segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Procuradoria denuncia Lula, Marcelo Odebrecht e outros nove por cinco crimes

Para investigadores, grupo montou um esquema criminoso para garantir a liberação de financiamentos do BNDES para obras em Angola 
Julia Affonso, Fausto Macedo, Ricardo Brandt e Fábio Fabrini
Estadão
Lula. 
Foto: Fernando Donasci/Reuters 
O Ministério Público Federal denunciou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o empresário Marcelo Odebrecht – pelos crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e organização criminosa. A acusação contra 11 investigados foi enviada à Justiça Federal nesta segunda-feira, 10. 
Segundo a Procuradoria da República, no Distrito Federal, ‘as práticas criminosas ocorreram entre, pelo menos, 2008 e 2015 e envolveram, segundo o Ministério Público Federal, a atuação de Lula junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outros órgãos sediados em Brasília com o propósito de garantir a liberação de financiamentos pelo banco público para a realização de obras de engenharia em Angola’. 
Os trabalhos foram executados pela Construtora Odebrecht que – em retribuição ao fato de ter sido contratada pelo governo angolano com base em financiamento para exportação de serviços concedida pelo BNDES –, repassou aos envolvidos, de forma dissimulada, valores que, atualizados, passam de R$ 30 milhões.
No caso de Lula, a denúncia separa a atuação em duas fases: a primeira, entre 2008 e 2010, quando ele ainda ocupava a presidência da República e, na condição de agente público, praticou corrupção passiva.
E a segunda, entre 2011 e 2015, já como ex-mandatário, momento em que cometeu tráfico de influência em benefício dos envolvidos. Além disso, o ex-presidente deve responder por lavagem de dinheiro, crime que, na avaliação dos investigadores, foi praticado 44 vezes e que foi viabilizado, por exemplo, por meio de repasses de valores justificados pela subcontratação da empresa Exergia Brasil, criada em 2009 por Taiguara Rodrigues dos Santos, “sobrinho” de Lula e também denunciado na ação penal.

Outra constatação é a de que parte dos pagamentos indevidos se concretizou por meio de palestras supostamente ministradas pelo ex-presidente a convite da construtora. Nesse caso, a contratação foi feita por meio da empresa LILS Palestras, criada por Lula no início de 2011, menos de dois meses depois de deixar a presidência.
Na ação, os procuradores da República Francisco Guilherme Bastos, Ivan Cláudio Marx e Luciana Loureiro Oliveira – que integram o grupo de trabalho responsável pelas investigações – explicam que as palestras foram o foco inicial da apuração. “Apesar de formalmente justificados os recursos recebidos a título de palestras proferidas no exterior, a suspeita, derivada inicialmente das notícias jornalísticas, era de que tais contratações e pagamentos, em verdade, prestavam-se tão somente a ocultar a real motivação da transferência de recursos da Odebrecht para o ex-Presidente Lula”, destaca um dos trechos do documento.

Além do ex-presidente, de Marcelo Odebrecht e de Taiguara integram a lista de denunciados José Emmanuel Camano Ramos, Pedro Henrique de Paula Schettino, Maurício Bastianelli, Javier Chuman Rojas, Marcus Fábio Souza Azevedo, Eduardo Alexandre de Athayde Badin, Gustavo Teixeira Belitardo e José Madureira Correia. Na ação, os procuradores explicam que a apresentação da ação penal não significa o fim das investigações.
A apuração continua – tanto no caso dos empreendimentos feitos em Angola e da participação da empresa Exergia Portugal na organização criminosa – como em relação a outros empréstimos liberados pelo BNDES no âmbito do financiamento para exportação de serviços. O programa beneficiou vários países da África e da América Latina e, além da Odebrecht, teve obras executadas por outras construtoras. Ao todo, outros cinco procedimentos investigatórios estão em andamento na Divisão de Combate à Corrupção (DCC) na unidade do MPF no Distrito Federal.

