Uma empresa de consultoria de capital social de R$ 1.000 repassou R$
2,47 milhões à vista em uma conta bancária usada para lavar dinheiro
para um lobista do PMDB, segundo depoimento do próprio destinatário da
suposta propina, Flávio Calazans de Freitas.
Em seu acordo de
delação premiada com a Lava Jato, homologado por Sergio Moro, ele diz
que, em 2014, durante a campanha eleitoral, recebia valores a mando do
lobista Milton Lyra. Para o Ministério Público, Lyra era "operador de
senadores do PMDB", como Renan Calheiros (AL), Eunício Oliveira (CE) e
Romero Jucá (RR). Os parlamentares negam qualquer irregularidade (veja
mais abaixo).
Calazans disse que repassava os recursos
depositados para contas indicadas por Lyra e outros dois empresários,
todos sob investigação.
Conforme o advogado declarou à
força-tarefa da Lava Jato, a empresa IGS pagou os R$ 2,47 milhões na sua
conta em 5 de setembro de 2014 para seu escritório de advocacia. Este
valor está em planilha apresentada por ele aos procuradores da
força-tarefa.
No mesmo ano de 2014, Calazans recebeu mais R$ 1,1 milhão de três empresas do grupo de plano de saúde Amil.
Nessa época, o Congresso aprovou duas medidas provisórias de interesse
dos planos de saúde, uma para perdoar multas das empresas e outra para
permitir o ingresso de capital estrangeiro no setor. Até onde se sabe,
os investigadores de Curitiba ainda não fizeram relação de causa e
efeito sobre esse caso, mas a norma já é investigada pelo Ministério
Público e a relação da Amil com essa medida provisória embasou uma das
denúncias da Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel
Temer.
Gigante entre os planos de saúde
A reportagem
visitou o prédio onde deveria estar instalada a IGS, no centro de
Luziânia (GO), no Entorno de Brasília, mas não encontrou placa nenhuma
da empresa.
De acordo com os registros da Receita Federal, a
consultoria está instalada numa sala de um prédio de três andares
chamado Centro Empresarial Maria Lucinda Leite.
No mesmo endereço e telefone, a Receita registra uma administradora de planos de saúde, a Aliança.
Criada pelo empresário fluminense Elon Gomes de Almeida, a Aliança
Benefícios é de propriedade da Qualicorp, de José Seripieri Júnior, uma
das gigantes do setor de operação de planos de saúde no país, da qual
Almeida foi sócio.
Em entrevista, Almeida disse que a IGS o
ajudou na venda de parte de sua empresa para a Qualicorp, que tem
"relação muito próxima" com a IGS, mas não é seu dono, e sim Arthur
Yuwao Uenoyama.
Waldemir Barreto/Agência Senado
Renan Calheiros (AL) e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (CE), ambos do PMDB
Almeida não disse por que a IGS está registrada no mesmo lugar em que
fica sua empresa. "Talvez tenha sido feito aproveitamento de espaço, as
divisões de espaço", afirmou.
"A IGS é empresa de consultoria
permanente, como se fosse uma empresa terceirizada que presta serviço
para a gente. Agora, quem ela pagou e por que pagou, eu não sei
explicar", continuou. "Eu faço pagamentos para a IGS todo mês. É uma
empresa que presta serviço para gente há mais de dez anos, 15 anos
talvez."
Almeida não soube explicar por que uma empresa de
capital social de apenas R$ 1.000 fez um repasse de R$ 2,47 milhões ao
advogado e delator Flávio Calazans.
No endereço indicado, estão
penduradas várias placas da Aliança, mas nenhuma da IGS. No primeiro
andar, há uma sala com uma secretária e vários arquivos. A funcionária
diz que o homem que responde perante a Receita como o dono da IGS,
Arthur Uenoyama, não aparece lá.
