alertou,
lembrando que o circuito interno de imagens podia comprovar o encontro.
Não podia, descobriu-se depois. Em nota oficial, o Gabinete
de Segurança Institucional explicou que, “conforme as especificações do
edital assinado em 2004, o período médio de armazenamento das imagens
varia em torno de 30 dias”, garantiu o texto. Ao obter uma cópia do
edital, o site Contas Abertas comprovou a farsa. De acordo com o
documento, ficou estabelecido que os registros de acesso de pessoas e
veículos ao Palácio do Planalto seriam guardados “em um banco de dados
específico, com capacidade de armazenamento por um período mínimo de
seis meses” ─ e depois “transferidos definitivamente para uma unidade de
backup”.
Dois meses depois, a ex-secretária localizou a agenda que
apontava a data exata do encontro, 9 de outubro de 2008, com o seguinte
comentário: “Dar retorno à ministra sobre família Sarney”. Dilma
continuou rebatendo a declaração de Lina, e o encontro nunca foi
provado. Em julho de 2010, um ex-funcionário do Planalto afirmou a Veja
que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da
República escondeu imagens das câmaras de segurança que comprovariam a
reunião.
A passagem de Dilma pela Casa Civil já havia produzido
outros momentos abjetos. Em março de 2008, por exemplo, instruída
para livrar o governo da enrascada em que se metera com a gastança dos
cartões corporativos usados por ministros do governo Lula com fins nada
republicanos, Dilma produziu um papelório que tentava reduzir Fernando
Henrique e Ruth Cardoso a perdulários incuráveis, uma dupla decidida a
desperdiçar o dinheiro da nação em vinhos caros e futilidades
gastronômicas. O dossiê foi produzido a mando de Erenice Guerra,
secretária-executiva da Casa Civil e braço direito da então ministra.
Diante da repercussão negativa do episódio até entre os maiores inimigos
de FHC, Dilma, que sempre preferiu se referir ao material como “banco
de dados”, ligou pessoalmente para pedir desculpas a Ruth Cardoso.
Em setembro de 2010, Erenice Guerra voltou às manchetes
político-policiais depois que outra reportagem de Veja revelou uma rede
de negociatas funcionando dentro da Casa Civil, sob a tutela de seu
filho, Israel Guerra, e outros sócios. Segundo a denúncia, o bando usava
a influência de Erenice, que havia assumido a pasta em abril daquele
ano, para favorecer empresários em troca de uma “taxa de sucesso”. O que
não ia para o bolso dos lobistas de araque, seguia para os cofres do
PT. A ministra também aproveitou o cargo para favorecer os negócios do
marido e de irmãos. Diante do escândalo, a melhor amiga de Dilma
Rousseff foi despejada do emprego cinco meses depois de empossada.
Sem saber atirar, Dilma Rousseff virou
modelo de guerrilheira. Sem passar pela Assembleia Legislativa, virou
secretária de Estado. Sem estagiar no Congresso,
virou ministra.
Sem ter inaugurado nada de relevante, virou supergerente e mãe do
PAC. Sem saber juntar sujeito e predicado, virou estrela de palanque.
Sem ter disputado sequer uma eleição de síndico, virou presidente da
República.
Leia o primeiro (O histórico da guerrilheira tem mais codinomes que tiroteios), o segundo (Brizola confessou que nunca entendeu direito o que dizia aquela mineira que trocou o PDT por uma secretaria no governo do PT), e o terceiro capítulo da série (A secretaria do governo gaúcho que pouco entende de minas e energia virou ministra por que Lula entende menos ainda)