Ai,
ai, com tanta coisa sobre a qual falar, dedico uma parte do meu tempo
ao senhor, como é mesmo?, ah, sim: João Manoel Pinho de Mello. Se fosse
importante, a esta altura, eu já teria ouvido falar. Mas ele se tem em
altíssima conta e acha que caio em alguns truques. O Manoel, que não tem
três penas no chapéu, integra um grupo de economistas da PUC do Rio que
decidiu mensurar os efeitos do Bolsa Família na queda da violência em
São Paulo. Compararam os índices antes e depois de 2008 e chegaram à
conclusão de que o programa foi responsável por 21% — encantadora essa
precisão! — do total da queda da criminalidade. Huuummm… Escrevi um post a respeito fazendo algumas indagações.
João Manoel ficou zangado, escreveu uma catilinária imensa me
desqualificando e, pasmem!, acusando-me de agressivo. Mentira! Não o
agredi, não! Chamei as conclusões do estudo de “bobajada”. No mais,
destaquei evidências que caminham no sentido contrário ao de suas
conclusões. Só isso. Ele enviou o texto ao blog. Só não publiquei ontem
porque, obviamente, requer resposta. O rapaz saiu divulgando o texto por
aí e me enviou mais alguns comentários — mobilizou também alguns
amigos, parece — me acusando de estar com medo de publicar a sua
resposta ou algo assim. Eu nunca tinha ouvido falar dele e desconfio que
a recíproca é verdadeira, ou não viria com essa tolice. Vamos lá. Ele
segue em vermelho. Eu em azul.
Sr. Reinaldo Azevedo,
Escreve João Manoel Pinho de Mello, professor associado do Departamento
de Economia da PUC-Rio e PhD em economia pela Stanford University
(2005). Sou um dos autores do estudo sobre Bolsa Família e crime a
respeito do qual você fez comentários em seu blog. Resolvi respondê-los.
A maioria de meus comentários se refere à ciência do artigo supracitado
e à “ciência” dos seus comentários. Mas confesso que alguns poucos
refletem minha indignação com sua agressividade e sua arrogância. Peço
perdão aos leitores interessados apenas na ciência da mensuração do
efeito do Bolsa Família sobre o crime. Infelizmente receio que sejam
poucos.
Ele
começa me tratando de “Sr.” como quem diz: “Seu filho da mãe” na versão
não publicável em blogs de família. Em seguida, tenta me intimidar com o
seu currículo. Respeito competências e títulos, claro!, mas não me
assustam. Uma bobagem é uma bobagem é uma bobagem, não importa o
pedigree de quem a pronuncie. Todo o parágrafo, na verdade, vale por um
“sabe com quem está falando?”. Agora sei. E daí? O Mané de Stanford não
está habituado ao confronto de ideias e ao debate. Ao acusar a minha
“agressividade e arrogância” — leiam o texto original e verão que não —,
diz, humilde que é, que vai responder (eu poderia enroscar com a
regência do verbo “responder” em seu texto tão douto, mas deixo pra lá…)
com a ciência (sem aspas) para se contrapor à “ciência”, com aspas, do
meu comentário. Logo, ele é um cientista pronto a humilhar este pobre
leigo! Atenção para o que vem agora. A coisa começa a esquentar.
Normalmente
não escreveria este comentário. Não é muito útil debater assuntos de
natureza técnica com interlocutores ideológicos (à esquerda e à
direita). Mas há pessoas que eu respeito intelectualmente e admiram o
que você escreve. Por isso resolvi tomar meu tempo para corrigir seus
erros. Não acho que seja vigarice. Apenas viés ideológico ao discutir um
assunto que, de fato, é difícil. A maioria das pessoas educadas e
inteligentes, mas sem treinamento científico, tem dificuldade em
distinguir correlação e causa. Não se sinta diminuído por isso,
blogueiro.
Então
comecemos por uma boa diferença entre nós. Há um monte de pessoas que
respeito intelectualmente que não o admiram porque nunca ouviram falar
de você. Lamento que o contrário seja verdade. Fazer o quê? Tente
doutriná-las e provar que estão erradas. Não, eu não me sinto
diminuído por ser chamado de “blogueiro”. Afinal, por que tanta
preocupação em responder a alguém tão desprezível, Mané de Stanford?