Entenda o caso
As investigações começaram em julho de 2015, quando o Ministério Público Federal instaurou um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) para apurar suposta destinação de vantagens econômicas por parte da Odebrecht ao ex-presidente Lula, como contraprestação ao fato de ele ter viabilizado vários empréstimos externos. Em um primeiro momento, a apuração se concentrou no período de 2011 a 2015, com Lula já na condição de ex-mandatário do país. No entanto, posteriormente, o período foi ampliado, alcançando o ano de 2008. Outra providência adotada pelos investigadores foi a solicitação de abertura de inquérito policial, o que aconteceu em dezembro de 2015.
Por uma questão estratégica, as investigações policiais se concentraram em desvendar a forma como se deu a liberação e as circunstâncias dos empréstimos que viabilizaram a realização de obras pela Odebrecht em Angola. É que, na comparação entre 10 países beneficiados por financiamentos do BNDES, Angola foi o que celebrou o maior número de contratos no período, recebeu o maior volume de dinheiro, teve o menor percentual de juros e onde foi verificado um dos menores prazos médios de concessão dos empréstimos.
Uma vez instaurado, o inquérito policial partiu das informações e de documentos já reunidos pelo MPF no âmbito do PIC, aprofundando, em seguida, as investigações.
Também chamaram a atenção dos investigadores algumas evidências levantadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do BNDES, como a existência de vinculações comerciais entre a Odebrecht e a empresa Exergia Brasil, de Taiguara Rodrigues dos Santos que, “embora não tivesse qualquer experiência prévia no ramo de engenharia”, firmou, de forma repentina, 17 contratos para prestar serviços complexos à Odebrecht, justamente nas obras realizadas em Angola a partir do ano de 2011. Pelos supostos serviços, a empresa de Taiguara recebeu da Odebrecht, entre 2009 e 2015, R$ 20 milhões.

Na ação, os procuradores destacam que, ainda no início do esquema, foram cooptados empresários e funcionários da Exergia Portugal. Com a promessa de subcontratações, essa empresa concedeu a Taiguara, “de maneira praticamente gratuita”, uma filial no Brasil. Além disso, passou a bancá-lo, antes mesmo que fosse contratado no processo de terceirização promovido pela Odebrecht.
Nesse período, o “sobrinho” do ex-presidente recebeu, segundo as investigações, R$ 699 mil a título de despesas de viagens internacionais. Posteriormente, o repasse passou a ter o caráter de “pro labore”, cujo valor era de US$15 mil mensais, totalizando ao menos US$ 255 mil dólares.

Provas coletadas
A análise de documentos e de materiais apreendidos na chamada Operação Janus, realizada em maio de 2016 por ordem judicial, além de vários depoimentos, permitiram aos investigadores constatar e comprovar a participação de cada um dos envolvidos no esquema criminoso. No caso do ex-presidente, lembram os procuradores da República que, além de assentir na criação da Exergia Brasil, ele “supervisionou todo o processo de captação de contratos” por Taiguara junto à Odebrecht, seja aconselhando o “sobrinho” sobre os negócios em Angola, seja apresentando-o a empresários e autoridades estrangeiras nas visitas realizadas àquele país ainda em 2010.
Apenas nesse ano – último do mandado presidencial de Lula, o BNDES aprovou oito contratos em favor da Odebrecht que, juntos, somaram US$ 350 milhões. As concessões continuaram nos anos seguintes, quando a empresa firmou outros 22 contratos que chegaram a US$ 2 bilhões.

Como prova da existência e do esquema criminoso, o MPF encaminhou à Justiça documentos como e-mails trocados entre os envolvidos, fotos que registraram encontro do ex-presidente com o sobrinho e empresários em Angola, além de registros que confirmam a participação, em 2010, do então presidente em uma reunião da Diretoria de Administração do BNDES, oportunidade em que “por orientação do presidente Lula”, ficou decidido que o banco público elaboraria uma agenda de ações para o período de 2011 a 2014. “Ao findar o mandato de presidente da República em dezembro de 2010, Lula deixou criadas as bases institucionais, no âmbito do BNDES, para que tivesse continuidade, nos anos seguintes, o esquema de favorecimento, mediante financiamentos internacionais, a empresas ‘escolhidas’ para exportação de serviços a países da África e América Latina”, reitera um dos trechos do documento enviado à Justiça.
Na ação, os procuradores frisam que, pela atuação em favor da construtora, o ex-presidente aceitou, além da remuneração pelas palestras, outras vantagens indiretas que incluíram pagamentos de despesas pessoais de seu irmão José Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico. Como exemplos de contas que foram arcadas pelas empresas Exergia Brasil, a ação menciona mensalidades de plano de saúde e despesas com combustíveis (10 mil reais em plano de saúde, ao menos, e, pelo menos, 10 mil reais em posto de combustível). Outros indícios de que os envolvidos agiram para ocultar a origem dos recursos foi a descoberta de inúmeros saques em espécie realizados pelos funcionários da Exergia Brasil (mais de R$ 1 milhão) e pela T7Quatro (mais de R$ 160 mil), ambas de Taiguara.
Os pedidos
O principal pedido do MPF é para que os envolvidos respondam, na medida da participação de cada um, aos crimes enumerados na ação, com os respectivos agravantes. No caso do ex-presidente, as penas máximas somadas chegam a pelo menos 35 anos de reclusão, além de multa. Já o empresário Marcelo Odebrecht, se condenado, poderá pegar ao menos 30 anos de prisão. 
Veja a lista completa dos denunciados e os respectivos crimes imputados pelo MPF:
Luiz Inácio Lula da Silva – Organização criminosa, lavagem de dinheiro, tráfico de influência, corrupção passiva
Marcelo Bahia Odebrecht – Organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção ativa

