segunda-feira, 3 de abril de 2017

Renan é a prova de que o ilógico rege a política

Josias de Souza
Há três meses, seria chamado de maluco alguém que dissesse que Renan Calheiros, tido como pilar da governabilidade sob Michel Temer, viraria líder da oposição no Brasil. Em dezembro de 2016, a pretexto de salvar o país do Apocalipse que sobreviria ao afastamento de Renan da presidência do Senado, o Supremo Tribunal Federal agraciou o personagem com uma punição meia-sola. Réu em ação criminal, Renan foi retirado da linha de sucessão da Presidência da República, mas foi mantido no comando do Senado, posto que exerceria até 2 de fevereiro de 2017.
O ministro Marco Aurélio Mello, dono da toga que ordenara a saída de Renan da poltrona de presidente, rendeu homenagens àquele que rasgara seu judicioso despacho. “Hoje, pensa o leigo que o Senado da República é o senador Renan Calheiros'', disse Marco Aurélio, na sessão do Supremo em que a maioria dos colegas deu de ombros para a desobediência de Renan. ''Diz-se que, sem ele, tomado como um salvador da pátria amada, não teremos a aprovação de medidas emergenciais visando combater o mal maior, que é a crise econômico-financeira. Quanto poder! Faço justiça ao senador Renan Calheiros. Tempos estranhos os vivenciados nesta sofrida República.”
Súbito, Renan Calheiros, agora na pele de líder do PMDB, o partido do presidente da República, põe-se a torpedear as reformas que prometia carregar sobre os ombros. Vira a cara para a terceirização da mão-de-obra. Faz careta para a reforma da Previdência. Tacha o governo de “errático” o governo que supostamente apoiaria. Faz troça da propalada habilidade política do pseudo-aliado Michel Temer: “Quem não ouve erra sozinho.”
Em tempo recorde, a tese de que o réu Renan seria o esteio do governo no Congresso virou um conto do vigário no qual o seis ministros do Supremo caíram. “Em benefício do Brasil e da Constituição da qual somos guardiões, neste momento impõe-se de forma muito especial a prudência do Direito e dos magistrados”, dissera, por exemplo, a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, na fatídica sessão. “Estamos tentando reiteradamente atuar no máximo de respeito e observância dos pilares da República e da democracia.”
Antes das manifestações de Marco Aurélio e Cármen Lúcia, o ministro Luiz Fux mencionara a “anomalia institucional” que enxergava no cenário. E acrescentara que o afastamento de Renan seria mais ruinoso que sua permanência. Sem ele, estaria comprometida toda uma agenda nacional que exigia deliberação imediata do Congresso.
Deve-se a migração de Renan da condição de Salvador-Geral da República para o posto de Puxador-Geral de Tapetes a um sentimento que pode ser batizado de ostracismofobia. Investigado em 12 inquéritos, nove dos quais relacionados à Lava Jato, o senador convive com o medo de não ser reeleito em 2018. Sem mandato, seus processos desceriam do Supremo para a Vara de Sergio Moro, em Curitiba. Daí em diante, o risco do cárcere e do ostracismo seriam o limite. É por medo de fracassar nas urnas que Renan toma distância da impopularidade de Temer. Preocupa-se também com o futuro do seu herdeiro político, Renan Cilho, candidato à reeleição ao governo de Alagoas.
Renan notabiliza-se como um desses políticos admiráveis que conseguem atravessar a vida sem fazer nada de admirável. Repete com Temer o que já fez com Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Dilma. Enquanto os governos estão em boa situação, o mandarim de Alagoas se oferece para como voluntário sofrer na própria pele as mais insuportáveis vantagens. Quando o mar fica revolto, Renan salta da embarcação. Age sempre com a desenvoltura de um transatlântico que abandona os camundongos. No momento, Renan se recompõe com Lula, cuja popularidade em Alagoas continua roçando as nuvens.
Renan aposta na volta de Lula. O senador cospe num prato em que já não há muito o que comer, com a perspectiva de retornar à mesa em momento de maior fartura. A reincidência com que Renan reaparece nos arredores dos cofres do poder é a maior evidência do ilógico que rege a política. Sua capacidade de regeneração é um atestado da inconsequência de um país que ainda confunde prontuários com biografias. A Lava Jato ensinou à oligarquia política e econômica que a desfaçatez passou a dar cadeia. Mas Renan resiste. A exemplo de correligionários como Eduardo Cunha, Renan passou a impressão de atear fogo às próprias vestes durante o ciclo do PT no poder. A grande diferença em relação a Cunha é que Renan sempre se despe antes de riscar o fósforo.

Ana Amélia: “Manobras dos corruptos são de arrepiar”


A O Antagonista, a senadora Ana Amélia afirma que o rolo compressor em defesa dos corruptos está pronto para esmagar a Justiça. Veja os principais trechos da entrevista:
O Antagonista – É possível recuperar o objetivo inicial das Dez Medidas, o de combater a corrupção, e não o de endossá-la?
Ana Amélia – Vamos fazer a nossa parte. Temos um grupo de parlamentares que está lutando para isso. Já há, no Senado, um projeto do Ataídes Oliveira, que resgata o texto original. É evidente que teremos que trabalhar nisso, junto com o texto da Câmara.
O Antagonista – Dez Medidas desfiguradas, lei do abuso de autoridade, foro privilegiado, anistia ao caixa 2. O Congresso resolveu proteger os corruptos?
Ana Amélia – A sociedade tem uma percepção muito clara dessas manobras. O argumento é que elas servem para proteger as instituições, mas, na verdade, as enfraquecem. A anistia ao caixa 2 é um tapa na cara de todos. A lista fechada hoje une a oposição e o governo. É de arrepiar. O foro privilegiado é um desserviço às instituições. Mas os outros poderes também vivem dias de perplexidade. A Carne Fraca, por exemplo, revelou divergências agudas dentro da Polícia Federal.
O Antagonista – A mobilização popular foi chamada, pelo Deltan, de escudo da Lava Jato. A baixa adesão às manifestações do último domingo mostra que o escudo caiu?
Ana Amélia – Esse é o grande temor que tenho, como cidadã e como parlamentar. Não podemos fragilizar a Lava Jato. É por isso que eu defendo a necessidade de que o Ministério Público Federal, a Justiça e a Polícia Federal estejam unidos. Se a chama da mobilização morrer, estaremos num mato sem cachorro.
O Antagonista – Alguns leitores dizem que a Lava Jato precisa dar um sinal claro de vigor, como a condenação de Lula, para que continuem acreditando nela.
Ana Amélia – Não posso dizer por que o povo não está mais nas ruas. O que percebo é que a oposição também reacendeu sua capacidade de mobilização, com bandeiras como a resistência à reforma da previdência e trabalhista. Essas bandeiras neutralizaram o processo e, na rua, quem grita mais alto ganha.
O Antagonista – Tudo isso somado, a senhora acredita que o Congresso aprovará medidas que realmente combatem a corrupção?
Ana Amélia – Não é uma tarefa fácil. Sou realista sobre isso. Essa é uma Casa política, e as pessoas estão assumindo suas posições. A sociedade não pode esmorecer. Precisa continuar a defender a ética na política. Espero que o Brasil aprenda e não tenhamos um terceiro episódio de corrupção, depois do mensalão e do petrolão, que nos envergonhe. DO O ANTAGONISTA