Quanto a você desprezar “interlocutores ideológicos à esquerda e à
direita”, dizer o quê? Geralmente os que negam a ideologia com esse
vigor em nome de uma suposta neutralidade científica — especialmente no
terreno das ciências humanas — são apenas candidatos a pensadores do
regime, seja ele de direita ou de esquerda. Entendeu ou pequei por
excesso de sutileza?
Vou me referir a você como “blogueiro”, pois afinal esse é seu título, não?
Não,
não é meu título. Você comete um primeiro pecado para um candidato a
polemista: desconhece o sentido preciso das palavras. Se quiser, pode
chamar de atividade, profissão, ocupação até. “Título” é outra coisa. Eu
sou um “destitulado”.
O blogueiro
reclama, quase sempre com razão, dos métodos de argumentação do Luis
Nassif. Pois bem: ele se comportou como o Nassif. Falou sobre o que não
entende com um misto de arrogância e primitivismo. Não gosto muito de
adjetivação, mas parece ser o estilo do blogueiro. Por isso me
permitirei essa pequena indulgência (não é muito grave; é quase como
comer uma caixa inteira de Sonho de Valsa).
Mané
está com informações falsas a meu respeito. Há muito tempo, como sabem
os leitores, Luís Nassif foi banido deste blog. Quanto a “comer a caixa
inteira de Sonho de Valsa” como quem se entrega a uma compulsão depois
de um período de repressão, huuummm… Cuidado, Manoel! Certas imagens
revelam mais do que o autor pode desejar. Deve ser torturante viver com
vontade de cair de boca no Sonho de Valsa, mas ter de se reprimir com
medo da reprovação social, né?
Sobre
arrogância tenho pouco a falar por ser autoevidente. Mas, a título de
ilustração, o blogueiro comenta um artigo científico que, pela natureza
de seus comentários, não leu (ou não entendeu), e acha que pode
rebatê-lo com uma mirada superficial nos dados do mapa da violência.
Para esclarecimento, o artigo cujo conteúdo desagrada tanto ao blogueiro
está em processo de revisão para re-submissão para publicação no
American Economic Journal, Economic Policy (da American Economic
Association), uma das 20 publicações científicas mais prestigiosas do
mundo em economia.
Até
agora, Manoel, o fortão do Bairro Peixoto, não respondeu à minha crítica
(sim, queridos, eu vou relembrá-la aqui). Ele já me chamou de
“arrogante”, “agressivo” e “blogueiro”, já expôs o seu currículo e agora
diz que seu artigo pode ir parar numa publicação de prestígio. Atenção,
senhores! Até agora, ele está certo, e eu, errado, porque:
a) é economista, e eu não;
b) porque é Ph.D. por Stanford, e eu não;
c) porque eu sou arrogante e agressivo, e ele não (como se vê…);
d) porque seu artigo pode ser acolhido numa publicação de prestígio.
Sobre
primitivismo tenho mais a falar, pois se trata de conteúdo. Começo com
uma observação simples. Consideremos o Nordeste, o contraexemplo
preferido. É possível, na realidade provável, que o crime tivesse
aumentado ainda mais no Nordeste na ausência do Bolsa Família, mas não
temos como saber. Em linguagem científica isso se chama contrafactual. É
um raciocínio que requer alguma sutileza intelectual. Mas suponho (?)
que o blogueiro conseguirá perceber.
Vamos
aqui recuperar a natureza da polêmica, que este bobalhão arrogante
tenta esconder com sua pseudociência. Este senhor assina um trabalho
afirmando que o Bolsa Família, que tem menos importância na cidade de
São Paulo do que em qualquer capital do Norte ou Nordeste, responde por
21% da queda de criminalidade, comparando-se os dados anteriores e
posteriores a 2008. E por que se escolheu esse divisor? É quando o Bolsa
Família começa a atender os jovens de 16 e 17 anos. A redução da
desigualdade teria tido, pois, um grande impacto na queda da violência
(ele próprio exporá seu método mais adiante).
