Josias de Souza
Responsável pela crise política que tornou a recuperação da economia mais lenta do que seria desejável, Michel Temer construiu uma realidade própria na qual tenta converter fiasco em êxito. Ele usará o crescimento miúdo do PIB —0,2% no seguntro trimestre— como arma para enfrentar a segunda denúncia do procurador-geral da República Rodrigo Janot. “Num instante em que a política econômica começa a dar resultados, falar em afastar o presidente é até impatriótico”, disse ao blog, pelo telefone, um ministro que acompanha Temer em sua viagem à China.
As palavras do ministro resumem o ânimo de Temer. A estratégia do presidente assenta-se sobre três iniciativas: desqualificar a nova denúncia, potencializar o discurso que trata Janot como perseguidor político e grudar nos parlamentares oposicionistas e dissidentes a pecha de inimigos do país. Nessa realidade paralela que Temer providencia para si, o combate à corrupção seria um estorvo contra a recuperação gradual dos empregos. Num português direto: ruim com Temer, pior sem ele.
Os sinais de que a recessão vai ficando —lenta e gradualmente— para trás serão usados pelo governo também para tentar atrair seus apoiadores para a agenda fiscal apresentada ao Congresso. Além de completar a votação da proposta que ajusta a meta fiscal de um buraco de R$ 129 bilhões para uma cratera de R$ 159 bilhões, será preciso aprovar um conjunto de medidas antipáticas, sob pena de o abismo orçamentário ficar ainda maior.
O pacote empurrado goela abaixo dos parlamentares na antessala da eleição de 2018 inclui, por exemplo: adiamento de reajustes salariais concedidos ao funcionalismo, elevação de 11% para 14% da contribuição previdenciária dos servidores sobre a parcela que exceder o teto do regime geral da Previdência e reoneração da folha salarial de vários setores da economia.
Na noite de sexta-feira, em conversa com um dirigente partidário, um economista do staff do ministro Henrique Meirelles disse qual é a expectativa da equipe da pasta da Fazenda. Deseja-se que a modesta reação do PIB recoloque na fila de votação a reforma da Previdência. Não há tempo a perder, declarou o economista, cuja pregação incorpora elementos que a realidade paralela de Temer tenta escamotear.
O auxiliar de Meirelles empilhou na conversa com o cacique governista três desastres que conspiraram contra o que chamou de “um crescimento mais robusto.”
1) Sem dar nome aos bois, o economista da Fazenda recordou que o escândalo da JBS mutilou os planos do governo. Houve uma inversão de prioridades. O Planalto passou a gastar suas energias com a derrubada da denúncia em que a Procuradoria acusou Temer de corrupção. Com isso, foi à gaveta a reforma da Previdência, que a Fazenda sonha em recolocar na fila de votação. O economista não disse, mas a crise da JBS foi fabricada por Temer nos porões do Jaburu, onde o presidente recebeu Joesley Batista, acompanhado de um gravador.
2) Para obter os votos que enterraram a primeira denúncia de Janot, disse o economista, o governo emitiu sinais trocados. Esboçou uma política de cofres abertos para o Congresso num momento em que os agentes econômicos esperavam por demonstrações de austeridade. Isso passou uma exasperante sensação de que o rigor fiscal deixara de ser um compromisso do presidente. Não foi mencionado, mas Temer autorizou a ampliação do balcão e acompanhou o desenrolar das nefociaçõe$.
3) A conjuntura contaminada da política envenenou as expectativas do mercado e inibiu a retomada dos investimentos. A economia cresceu 0,2% no segundo trimestre graças a uma combinação de fatores: a liberação do FGTS e a inflação baixa vitaminaram o consumo das famílias. Mas os investimentos recuaram. O dinheiro tem medo de agitação política. E não haverá crescimento sólido sem investimentos.
Seguindo a trilha dos desastres enumerados pelo economista, Temer marcou uma sequências de gols contra. A economia reage apesar do presidente, não por causa dele. Mesmo levando-se em conta que todos os governantes inflam suas virtudes e escondem seus defeitos, Temer exagera ao atribuir a tímida reação da economia à sua atuação. O problema de quem acha que pode dizer qualquer coisa é que a pessoa que ouve não está obrigada a acreditar.