Taiguara Rodrigues dos Santos
 – Organização criminosa, lavagem de dinheiro

José Emmanuel de Deus Camano Ramos – Organização criminosa, lavagem de dinheiro

Pedro Henrique de Paula Pinto Schettino – Lavagem de dinheiro

Maurizio Ponde Bastianelli – Lavagem de dinheiro

Javier Chuman Rojas -– Lavagem de dinheiro

Marcus Fábio Souza Azevedo – Lavagem de dinheiro

Eduardo Alexandre de Athayde Badin
 – Lavagem de dinheiro

Gustavo Teixeira Belitardo – Lavagem de dinheiro

José Mário de Madureira Correia 
– Lavagem de dinheiro 

10 Outubro 2016

Ganho no topo é 4 vezes maior que o da iniciativa privada

A chamada “elite do funcionalismo público”, carreiras com supersalários na máquina estatal, não apenas ganha mais do que outras categorias do funcionalismo público com formação semelhante. Ela também recebe bem mais que funções com formação correlata na iniciativa privada.
Essa é outra conclusão do levantamento realizado pelo economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), com base em dados das declarações de imposto de renda, divulgados pela Receita Federal.
Em sexto lugar no ranking das dez categorias mais bem remuneradas no País está o advogado do setor público, como o procurador de Fazenda. A função tem rendimento médio anual na casa de R$ 284 mil. Isso quer dizer que o ganho dessa carreira é praticamente o dobro do declarado por advogados do setor privado, cujo rendimento médio anual é de R$ 143 mil.
Comparados aos ganhos dos integrantes do Ministério Público, que também têm formação em Direto e recebem quase R$ 530 mil, e dos juízes, que ganham R$ 512 mil, o rendimento para atividades com formação similar chega a ser quatro vezes maior no setor público.
“Não surpreende que membros dos poderes ditos independentes aparecem entre os profissionais brasileiros mais bem remunerados, porém, pode surpreender um pouco a enorme distância que eles guardam contra os demais servidores públicos e profissionais do setor privado: em outras economias não devem aparecer diferenciais tão expressivos”, diz.
Em sétimo lugar estão os servidores de carreira do Banco Central, da Comissão de Valores Mobiliários e da Superintendência de Seguros Privados, com rendimento de praticamente R$ 270 mil, na média, por ano. O servidor das carreiras de auditoria fiscal e de fiscalização está em oitavo lugar, com rendimento médio anual de R$ 265 mil.
As duas categorias estão seis posições e cerca de R$ 100 mil à frente da próxima atividade pública listada no ranking: o servidor de carreira do Poder Legislativo, que recebe, em média, por ano, cerca de R$ 165 mil, e aparece como 14.ª atividade mais bem remunerada entre as declaradas no imposto de renda.
O próximo da lista com atividade pública, na 18.ª posição, é o professor universitário. Tem ganho médio anual de R$ 157 mil – quase um terço do salário médio de um juiz, mas 81% a mais que a média entre os brasileiros que declaram renda. / A.S. DO ESTADÃO

Elite estatal ocupa 6 das 10 profissões mais bem pagas

Entre as dez categorias profissionais mais bem remuneradas do País, seis fazem parte da chamada elite do funcionalismo público – como promotores, procuradores e juízes – e uma tem concessão pública, o dono de cartório. Em outras palavras, sete das atividades profissionais mais rentáveis do Brasil estão associadas à estrutura estatal.
O ranking foi elaborado pelo pesquisador José Roberto Afonso, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). A sua base de dados é oficial: o relatório “Grandes Números”, divulgado recentemente pela própria Receita Federal a partir de declarações de imposto de renda pessoa física de 2015, com valores de 2014.