Qual
foi a objeção levantada por este desprezível “blogueiro” — que não cai
de boca no Sonho de Valsa — e que deixou o Ph.D. de Stanford tão
furioso? A violência no Nordeste, com algumas exceções, cresceu, em vez
de diminuir, nesse período. Na Bahia, em Salvador especialmente, assume
contornos explosivos, dramáticos. Aí ele resolveu adotar o mesmo método
de argumentação dos cientistas que faziam terrorismo com o aquecimento
global: se ele não pode provar que está certo, pede, de modo enviesado,
que eu prove que ele está errado. Mas não me furto, não! Desde logo,
coloca-se uma questão evidente: por que o tal programa teria tido um
impacto tão forte em São Paulo, mas não no Nordeste?
Ocorre que a suposta ciência do Mané de Stanford nasce de um preconceito, que ele não se intimida em enunciar: “É
possível, na realidade provável, que o crime tivesse aumentado ainda
mais no Nordeste na ausência do Bolsa Família, mas não temos como
saber”. É evidente que a hipótese de seu trabalho é esta: “O Bolsa
Família diminuiu a violência”. Aí ele fez o que faz muita gente — em
especial a turma do aquecimento global: resolveu torturar os dados até
que confessassem o que estava buscando. Como sua tese se afina com a
metafísica influente, tudo ficou mais fácil. No parágrafo seguinte,
quando ele decide, definitivamente, me humilhar, ele se estrepa.
Agora para
as considerações um pouco mais intrincadas. É muito difícil estabelecer
relações de causa e efeito em ciências sociais. A razão é simples:
diferentemente das ciências duras, em geral não é possível fazer
experimentos aleatorizados em criminologia (em ciências sociais em
geral, na verdade).
Certo! Ciências sociais permitem muitos
chutes. Não me diga! Logo, Manoel está admitindo que as conclusões têm
muito de gosto, arbitrariedade, ideologia, escolhas. Ou com ele seria
diferente?
Por isso a
análise superficial com os dados do mapa da violência é um exercício
fútil na melhor das hipóteses. Perigoso e, portanto, leviano na pior
delas. Recife é mais pobre, mais desigual e violento do que Blumenau.
Isso prova que pobreza e desigualdade causam crime? Não. Mostra tão
somente que essas três variáveis andam juntas. Não estabelece nenhuma
relação de causa e efeito. Afinal, outros fatores podem causar tanto
pobreza e desigualdade como crime. Por exemplo, debilidade
institucional. Estado fraco causa polícia fraca e pobreza. É essa a
verdadeira causa? Não sei. O argumento é feito somente para ilustrar por
que não se deve inferir absolutamente nada com a comparação simples
entre estados.
Evitei a palavra até agora, mas não dá
mais! Trata-se de um truque intelectualmente vigarista, ainda que Manoel
seja um gênio. Em primeiro lugar, por amor à precisão, destaco o
aspecto em que estamos de acordo: são muitas as variáveis que resultam
em mais ou menos violência — E, PORTANTO, NA REDUÇÃO DA VIOLÊNCIA
TAMBÉM.
Onde
está a vigarice? O texto de Manoel mente ao afirmar que argumento
comparando estados distintos. Não! Eu me referi a estados e cidades na
comparação consigo mesmos, Manoel! Não engane seus eventuais leitores!
Não tente enganar os meus! Eu vou comparar, rapaz, São Paulo com São
Paulo. Os números negam de forma tão escandalosa a hipótese — e o estudo
dele não passa disso, ainda que aspire à condição de teoria ou teologia
— que fico até um tantinho constrangido em exibi-los. Em 2000, a região
metropolitana de São Paulo, senhores leitores, tinha 63,3 homicídios
por 100 mil habitantes. Chegou a 2010 com 15,4 (hoje está em torno de
10), com redução de 75,6%. Queda abrupta? Não! Vejam a evolução dos
dados de 2000 a 2010.
O
estudo do companheiro que repudia a direita e a esquerda — nada como se
declarar “de centro” para poder aspirar à santidade e à, como direi?,
inimputabilidade científica — compara dados anteriores a 2008 com dados
posteriores. Sei. Os mortos por 100 mil na região metropolitana de São
Paulo já haviam caído 69,8% entre 2000 (63,3) e 2007 (19,1). “Ah, mas
poderiam ter caído menos a partir de 2008 não fosse o Bolsa Família.”
