Desde que começou a batalha do mínimo, afirmei aqui que o valor era o que menos importava, até porque o governo tinha maioria para fazer o que bem entendesse — e com folga. A questão era, sustentei, desde sempre, política. A oposição tinha de aproveitar a oportunidade para denunciar a difícil situação fiscal em que o governo Lula-Dilma deixou o país ao fim de 2010, de modo que o debate já nem falo dos R$ 600, mas de uma mera antecipação de R$ 15 — de R$ 545 para R$ 560 —, segundo o Planalto, acenava para o caos nas contas públicas. Essa gente ainda não explicou se vai chover dinheiro feito maná nos próximos 10 meses para fazer frente ao reajuste de 14% no ano que vem. Mas vamos voltar ao ponto: a questão era mesmo política. Relembro esta foto.
É de maio de 2000. Da esquerda para a direita, vocês vêem os então deputados Aloizio Mercadante, Antonio Palocci, José Dirceu, Babá (hoje no PSOL) e Ricardo Berzoini. Todos eles protestam contra o reajuste do mínimo proposto pelo governo FHC, que passava de R$ 136 para R$ 151 — 11,11% de reajuste. A inflação de 1999 tinha sido de 8,94%. No ano seguinte, 2001, o mínimo foi para R$ 180 (19% de elevação), contra uma inflação, em 2000, de 5,97%. O salário votado para 2002 foi de R$ 200, com reajuste de 11,11%, contra uma inflação, em 2001, de 7,67%.
Publicada neste e em muitos outros sites, a imagem foi exibida no Senado no dia da votação. Vemos aí o primeiro escalão petista a protestar contra o salário mínimo definido pelo governo FHC. Pois bem. Alguns bobalhões afirmam que não reconheço a maturidade do PT; que trato o partido como se fosse aquele do passado, a dizer sempre “não” a tudo, disposto a ir até as últimas conseqüências para sabotar as iniciativas do governo a que se opõe, mesmo as mais justas. O partido, insistem alguns, teria aprendido a lição, amadurecido, mudado… Pois é. Então vamos ver.
Noticiei ontem aqui e comentei o comportamento do PT no governo Alckmin. São Paulo tem um piso salarial diferenciado, dividido em três faixas. Com a correção prevista no projeto que o governador Geraldo Alckmin enviou à Assembléia, esse piso será, segundo a divisão das categorias profissionais, de R$ 600, R$ 610 e R$ 620. Não se depender do PT!!! O partido que exaltou as glórias verdadeiramente revolucionárias de um mínimo de R$ 545, quer, em São Paulo, que essas faixas sejam, respectivamente, de R$ 660, R$ 720 e R$ 830. Um aumento em relação ao piso petista de até 52%!!!
Incoerência? Segundo o mensaleiro processado pelo STF, deputado estadual Antônio Mentor, que comanda os petistas, de jeito nenhum! Para ele, os outros estados têm dificuldades que São Paulo, porque é mais rico, não tem. Então vamos pensar. Se fosse para levar em conta o conjunto da produção de riquezas do estado para pagar o mínimo, haveria de ser o PIB per capita. O do Brasil, para o qual o PT fez aprovar um mínimo de R$ 545, é de R$ 15.989,75 (números de 2008, do IBGE, aqui). São Paulo, com efeito, tem um PIB per capita 53% maior: R$ 24.457! Mentor, o gênio mensaleiro, finge, então estar sendo justo. Mas esperem! São Paulo conta apenas com O SEGUNDO MAIOR PIB PER CAPITA DO PAÍS. Perde para o Distrito Federal. E perde feio: o do DF é 88% maior do que o paulista e 188% maior do que o nacional: R$ 45.978. Daí que o mínimo de lá, então, segundo esse juízo aloprado, deveria ser de R$ 1.569,60! Em 2008, apenas seis estados tinham um PIB per capita superior ao do país: Distrito Federal, São Paulo, Rio, Espírito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Se a conta estúpida de Mentor fizesse sentido, 17 estados deveriam reajustar o seu mínimo para baixo, certo? O Piauí, o menorzinho deles (R$ 5.373), um terço da média nacional, poderia pagar um mínimo de R$ 182!
A conta vigarista não decorre da burrice dos petistas, mas de seu caráter e de sua natureza. Respondendo, então, àquelas contraposições de alguns leitores, contato: eles não mudaram! Seguem sendo o que sempre foram. Podem recorrer à conta mais estúpida para justificar, eles sim, o seu oposicionismo sistemático. “Mas não é legítimo fazer oposição, Reinaldo? Você mesmo não vive dizendo isso aqui?” É claro que é! Mas é preciso fazê-lo com vergonha na cara! O partido que mobilizou uma verdadeira operação de guerra para aprovar o mínimo de R$ 545 não pode ter a cara-de-pau de defender um piso de R$ 830 no estado em que é oposição.
Método
Essa sem-vergonhice é método, revelado em frase célebre de Lula ainda em 2003, quando apontaram que ele seguia as regras do governo FHC: “A gente, quando está na oposição, faz muita bravata”. O PT, justiça se faça, bravateia também no governo. Eles se querem monopolistas da verdade, não importa que posição defendam. Na foto lá do alto, faziam o sinal de um reajuste mixuruca para o mínimo, embora houvesse ganho real. Neste 2011, com ganho zero, exaltam as virtudes transcendentais de sua proposta. Querem-se os progressistas, os demiurgos da classe trabalhadora, tanto ao defender os R$ 545 no Congresso como os R$ 830 em São Paulo. A coerência é uma obrigação alheia.
Não me espanta que o senador Paulo Paim, que fez uma greve de fome em defesa do mínimo em 1991 (de apenas dois dias, é verdade…), tenha sido, desta vez, “dispensado” pelas centrais sindicais de votar um valor maior para o mínimo. Afinal, ele é da turma do “bem”, pouco importa o seu voto. Na quarta, escolheu os R$ 545, junto com Fernando Collor, contra quem fez a “greve” aquela vez.
Petista não tem razão nenhuma para temer más companhias, se é que vocês me entendem…