sábado, 23 de setembro de 2017

Temer libera R$ 1,02 bilhão para parlamentares

Josias de Souza

Mal a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República chegou à Câmara e Michel Temer já reabriu os cofres. Mandou ladrilhar, com o patrocínio do déficit público, a trilha que leva ao funeral das novas acusações. O custo inicial do enterro será de R$ 1,02 bilhão. O dinheiro será usado para pagar emendas que os parlamentares enfiaram dentro do Orçamento da União.
A infantaria legislativa do governo celebra a novidade como um sinal de boa vontade. Mas os aliados de Temer acharam pouco. Realçam que o enterro agora será coletivo: além das acusações contra o presidente, terão de sepultar imputações dirigidas a dois ministros palacianos: Eliseu Padilha e Moreira Franco. Pior: o Planalto exige que a lápide desça sobre a cova tripla numa única votação.
Os três são acusados de compor a organização criminosa do PMDB. E Temer acumula a imputação de obstrução da Justiça. Estudo jurídico feito pela assessoria da Câmara a pedido do presidente da Casa, Rodrigo Maia, anota que a votação única para a trinca de denunciados seria o procedimento mais adequado. Ouviram-se fogos no Planalto. Entretanto, auxiliares de Temer ainda temem enfrentar problemas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Primeiro estágio do funeral, a CCJ é presidida pelo deputado mineiro Rodrigo Pacheco. Embora seja filiado ao PMDB, partido dos encrencados, o personagem revelou-se um correligionário duro de roer no processamento da primeira denúncia, aquela que acusava Temer de corrupção passiva.
À procura de um deputado “independente” para exercer a atribuição de relator, Pacheco ainda não excluiu a hipótese de desmembrar as denúncias: Temer numa votação, os ministros em outra. Para evitar surpresas, Temer talvez tenha que enfiar a mão um pouco mais fundo no bolso do contribuinte.

No Rio, tropas tornaram-se forças cenográficas


O uso das Forças Armadas no combate ao crime organizado no Rio de Janeiro, que deveria ser pontual, virou algo corriqueiro. O fenômeno nasceu quando Sérgio Cabral governava o Rio. Lula topou, Dilma ampliou e Temer institucionalizou. Hoje, as favelas cariocas estão mais violentas, Cabral está preso em Bangu 8, Lula flerta com a cadeia, Dilma é matéria-prima para inquérito policial, Temer é o primeiro presidente denunciado da história e as tropas militares viraram forças cenográficas.
O atual surto de violência, localizado na favela da Rocinha, foi deflagrado a 3.400 km do Rio, no presídio de segurança máxima de Rondônia. Ali, está preso o traficante Antonio Bonfim Lopes, o Nem. A distância não o impediu de ordenar o ataque a um traficante rival, na Rocinha. O presídio federal virou escritório do traficante.
O ministro Raul Jungmann, da Defesa, comparou o Rio de Janeiro a “um doente na UTI.” Disse que o paciente “tem fraturas, hemorragia interna e uma cirrose.” Perguntou: “Você vai segurar a hemorragia ou a cirrose?” Bem, a cirrose só será curada no dia em que o poder público se livrar de gestores que se deixam embriagar pela corrupção. Até lá, o uso das tropas em operações de segurança pública tem o efeito de um band-aid. Serve para curativos pontuais. Mas não segura hemorragias DO JOSIASDESOUZA

Temer vende efeito-barriga como uma absolvição

Josias de Souza
Apontado pela Procuradoria como sócio-atleta da organização criminosa do PMDB, Michel Temer levou à internet mais um vídeo. Nele, apresentou-se como vítima de uma armação típica de “regimes de exceção”. Mas previu que tudo terminará bem, pois “a verdade, mais uma vez, triunfará” na Câmara, que enterrará a nova denúncia do mesmo modo que sepultou a primeira.
Cenho crispado, Temer declarou: “Quero continuar a honrar meu nome, herança limpa que recebi de meus pais e que deixarei limpo para meus filhos, filhas, netos e netas.” Se o que o presidente deseja é a restauração da honra, vender o ‘efeito-barriga’ da Câmara como sentença absolutória não vai ajudar. Há um caminho bem mais simples para desmontar a “armação”.
Temer precisa apenas orientar sua infantaria parlamentar a conceder autorização para o Supremo Tribunal Federal analisar a denúncia do ex-conspirador-geral Rodrigo Janot. Diante de ''provas forjadas'' e ''denúncias ineptas'', produzidas em ''conluios com malfeitores'', não restaria aos ministros da Suprema Corte senão enviar o papelório imprestável para o arquivo.
Enquanto estiver aplicando suas energias e as verbas do Orçamento da União na articulação para congelar a segunda denúncia, Temer deveria poupar a plateia dos seus vídeos sem nexo. Nos regimes de exceção, forjam-se provas na base do choque elétrico e da porrada. Na democracia, a delação se chama colaboração judicial. Está prevista em lei. Se o delator sai dos trilhos, sente a mão pesada do Estado, sem prejuízo das provas que forneceu.
Só numa democracia plena o primeiro presidente da história a ser denunciado um par de vezes ainda estaria no cargo, gravando vídeos sem sentido e usufruindo em toda a sua plenitude do sacrossanto direito de defesa assegurado pela Constituição. A única exceção que se observa no caso é o inusitado comportamento de um inocente que foge do veredicto. Não há honra que resista a tanta falta de lógica.