Nada posso fazer com a crença das pessoas.
Agora
vejam o que acontece com o índice de homicídios, sempre segundo dados
do Mapa da Violência, nas regiões metropolitanas de Maceió, João Pessoa,
Belém, Vitória, Salvador, Curitiba, Recife e São Luís .
Não é
preciso comparar os números de São Paulo com os de Salvador, senhor
Manoel sem penas no chapéu. Basta comparar Salvador consigo mesma. O
Bolsa Família, no atual formato, foi criado em 2003, começou a ser
aplicado ainda timidamente em 2004 e foi se expandindo. O estudo dele
faz um corte entre antes e depois de 2008? Pois bem. Serve esse cotejo.
“Ah, mas a capital baiana é mais desigual do que Curitiba.” É? Pois bem:
vejam os dados dramáticos da região metropolitana da rica capital
paranaense. Em Recife, já se nota uma queda, embora os números sejam
ainda alarmantes. O noticiário nos informa de que estão em curso medidas
virtuosas de reforma da polícia pernambucana — ainda no começo. E esse
mesmo noticiário dá conta de que, na polícia baiana, ocorre o contrário.
Jaques Wagner conseguiu piorar o que já era ruim. Os números estão aí.
Manoel achou — com todo respeito, viu, doutor Ph.D. — que ainda não
tinha trapaceado intelectualmente o bastante e escreve o seguinte.
Mutatis
mutandis, o aumento da criminalidade no Nordeste ao mesmo tempo em que o
Bolsa Família lá se expandiu não demonstra que o Bolsa Família não
ajudou a diminuir o crime. Nem que ajudou a aumentar. De fato, pouco se
sabe sobre as causas do aumento da criminalidade em alguns estados do
Nordeste (principalmente BAHIA e ALAGOAS, não, não foi generalizada no
Nordeste). Quero dizer, pouco se sabe cientificamente. Achismo há de
monte. O blogueiro, por exemplo, dever ter uma porção deles.
De saída: você não sabe empregar “mutatis
mutandis”. Estude latim ou seja menos pretensioso. Ou faça as duas
coisas. A expressão não cabe aí. Adiante. Não lido com achismo nenhum,
mas com dados! Quem foi achar o que já tinha encontrado foi o sedizente
cientista. Entre 2000 e 2010 ou entre 2008 e 2010, o único estado
nordestino que não teve um aumento escandaloso de homicídios foi
Pernambuco (embora o número seja elevadíssimo). Eu pratico achismo?
Faltar com a verdade é certamente coisa bem mais feia.
Coloco
alguns fatos científicos e algumas especulações, feitas com base em
evidências anedóticas. Esclareço que algumas são especulativas, ou seja,
o mesmo que o blogueiro faz com sua mirada superficial sobre o mapa da
violência. A diferença é que o blogueiro tem a arrogância dos apedeutas.
Acha que faz alguma inferência estatística válida. Blogueiro, deve doer
quando um termo tão caro é usado contra você, não?
Nossa! Você não sabe como padeço! Se eu fosse do tipo, hoje me acabaria no Sonho de Valsa!!!
Primeiro o
fato científico. Houve mudanças adversas na composição demográfica em
alguns estados do Nordeste nos últimos anos. Aumentou a proporção de
jovens entre 15 e 30 anos em alguns deles, um fator criminogênico
importante já fartamente documentado na literatura em criminologia.
Demonstro isso em um artigo em revisão para resubmissão ao Economic
Development and Cultural Change, um dos principais periódicos
CIENTÍFICOS em desenvolvimento econômico no MUNDO. É editado na
Universidade de Chicago por pessoas ligadas ao departamento de economia.
Credenciais liberais (no sentido britânico da palavra) irreparáveis. Ou
seja, pessoas com as quais você se identifica ideologicamente,
blogueiro.
Andou comendo muito bombom. Pouco me
importa se você é liberal ou não! Quem disse que picaretagem é monopólio
da esquerda? Não é, não! Está em curso no país, por exemplo, uma
grotesca mistificação sobre a “classe média brasileira” que poderia, em
outros tempos, ser considerada coisa da direita. Mas não passa de
adesismo e derivação teratológica da “economia da pobreza” transformada
em pobreza da economia.