Funcionalismo público

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A categoria recordista em ganhos é o titular de cartório, atividade híbrida entre o público e o privado. Na média, o rendimento anual apresentado na declaração do imposto de renda do dono de cartório fica em R$ 1,1 milhão. Um detalhe que impressiona é o nível de concentração de riqueza nessa camada. Os ganhos dos 9.409 donos de cartórios somam quase R$ 11 bilhões. A cifra é equivalente ao resultado de grandes conglomerados empresariais, como a cervejaria Ambev, que tem lucro anual R$ 12 bilhões.
Na sequência, em segundo, terceiro e quarto lugares, bem como sexto, sétimo e oitavo, entre os recordistas de ganhos estão carreiras típicas do Estado.
Promotores e procuradores do Ministério Público ganham anualmente, em média, quase R$ 530 mil. Juízes e integrantes dos tribunais de contas, mais de R$ 512 mil. Diplomatas, R$ 332 mil, na média, por ano.
Aqui cabe uma ressalva. Como lembra o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), as declarações de imposto de renda reúnem informações sobre a camada mais privilegiada da população que não se encontram em outras fontes. “A declaração dá uma radiografia das pessoas de renda mais elevada e vários trabalhos recentes só foram possíveis após a divulgação e o cruzamento de dados da Receita Federal”, diz Appy.
O relatório atual traz informações de 27 milhões de pessoas, distribuídas em 133 categorias profissionais. O rendimento do conjunto, no agregado, soma R$ 1,4 trilhão por ano. Ao fazer uma divisão simples do bolo, o pesquisador Afonso chegou à conclusão de que a fatia da população brasileira que declara imposto de renda ganha, na média, por ano, R$ 87 mil. Detalhe: 58 categorias recebem acima desse valor e 77, abaixo disso.
Nessa ótica, promotores, procuradores, juízes e integrantes de tribunais de contas recebem cerca de seis vezes mais que a média dos declarantes de imposto de renda no País.
Afonso atribui a disparidade, entre outras razões, à dinâmica do orçamento e dos gastos entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário: “A crise fiscal atual revela que o debate das dificuldades está concentrado no poder Executivo, enquanto os demais poderes seguem gerindo as suas folhas salariais e os seus orçamentos como se nenhuma crise estivesse ocorrendo no País”, afirma. “Reajustes fortes têm sido dados para essa elite do setor público, enquanto a imensa maioria dos servidores públicos não é tão beneficiada.” 
Empresários e altos executivos têm rendimento isento
Três categorias do setor privado estão entre as dez com maior rendimento, segundo dados de declarações do imposto de renda: médico, com R$ 305 mil por ano, em média (5º lugar), piloto de avião, com R$ 253 mil (9º) e atleta, com R$ 219 mil (10º). Segundo o pesquisador José Roberto Afonso, autor do levantamento, há uma razão para explicar a ausência de uma categoria que, todos intuem, está entre as campeãs de ganhos, donos e altos executivos de empresas. 
Parte dos ganhos dessa categoria enquadra-se como rendimento não tributável, como lucros e dividendos. Cerca de 707 mil dirigentes e executivos ganham R$ 214 bilhões que são isentos. Outra parcela recebe como pessoa jurídica. 

Por causa disso, na lista de ganhos sujeitos a tributação na pessoa física, o dirigente de empresa aparece em 30º lugar, com ganho médio anual de R$ 138 mil. Afonso reforça que essa categoria é ampla e diversa. Inclui o presidente de uma multinacional, o dono de uma loja de ferragens e o profissional “contratado” como empresa, porque cresce a chamada “pejotização”. Segundo Afonso, altos executivos devem, sim, estar entre os dez mais bem pagos do País, mas mesmo que fosse possível definir em que posição, não alteraria a predominância das funções públicas na lista das mais rentáveis. DO ESTADÃO