Funcionários da Aliança
indicaram que Uenoyama deveria ser procurado em outra empresa de
Almeida, a Victória Empreendimentos. Lá, os empregados disseram à
reportagem que Unenoyama é funcionário da firma e repassaram seu correio
eletrônico, vinculado ao grupo Aliança.
A reportagem enviou uma
mensagem, mas Uenoyama respondeu por um e-mail privado, no qual se
limitou a dizer que atua há 18 anos no setor imobiliário, e não de
saúde, e que não poderia revelar o motivo de pagar R$ 2,47 milhões à
vista para Calazans "em decorrência de cláusula de confidencialidade".
Possível caixa 2 investigado na Operação Acrônimo
Almeida disse à Polícia Federal que pagou R$ 2,6 milhões de caixa 2 à
campanha do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), por meio
de repasses em espécie e notas frias emitidas por suas empresas.
José Seripieri, seu sócio à época na Qualicorp, disse aos
investigadores que foi procurado pela mulher do governador, Carolina
Oliveira, durante a pré-campanha de 2014.
Segundo Seripieri, o
próprio Pimentel o apresentou a Benedito Rodrigues de Oliveira Neto
"como sendo uma pessoa de muita confiança de Pimentel" e disse que Bené
"iria cuidar da campanha" para o governo de Minas.
Dias depois, o
operador Bené teria solicitado dinheiro a Seripieri, que repassou o
caso a Almeida. Após negociações, eles repassaram dinheiro via caixa 2 à
campanha do PT de Minas, usando uma empresa chamada Support.
Almeida disse à reportagem que, no episódio entre a IGS Consultoria e
Calazans, não houve novas operações ilegais ou de caixa 2: "Isso não tem
nada a ver", afirmou.
Após serem procurados por telefone e
correio eletrônico por meio de sua assessoria de imprensa em duas
ocasiões, a Qualicorp e José Seripieri não responderam aos
questionamentos da reportagem.
Outro lado
As três
empresas ligadas à Amil não explicaram a que se deveu o valor de R$ 1,1
milhão repassado ao escritório de Calazans em 2014. O Hospital 9 de
Julho e a EGB 01 alegaram apenas que os contratos são feitos "nos termos
e limites da lei e do Estatuto da OAB", afirmaram ainda que o pagamento
se deu "para os fins dos serviços contratados". O Hospital das Clínicas
de Niterói não comentou o caso.
Renan Calheiros (PMDB-AL),
Eunício Oliveira (PMDB-CE), Romero Jucá (PMDB-RR), Jader Barbalho
(PMDB-PA) e Edison Lobão (PMDB-MA) têm negado quaisquer irregularidades
levantadas pela Operação Lava Jato. A assessoria do presidente do Senado
afirmou que Eunício "não tem relação alguma com o empresário Milton
Lyra". "Assim sendo, não houve nem haveria espaço algum para que se
tratasse de tais temas, desconhecidos também pelo senador", continuou.
Renan tem dito que conhece Lyra, mas não fez negócios com o lobista e
com outros investigados na Lava Jato, como o operador Jorge Luz. "Essa é
uma história requentada, inventada por gente que gostaria, mas não tem
acusações a me fazer", disse, por meio de assessoria, à revista "Istoé".
O advogado de Edison Lobão, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay,
afirmou que ele "não tem relação pessoal ou comercial com as pessoas
citadas". Afirmou ainda que o ex-ministro das Minas e Energia "está à
disposição da Justiça para quaisquer esclarecimentos". O gabinete de
Jader e a defesa de Jucá não prestaram esclarecimentos.
A
assessoria de Milton Lyra foi procurada duas vezes. Na primeira, disse
que ele "refuta com veemência qualquer interpretação equivocada de fatos
e mentiras a seu respeito, fruto de pessoas com mentes criativas para
tentar isentarem-se de responsabilidade penal por ilícitos por elas
praticados". Na segunda, também não explicou os pagamentos a Calazans e
suas declarações à força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
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