Outros
fatores são mais especulativos. Um deles que considero é perda de
controle sobre a segurança pública, de novo principalmente na Bahia e em
Alagoas. Há bastante evidência anedótica de que a policiamento pirou
muito em alguns estados (repito, evidência anedótica, não ciência). E a
literatura em Economia do Crime e Criminologia já estabeleceu há anos a
importância da solidez da segurança pública. Se quiser se educar a
respeito, querido blogueiro, veja Di Tella e Schargrodsky, American
Economic Review, 2004 e as referências lá citadas. Mas não é claro que
você queira, ou tenha treino, para se informar na literatura científica.
Evidência anedótica? Não! Há fatos mesmo.
Como é fato o crescimento do investimento em segurança pública em São
Paulo. Como é fato que o estado tem 22% da população, mas concentra 40%
dos presos. Como é fato que há menos homicídios nos estados que mais
prendem bandidos. Os dados estão no primeiro texto que escrevi a
respeito.
Em suma,
pouco se sabe sobre a dinâmica recente da criminalidade no Nordeste.
Vale muito investigar. Vale bem menos analisar de forma superficial com
intuito único de confirmar o viés ideológico apriorístico. Blogueiro,
acho que você diria que isso é coisa de petista.
Você é mais fraco de que eu imaginava, com
sua exibição de currículo e suas demonstrações de apuro acadêmico que
mal escondem o chute de sua pesquisa. Pouco me importa se você é petista
ou não. Nem acho que seja! É um tipo pior, disposto a servir, pouco
importa o poder de turno. Meu desprezo por gente assim é bem maior. Os
petistas, aos menos, não procuram se esconder numa pretensa
neutralidade. O índice de homicídios cresceu em 8 dos 9 estados
nordestinos entre 2000 e 2010 e, se quiser, entre 2008 e 2010. Nesses
estados, o Bolsa Família tem muito mais importância do que em São Paulo,
onde a queda na criminalidade é contínua e consistente há 12 anos.
Ainda que você tivesse encontrado, vá lá, uma correlação entre o
programa e os números, estaria obrigado a explicar por que ela se deu em
São Paulo. Vejam os homicídios por 100 mil nos estados nordestinos
entre 2000 e 2010.
Agora sobre
Bolsa Família e crime em São Paulo. A maneira ideal de estabelecer se o
Bolsa Família teve algum efeito sobre a criminalidade é um experimento
aleatorizado controlado. Ou seja, decidir no cara-e-corôa as cidades que
recebem e que não recebem o Bolsa Família. Assim, garantir-se-ia que as
cidades que recebem (Grupo de Tratamento) e que não recebem Bolsa
Família (Grupo de Controle) terão, em média, características iguais.
Infelizmente não temos acesso a tal experimento.
O professor Raimundo das pesquisas resolveu
dar uma aulinha. Muito bem! Como ele não conseguiu as circunstâncias
ideais, vamos ver como agiu.
Por isso
usamos um procedimento que tenta imitá-lo. Em 2007 o programa passou a
contemplar adolescentes de 16 e 17 anos. Como há escolas com mais e com
menos adolescentes nessa faixa etária, o Bolsa Família se expande mais
fortemente nos arredores de escolas com mais adolescente de 16 e 17 anos
(mostramos isso empiricamente). Como as diferenças de distribuição
etária entre as escolas de SP em 2006 nada tem a ver com a decisão de
expandir o Bolsa Família, é “como se fosse aleatória” a expansão mais
forte no entorno das escolas com mais alunos entre 16 e 17 anos. Por
isso, quaisquer aumentos de crime mais fortes (ou mais fracos) no
entorno dessas escolas podem ser interpretados como o efeito causal do
Bolsa Família diminuindo (ou aumentando) o crime. Encontramos que o
crime caiu mais fortemente no entorno das escolas com mais alunos de 16 e
17 anos. Por isso a inferência de que o Bolsa Família
causou queda na criminalidade em SP. Se tivesse aumentando a inferência
seria inversa: o Bolsa Família seria crimininogênico (perdão pelo anglicismo). Blogueiro, cientista é assim: aceita o que os dados dizem.
