Ministro do STF deferiu pedido apresentado pelo PCdoB; decisão se estende ao ex-presidente Lula. Efeito não é imediato e advogados terão de pedir a juízes soltura dos condenados.
Por Mariana Oliveira, TV Globo — Brasília
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, determinou
nesta quarta-feira (19) a soltura de todos os presos que estão detidos
em razão de condenações após a segunda instância da Justiça. A decisão
foi tomada no último dia de trabalho do tribunal, já que a partir desta
quinta (20), inicia-se o recesso do Judiciário.
O ministro determinou a soltura, mas a liberação dos presos não é
imediata. Cabe a cada advogado pedir que o juiz responsável pela pena
efetive a soltura e cumpra a decisão do ministro (leia mais sobre a decisão ao final desta reportagem).
A decisão liminar (provisória) de Marco Aurélio Mello atinge o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem recursos pendentes nos
tribunais superiores. Lula foi condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região
por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e tem recursos pendentes
de análise nos tribunais superiores (Superior Tribunal de Justiça e
Supremo Tribunal Federal).
Logo após a decisão de Marco Aurélio, a defesa de Lula pediu à Justiça que o ex-presidente seja solto. O pedido foi apresentado 48 minutos depois da liminar ser concedida.
A decisão do ministro do STF afirma que deve ser mantido o artigo 283
do Código de Processo Penal, que estabelece que as prisões só podem
ocorrer após o trânsito em julgado, ou seja, quando não couber mais
recursos no processo.
Na decisão, Marco Aurélio ressalva prisões preventivas previstas no
artigo 312 do Código de Processo Penal, ou seja, aquelas de presos
perigosos ou quando é preciso manter a detenção para assegurar a ordem
pública ou as investigações.
"Defiro a liminar para, reconhecendo a harmonia, com a Constituição
Federal, do artigo 283 do Código de Processo Penal, determinar a
suspensão de execução de pena cuja decisão a encerrá-la ainda não haja
transitado em julgado, bem assim a libertação daqueles que tenham sido
presos, ante exame de apelação, reservando-se o recolhimento aos casos
verdadeiramente enquadráveis no artigo 312 do mencionado diploma
processual", diz o ministro na decisão.
Em nota, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse que foi informada da decisão e afirmou que estuda medidas judiciais cabíveis.
"A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recebeu há pouco a
notícia da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Marco
Aurélio, que determinou a soltura de todos os presos detidos em razão de
condenações confirmadas em segunda instância. Embora ainda não tenha
sido intimada da decisão, a procuradora-geral já analisa, juntamente com
a equipe, as medidas judiciais cabíveis. A procuradora-geral destaca
que o início do cumprimento da pena após decisões de cortes recursais é
compatível com a Constituição Federal, além de garantir efetividade ao
Direito Penal e contribuir para o fim da impunidade e para assegurar a
credibilidade das instituições, conforme já sustentou no STF", diz a
nota.
Julgamento no STF
O ministro concedeu a liminar dois dias depois de o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, marcar para o dia 10 de abril do ano que vem
o julgamento sobre o tema. Nessa data, está marcada a análise de três
ações que pedem que as prisões após condenação em segunda instância
sejam proibidas em razão do princípio da presunção da inocência.
O principal argumento dessas ações é que o artigo 5º da Constituição
define que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado
de sentença penal condenatória".
Desde 2016, o Supremo entende que a prisão após condenação em segunda
instância é possível, mas as ações no tribunal visam mudar o
entendimento.
O Supremo já julgou o tema "prisão após segunda instância" em pelo menos três ocasiões:
- 17 de fevereiro de 2016: O plenário definiu em um caso específico que a pena poderia ser executada após a condenação na segunda instância
e que o réu poderia recorrer, mas preso. A decisão inverteu o
entendimento que vinha aplicando pelo STF desde 2009, segundo o qual era
possível aguardar o julgamento de todos os recursos antes da prisão.
- 5 de outubro de 2016: O STF julgou medidas cautelares apresentadas pelo PEN e pela OAB e decidiu confirmar a possibilidade de prisão após segunda instância.
- 11 de novembro de 2016: O Supremo voltou a julgar o tema, no plenário virtual, e manteve a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
A decisão
Na decisão de 18 páginas, o ministro Marco Aurélio Mello disse que
liberou a ação para julgamento em abril de 2018, mas o tema só foi
marcado para julgamento em abril de 2019.
Ele viu "quadro a exigir pronta atuação" por conta do não cumprimento do artigo 283 do Código de Processo Penal.
O ministro citou que o plenário do Supremo já negou liminares em outras ações.
Afirmou que, como ministro, deve cumprir a Constituição e que o Supremo
é a última trincheira da cidadania. Disse que não pode se curvar a
decisões que não são vinculantes.
"Ao tomar posse neste Tribunal, há 28 anos, jurei cumprir a
Constituição Federal, observar as leis do País, e não a me curvar a
pronunciamento que, diga-se, não tem efeito vinculante. De qualquer
forma, está-se no Supremo, última trincheira da Cidadania, se é que
continua sendo", disse o ministro.
Marco Aurélio afirmou que o plenário já tomou decisões diferentes sobre
o tema e que não existe nenhum entendimento vinculantes.
"Fixadas tais balizas, tem-se a necessidade de nova análise do tema em
processo objetivo, com efeitos vinculantes e eficácia geral, preenchendo
o vazio jurisdicional produzido pela demora em levar-se a julgamento
definitivo as ações declaratórias de constitucionalidade, há muito
devidamente aparelhadas e liberadas para inclusão na pauta dirigida do
Pleno", disse o ministro.
O ministro disse que, quando ainda cabe recurso em tribunal superior, não se pode antecipar a culpa.
"Não se pode antecipar a culpa para além dos limites expressos na Lei
Maior, quando o próprio processo criminal é afastado do controle do
Supremo", afirmou Marco Aurélio.
Ele disse ainda que o direito de aguardar julgamento de recursos deve
valer para todos os presos e não somente aos condenados por corrupção.
"Sob a óptica do perigo da demora, há de ter-se presente a prisão ou
efetivo recolhimento, antes da preclusão maior da sentença condenatória,
não apenas dos condenados em segunda instância por corrupção – pelo
denominado crime do colarinho branco –, mas de milhares de cidadãos
acusados de haver cometido outros delitos. Se essa temática não for
urgente, desconheço outra que o seja", completou.