domingo, 1 de abril de 2018

A voz rouca das ruas


Indulto do STF a Lula cria onda de revolta no País diante do grave risco à impunidade. Protestos marcados em mais de 50 cidades podem reeditar clamor popular que permeou impeachment de Dilma

 Crédito: Daniel Teixeira
A indignação dos brasileiros contra os desmandos na política e a possibilidade de que um ex-presidente condenado em segunda instância escape da prisão foram o gatilho para um descontentamento que só encontrou paralelo, na história recente, nas manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff. O ápice deve ocorrer entre o final da tarde e a noite de terça-feira 3, na Avenida Paulista. Neste dia, os grupos Vem Pra Rua e Movimento Brasil Livre (MBL) devem exortar às ruas milhares de vozes para que, em uníssono, repudiam qualquer tentativa – marota ou não – de rever a prisão após a condenação em segunda instância, cujo efeito automático e imediato seria livrar das grades o ex-presidente Lula e mais uma centena de políticos, empresários e criminosos condenados à cadeia. Para a véspera do julgamento do mérito do habeas corpus do petista, que pode gerar uma jurisprudência deletéria ao País, em especial ao combate aos crimes de colarinho branco, foram convocadas mobilizações em quase 50 cidades de 19 estados. A expectativa dos organizadores é atrair tanta gente quanto nas marchas pela deposição de Dilma, dada a aderência e a proporção que o tema ganhou nos últimos dias. “Salvar Lula é salvar os bandidos. Já tem gente apostando que isso vai virar jurisprudência, o que nos lançaria num abismo de impunidade”, diz Adelaide Oliveira, coordenadora nacional do Vem Pra Rua. Dos 77 condenados em segunda instância na Operação Lava Jato, nove estão encarcerados e outros onze podem ir para trás das grades em pouco tempo, incluindo Lula, se o STF não dar um cavalo de pau e mudar o entendimento sobre o início do cumprimento de pena – os demais aguardam julgamento de recursos. “Seria criada uma grande insegurança jurídica. Por isso vamos fazer pressão [nas ruas]”, diz Adelaide.


INDIGNAÇÃO Protestos contra PT e ministros do Supremo mostram o quanto população está atenta a qualquer decisão que resulte no desmonte da Operação Lava Jato e no sinal verde para os crimes de colarinho branco
Ao contrário da campanha do impeachment, dessa vez, no entanto, entidades empresariais ficarão de fora. Mesmo assim, representantes do PIB nacional acompanham com apreensão a efervescência do momento. Em São Paulo, algumas incorporadoras, construtoras e uma rede de academias pretendem liberar os funcionários mais cedo no dia 3 para que ajudem a engrossar o coro das manifestações. “Esperamos que o Supremo tome a decisão correta”, diz Flavio Amary, presidente do sindicato da habitação paulista, o Secovi-SP.
“Deixamos nossos afazeres para cobrar que a Justiça valha para todos, sem distinção” Ray Alves, integrante do grupo Rua Brasil
O clima de indignação que recrudesceu no País com a liminar concedida a Lula às vésperas de sua condenação à prisão pelo TRF-4 não constitui exatamente uma novidade, face à polarização política manifesta desde a campanha à reeleição de Dilma, quando Lula elevou o “nós contra eles” às raias da irresponsabilidade. O que arrasta novamente multidões às avenidas das principais capitais do Brasil é a petulância de toga em ensaiar uma mudança de regra com o “jogo em andamento”, com evidente propósito de beneficiar um condenado em especial, e a postura desse mesmo condenado em afrontar cotidianamente a Justiça, como se acima da lei estivesse ou como se houvesse uma lei criada sob medida para ele. “Nós lutamos para que o Supremo garantisse o cumprimento de prisão após condenação em segunda instância. Agora, o que estamos vendo é a tentativa de reverter esse entendimento simplesmente para livrar Lula da prisão. Lula é um condenado da Justiça e precisa cumprir pena”, criticou Ray Alves, integrante do grupo Rua Brasil. Segundo ela, militantes do movimento continuarão acampados na porta do do STF para pressionar os ministros. “Deixamos nossos afazeres para cobrar que a Justiça valha para todos, sem distinção”, completou. É o recado eloqüente das ruas. DA ISTOÉ

Crivado de acusações, Temer recompõe ministério com prepostos do rebotalho


Considerando-se que sete em cada dez brasileiros rejeitam Michel Temer, interesse público é algo que poucos ainda acreditam que ele tenha. E o presidente, sempre que pode, demonstra que realmente não tem. Crivado de denúncias e inquéritos, Temer compõe uma nova equipe ministerial com os velhos suspeitos de sempre. O rebotalho continua dando as cartas.
O Ministério da Saúde permanece com o PP, agora rebatizado, veja você, de Progressitas. Trata-se da mesma velha legenda, campeã no ranking de enrolados na Lava Jato. Para o lugar do deputado Ricardo Barros vai Gilberto Occhi, atual presidente da Caixa Econômica Federal. Em condições normais, a troca seria um rebaixamento para Occhi. Mas é preciso enxergar o que está por trás da anormalidade.
A Caixa está sendo varejada pela Procuradoria e pela Polícia Federal. Depondo como delator premiado, o doleiro Lúcio Funaro, operador de propinas de gente como Eduardo Cunha, iluminou negócios trançados nos porões da instituição. Difícil saber até onde as investigações vão subir.
Na dúvida, alojou-se Occhi num cargo que oferece foro privilegiado. Ali, o personagem estará a salvo dos rigores da primeira instância. Com uma vantagem: o Progressistas (pode me chamar de ex-PP) mantém sob seu jugo o comando da Caixa, pois indicou para a vaga de Occhi o atual vice-presidente de Habitação da casa bancária estatal: Nelson Antônio de Souza.
No Ministério dos Transportes, continua reinando o PR do ex-presidiário do mensalão Valdemar Costa Neto. Era assim com Lula. Continuou na gestão Dilma. E nada mudou sob Temer, exceto pela elevação do nível de desfaçatez. Sai Maurício Quintella, que disputará uma cadeira no Senado na representação de Alagoas. Entra Valter Casimiro Silveira.
Valter Casimiro foi deslocado da direção-geral de um dos órgãos públicos que mais frequentam escândalos de corrupção desde a chegada das caravelas. No passado, chamava-se DNER. Hoje, atende pelo nome de DNIT, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. A promoção do chefe dessa repartição a ministro de Estado foi um pedido de Valdemar Costa Neto —que para Temer vale como uma ordem.
Neste domingo, Temer reúne seu staff político para definir novas mudanças na equipe ministerial. Precisa preencher algo como uma dezena de vagas de auxiliares que deixam a Esplanada para tentar a sorte nas urnas. Serão dez oportunidades para Temer confirmar as expectivas dos brasileiros que não esperam nada dele.
Num gesto de ousadia, o presidente deve deslocar o atual ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, para a presidência do BNDES. Com isso, entregará as chaves de um dos mais importantes cofres da República nas mãos de um apadrinhado do multi-investigado líder do governo no Senado, Romero Jucá, presidente do (P)MDB.
O governo de Michel Temer deixou de ser imprevisível. Tornou-se uma administração tristemente previsível.
Josias de Souza