Esse tipo de raciocínio estatístico pode ser estonteante quando o vemos
pela primeira vez. Blogueiro, eu doaria umas três horas do meu tempo
para educá-lo com mais detalhe, se achasse que você estivesse disposto a
aprender. Mas você hoje demonstrou que só se interessa por proselitismo
ideológico. Como dizia minha avó portuguesa, tali e quali o Nassif.
Não culpe a sua avó portuguesa por sua
arrogância e por sua tolice. Aliás, cientistas sociais acabaram de ficar
espantados com o seu método. A sua pesquisa, explicada por você mesmo, é
mais picareta do que eu imaginava. As conclusões são ainda mais
arbitrárias do que eu supunha. E a razão é simples. Consulte as
autoridades de segurança pública de São Paulo, seu Zé Mané, e você
saberá que os jovens infratores não costumam cometer crimes nos bairros
onde moram — a exceção são as brigas de gangue. A exposição de seu
método é a confissão de um chute fabuloso.
Mas o que foi que Manoel afirmou mesmo? Isto: “Houve
mudanças adversas na composição demográfica em alguns estados do
Nordeste nos últimos anos. Aumentou a proporção de jovens entre 15 e 30
anos em alguns deles, um fator criminogênico importante já fartamente
documentado na literatura em criminologia”. Certo! Em São Paulo, no entanto, ele afirma: “Encontramos que o crime caiu mais fortemente no entorno das escolas com mais alunos de 16 e 17 anos”. Mas
os jovens não estão recebendo Bolsa Família no Nordeste em São Paulo?
Manoel é um cientista rigoroso: ele concluiu que a violência aumentou no
Nordeste por causa do aumento dos jovens e caiu em São Paulo em lugares
com maior concentração de jovens. ENTENDERAM? A sua avó portuguesa
merece mais respeito. O problema é o neto dela.
Num
dado momento de seu texto, Manoel afirma que as pessoas têm dificuldades
de entender a diferença entre correlação e causa. É o caso dele. Comete
um erro de lógica elementar, definido por uma expressão latina: “post
hoc, ergo propter hoc” — ou: “depois disso, logo por causa disso”. A
minha piada para esse tipo de raciocínio é a seguinte: como sempre
amanhece depois que o galo canta, há quem acredite que, caso se matem
todos os galos do mundo, teremos a noite eterna… Como Mané constatou
que a violência caiu mais nos grupos com maior concentração de jovens de
16 e 17 anos e como eles passaram a receber bolsa-família em 2007,
então só pode ser por isso, certo?
Só
uma coisa: “crimininogenico”, como você escreveu, não é anglicismo, não!
É só erro de digitação. E “criminogênico”, bobão, não é anglicismo. O
“criminogenic” é que é uma palavra formada de duas outras: uma de raiz
latina e outra grega. Não tente fazer graça porque falta estofo. Você já
é engraçado o bastante tentando ser sério.
Ah, sim: vá falar mal do Nassif lá no blog dele. Nem todo inimigo do meu inimigo é meu amigo, entendeu?
A
criminalidade ter caído desde 1999 em SP é imaterial para esse
raciocínio. Afinal, diferentes fatores podem ter causado a queda no
começo e no final dos anos 2000. De fato, a queda do crime no começo dos
anos 2000 pode ser consequência de sua subida no final dos anos 1990.
Mas para um proselitista como você isso não interessa, não é blogueiro?
Ai, ai… Uma queda de mais de 70% no índice
de homicídios em 10 anos, que não pode ser explicada pelo seu achismo,
só pode ser explicada por “diferentes fatores”. É… Vai ver eles explicam
mesmo!
Pergunta
justa: por que SP? Não dava para fazer para outros lugares? O Nordeste,
por exemplo, onde o Bolsa Família importa muito mais? A resposta é
negativa, infelizmente. SP é o único estado da Federação que tem dados
de crime decentes georeferenciados desde o começo da década de 2000.
Isso PELO ENORME ESFORÇO de política pública em segurança feito em SP.
