O
processo sobre medidas cautelares a que estão sujeitos os congressistas
que respondem a inquéritos criminais tornou-se um manancial de
contradições. Foram anexados aos autos pareceres antagônicos da
Advocacia-Geral da União e das assessorias jurídicas da Câmara e do
Senado. A encrenca será julgada nesta quarta-feira pelo Supremo Tribunal
Federal. O resultado terá influência direta sobre o caso do tucano
Aécio Neves, afastado do mandato e proibido de sair de casa à noite.
Em
textos encaminhados ao Supremo no ano passado, AGU, Câmara e Senado
reconheceram que congressistas sob investigação criminal poderiam, sim,
sofrer sanções cautelares. Em novos pareceres, anexados aos autos na
semana passada, os três órgãos dão um cavalo de pau jurídico. Sustentam
agora que punições cautelares alternativas à prisão, previstas no artigo
319 do Código de Processo Penal, simplesmente não podem ser aplicadas
contra deputados e senadores.
Determinada por Michel Temer, a
meia-volta é mais radical no caso da AGU. No primeiro parecer, de junho
de 2016, a Advocacia-Geral da União não só reconhecia os poderes do
Supremo para punir cautelarmente congressistas, como dizia que tais
punições não dependiam do aval do Congresso. As assessorias jurídicas da
Câmara e do Senado sustentatavam naquela ocasião que as sanções
previstas no Código Penal, quando aplicadas contra deputados e
senadores, teriam de ser submetidas em 24 horas ao plenário da
respectiva Casa legislativa, que poderia manter ou rever a punição.
O
processo em que a AGU, a Câmara e o Senado se desdizem escancaradamente
nasceu de uma ação direta de inconstitucionalidade movida por três
partidos: PP, PSC e SD. A ação foi ajuizada em maio de 2016, dias depois
de o plenário do Supremo ter aprovado, por unanimidade, a suspensão do
mandato do então deputado Eduardo Cunha e o consequente afastamento dele
da Presidência da Câmara. Aliados de Cunha, os partidos pediam que o
Supremo reconhecesse que as punições cautelares contra parlamentares
precisam ser obrigatoriamente submetidas à Câmara ou ao Senado.
Relator
do processo, o ministro Edson Fachin o mantinha na gaveta até a semana
passada. Ali permaneceu por um ano e quatro meses. Foi içado à pauta de
julgamento a pedido da presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia.
Ressurgiu em meio a uma pressão do Senado, que ameaça descumprir a
decisão da Primeira Turma do Supremo que determinou, por 3 votos a 2, a
suspensão do mandato de Aécio Neves, a entrega do seu passaporte, a
proibição de falar com outros investigados e o recolhimento domiciliar
noturno.
A ação que o Supremo julgará nesta quarta não trata
especificamente do caso de Aécio. O grão-tucano ainda não havia sido
alvejado pelas delações da JBS. Mas o processo só saiu da gaveta por
causa de Aécio. Punido, o senador tucano ganhou a solidariedade
instantânea de outros clientes de caderneta da Lava Jato —entre eles
Renan Calheiros, Romero Jucá, Jader Barbalho e Fernando Collor.
Dependendo do resultado do julgamento desta quarta, o plenário do
Supremo pode desautorizar a punição imposta a Aécio pela Primeira Turma
da Corte.
Para salvar Aécio, o Supremo terá de fazer uma ginástica
interpretativa semelhante à que foi feita pela AGU, pela Câmara pelo
Senado. De saída, os ministros teriam de explicar por que abrirão mão
agora de um poder que exerceram em sua plenitude em maio do ano passado,
ao afastar Eduardo Cunha do mandato num julgamento unânime. Há quatro
meses, o próprio Aécio já tivera o mandato suspenso por meio de decisão
monocrática (individual) do ministro Edson Fachin.
O processo
contra Aécio foi redistribuído para outro ministro: Marco Aurélio Mello.
Em decisão liminar (provisória), Marco Aurélio cancelara as punições a
Aécio, restituindo-lhe o mandato. Submetida ao colegiado da Primeira
Turma, composto de cinco ministros, a liminar foi revista. Por 3 votos a
2, os magistrados ressuscitaram as punições contra Aécio, adicionando a
elas o recolhimento noturno, também previsto no rol de sanções
alternativas à prisão anotadas no artigo 319 do Código Penal.
Apinhado
de investigados, o Senado tomou as dores de Aécio. E ameaçou derrubar
as punições sofridas pelo colega tucano. Sob atmosfera de curto-circuito
institucional, Cármen Lúcia, a presidente do Supremo, levou a ação dos
partidos aliados de Cunha à pauta. Fez isso para oferecer aos seus
colegas de tribunal um pretexto para se reposicionar em cena. É contra
esse pano tisnado pelo oba-oba pró-investigados que AGU, Câmara e Senado
anexaram ao processo pareceres em que subvertem até o brocardo: em vez
de ‘Dura Lex, sed lex’ (a lei é dura, mas é lei), agarram-se ao ‘Dura Lex, sed latex’ (a lei é dura, mas estica).