Esse esforço começou com o Alexandre Schneider, meu co-autor em artigos
científicos (mais sobre isso abaixo), quando era secretário adjunto da
SSS-SP. Adoraríamos fazer o mesmo em Salvador. Mas não há dados
adequados. Viu blogueiro? Nem tudo é conspiração petista.
Repito: os petistas podem ser profissionais da tolice, mas não são seus monopolistas.
Algumas
palavras sobre a impressionante queda na criminalidade que ocorreu no
Estado de São Paulo nos anos 2000. Essa queda é objeto de minha pesquisa
científica desde 2004. Primeiro uma constatação. O crime cai tão
fortemente a partir de 1999 porque subiu fortemente nos anos 1990,
principalmente depois de 1993. É uma questão mecânica. Blogueiro, seria
elegante que você também mencionasse isso. Afinal, os ladrões e
assassinos são apartidários em geral.
Você estava comendo bombom quando escreveu
isso? Quer dizer que a violência caiu bastante porque havia subido
muito? Deve-se inferir que ela subiu muito em alguns estados porque não
tinha crescido bastante? Trata-se de mera “questão mecânica”? Deve-se
inferir, pois, que, qualquer que fosse a política de segurança pública
adotada, o resultado teria sido o mesmo? Você não se envergonha nem um
pouquinho? Foi estudar os efeitos do Bolsa Família na diminuição da
violência em São Paulo, mas está convicto de que, independentemente das
políticas públicas adotadas, o resultado seria o mesmo.
Em
criminologia há algum consenso sobre o caráter multi-facetado de
mudanças abruptas no crime (bom, tanto quanto há consenso em ciências
sociais). Se você estiver realmente interessado em se educar, recomendo
fortemente Zimiring (2007), The Great American Crime Decline, disponível
em inglês como e-book. O caso mais citado é o dos EUA, e
particularmente NYC, nos anos 1980 e 1990. Bogotá e Medellín são outros
dois exemplos. O caso de São Paulo não deve ser diferente.
Não seja desonesto! Os dados estão acima! A
queda da violência em São Paulo não foi “abrupta” coisa nenhuma! Ao
contrário, foi se dando paulatinamente.
Em um
capítulo de livro editado pelo National Bureau of Economic Research
(NBER, dispensa introdução) e pela University of Chicago (olha aí os
petistas de novo!), Alexandre Schneider, aquele que foi secretário de
educação do Kassab, e eu mostramos a importância da transição
demográfica em São Paulo, que começou antes do país como um todo. Ela
responde por 60% do aumento no homicídio na década de 1990, e por 40% da
queda nos anos 2000. Em um artigo publicado no Economic Journal
(pesquise o status acadêmico desse periódico blogueiro, seja
jornalista!), Alexandre Schneider, Ciro Biderman e eu mostramos que os
homicídios caíram mais nas cidades que restringiram a venda de bebidas
alcoólicas em bares depois das 23h (a velha lei seca). Para ser preciso,
10% mais do que na média da RMSP. Em sua tese de doutorado defendida no
departamento de economia da PUC-Rio, Daniel Cerqueira, aquele que
desmascarou as estatísticas de homicídio do Rio na era Cabral, mostrou
que o estatuto do desarmamento explica outros 8% da queda em São Paulo.
Tenho orgulho de dizer que a tese foi orientada por mim e pelo Professor
Rodrigo Soares.
O Estatuto do Desarmamento? Seria aquele
mesmo que, curiosamente, também só produziu efeitos em São Paulo, mas
não no resto do Brasil? São Paulo é hoje a capital com menos homicídios
no país por 100 mil habitantes sem restrição para o horário de
funcionamento dos bares. E pare com essa bobagem de ficar elencando
pessoas e instituições com as quais eu seria ideologicamente afinado.
Isso é uma tentativa tosca de exibir a sua isenção ideológica, o
que absolutamente não é do meu interesse.
Isso
significa que os governos do PSDB não contribuíram em nada? Não! Ainda
há pelo menos 50% da queda nos anos 2000 para ser explicada.
Corresponde, aproximadamente, a quanto o crime caiu mais em SP do que no
resto do país. Só não temos ciência para isso ainda. Entre os
cientistas, blogueiro, só se fala com ênfase quando há evidência
cientifica. Entre os apedeutas arrogantes, fala-se sempre com ênfase.
Você já expôs os caminhos de sua seriedade
científica. Reproduziu, melhor do que eu faria, como chegou à conclusão
de que o Bolsa Família responde por 21% na redução da violência. Só não
consegue explicar por que o mesmo fenômeno não se repete nos outros
estados. Esse é um arcano que guarda só para si mesmo. Afinal, é coisa
complicada demais para ser compreendida por não cientistas e blogueiros…
Posso
especular. De novo, ESPECULAÇÃO, para não fazer vigarice intelectual. O
crime caiu mais acentuadamente em SP porque as condições eram
favoráveis. Entre elas, policiamento e vontade de combater o crime.
Suspeito, por exemplo, que o efeito pronunciado do estatuto do
desarmamento em SP se deve ao fato de que o Estado já combatia a posse
ilegal muito antes de dezembro de 2003. O estatuto legal melhorou o
combate, provavelmente. Mas, de novo, não tenho ciência sobre isso.
Apenas especulação.
Por fim, duas informações. A primeira por transparência. O estudo foi
pago pelo Banco Mundial, uma instituição cheia de petistas
(parafraseando um procurado pela Interpol que provavelmente se aliará ao
PT em SP). Segunda informação: sou DOUTOR em economia pela Stanford
University, esse bastião comunista. Entre a Hoover Tower e o Médio Gávea
devo ter sido contaminado pelos petistas. Deve ter sido no Baixo Gávea,
aquele antro de comunas. O Rodrigo Soares é DOUTOR em economia pela
University of Chicago. Sem mais comentários. A Laura Chioda deve ser a
espiã petista. Afinal, é DOUTORA em economia pela University of
California, Berkeley, aquele antro de desviantes sociais (além de alguns
prêmios Nobel, em economia e outras ciências menos controversas). De
resto, você pode encontrar na minha página web os links para meu CV e
para o artigo, caso você queira se importunar. É só colocar Joao Manoel
Pinho de Mello no google.
Atenciosamente,
João Manoel Pinho de Mello
PhD em economia, Stanford University, 2005
Professor Associado, Departamento de Economia, PUC-Rio
Quem leu o primeiro texto que escrevi sabe
que não inferi, em nenhum momento, que o Mané de Stanford fosse de
esquerda, petista ou sei lá o quê. Até porque a PUC do Rio nem é o
melhor lugar para prosperar com essas convicções. Os esquerdistas não
têm, reitero, o monopólio do equívoco, não! Só os idiotas, diga-se,
diriam que um programa como o Bolsa Família é coisa de esquerdistas.
Eis
aí a resposta que o professor disse que eu estava com medo de publicar.
Fala por si mesma. Como se pôde notar, arrogante e agressivo é Reinado
Azevedo, não é? Ele dialoga com suavidade. Sugiro que os governos façam o
seguinte: invistam em segurança pública, em policiamento preventivo, em
policiamento comunitário, em ronda escolar, na prisão de bandidos etc. E
também distribuam Toddynho para os jovens entre 15 e 30 anos. Aí o Mané
de Stanford — sempre ciente de que outros fatores podem concorrer para a
queda da violência — vai estudar a importância do Toddynho na queda da
violência. Poucos chegaram ao fim do texto, sei disso. Lamento. Era
necessário.
Eu
não tenho dúvida de que ele é mais hábil comendo bombom do que pensando.
Ah, sim, professor: peça a seus amigos que parem de pedir a minha
cabeça à VEJA. Ao menos não tentem fazer isso no meu blog, né? QUE
DESELEGANTE!!!
Água morro abaixo, fogo morro acima e liberal com vontade de bombom oficialista, queridos, ninguém segura!
E só
pra arrematar: ao exibir as suas credenciais liberais, transformar em
ciência o puxa-saquismo e ainda me acusar de ser obcecado pelo PT, o
Mané de Stanford está cuidando da própria carreira. Cai nas graças do
petismo, não fica mal com seus amigos liberais e ainda declara a
independência da ciência. Ele já é meu candidato a uma diretoria
qualquer no Ipea…