Lula já é o candidato do PT à Presidência em 2014. Mas como se chegou a isso tão rapidamente? Vamos ver.
“Asseguro que o ministro Palocci está dando todas as explicações necessárias. Espero que esta questão não seja politizada (…). Quero reiterar que o ministro Palocci dará todas as explicações para os órgãos de controle, inclusive para o Ministério Público será dado nos próximos dias.”
A fala é da presidente Dilma Rousseff nesta quinta. Pois é. Como é que uma presidente da República espera que o seu milionário ministro da Fazenda, cujo patrimônio cresceu 19 vezes em quatro anos (multiplicou-se 20 vezes, só para não confundir a matemática homoafetiva de Fernando Haddad..), não seja uma questão política? Como se despolitiza um assunto desses? Os verbos também vão se acotovelando, coitados, tentando encontrar a sua melhor expressão: ora Palocci “está dando” as explicações necessárias, ora “dará”…
Perguntem ao caseiro Francenildo se ele consegue ou não explicar seu patrimônio. Se não explicou por bem, como se viu, teve de explicar por mal, certo? Segundo a Caixa Econômica Federal, a ordem para quebrar seu sigilo bancário partiu do gabinete de Palocci.
O Brasil inteiro ficou sabendo quem depositou dinheiro na conta de Francenildo, que era só um cidadão comum, um, como dizer?, homem privado. Mas é um segredo guardado a cada vez menos chaves quem depositou dinheiro na conta de Palocci quando ele era deputado, assessor de candidata e depois de presidente eleita. Um homem público! Só nos meses de novembro e dezembro do ano passado, Dilma já formando o governo, seu agora ministro da Casa Silva recebeu 333,33 vezes o que foi depositado na conta de Francenildo. O Siafi se interessou pelo caseiro, mas não pelo dono da casa; ficou curioso sobre a conta do “cavalgado”, mas não do “cavalcante”…
Palocci “está dando” e “dará” todas as explicações porque, de fato, as ditas-cujas precisam ser inventadas.
Como sabem os leitores, nunca cheguei a ser um admirador entusiasmado dos eloqüentes silêncios de Dilma. Sempre me pareceu, como atestam os arquivos, que ela não falava porque não tinha o que dizer, de sorte que o mutismo se confundia com profundidade. João Santana captou um certo fastio com o estilo Lula, aquela parolagem sem fim, os auto-elogios sem medida nem decoro, o chute, a improvisação… Mais: se, nele, aquela bobajada toda pegava bem porque, afinal, protegido pelo preconceito que nutrem os bem-pensantes (”ele é do povo; tem direito de ser ignorante”), a “presidenta” teria de percorrer outra trilha. Não teria as mesmas licenças nem os mesmos benefícios.
E se criou, então, a imagem da “rainha encastelada”, vivendo uma intensa vida interior, severa nos hábitos, implacável na cobrança, técnica nas escolhas, econômica nas falas, decorosa no trato das coisas da política. Os súditos poderiam até brigar e se desentender por isso ou por aquilo, mas sempre sabendo que uma soberana zelava por eles. A construção funcionou por algum tempo. Mas começou a trincar.
O primeiro elemento que passou a exigir de Dilma que fizesse o que ela não sabe porque nunca fez — POLÍTICA — foi a inflação. Mas também esta não era, e não é, um problema em si. É fator da equação macroeconômica para a qual os petistas, hoje, não tem resposta. Um político já teria buscado alguma forma de interlocução com a tal sociedade. Dilma está quieta e garante: “O governo será implacável com a inflação”. Certo. Sabemos. Mas é só isso?
A crise na infraetrutura e as dificuldades que o país atravessa para realizar as obras para a Copa do Mundo de 2014 também passaram a exigir da “governanta” uma palavra de orientação, de confiança, de segurança. Nada! A suposta “superministra” do governo Lula, no comando do Executivo, parece aparvalhada, mesmerizada pelo gigantismo e pela ineficiência da máquina pública, tomada pelos companheiros. A melhor idéia que o conseguiu ter o governo foi relaxar os mecanismos de vigilância e apuração de eventuais irregularidades nas obras públicas. Vale dizer: responde-se à incompetência liberando-se as forças produtivas da lambança.
Esses dois elementos, que caracterizam a incapacidade de um governo de demonstrar liderança, lançaram a suspeita, bastante fundada, de que Dilma era mais fama do que proveito. De fato, amplos setores da imprensa deixaram-se encantar por duas escolhas iniciais da presidente, bastante óbvias, que pareciam acenar com uma nova aurora: mudou um tanto a pusilânime posição do governo brasileiro em relação ao Irã e resolveu congelar o projeto “franklinstein” de controle da mídia. Era, como se nota, pouco para segurar por muito tempo a reputação.
Veio, então, a voragem que colheu Palocci, o primeiro-ministro do governo, e se descobriu o óbvio: sem liderança política, e Dilma não a tem, nada feito! Os desastres protagonizados pelo governo e pelo PT na votação do Código Florestal evidenciaram um governo sem eixo. Como emblema do desacerto, há a declaração de Candido Vaccarezza, segundo quem a presidente considerava a emenda patrocinada pelo aliado PMDB, partido do vice-presidente, “uma vergonha”. Isso dito por uma presidente reclusa, frágil o bastante para suportar os rigores do ar-condicionado do Palácio do Planalto.
Sem líder, com líder
Evidenciava-se um governo sem liderança política. Aquele que podia fazer as vezes de governante terreno — Palocci — está ocupado demais tentando se defender para conseguir defender a gestão. É um pato manco. Se é assim, então é hora de tirar do banco aquele que Gilberto Carvalho chama “o nosso [deles] Pelé”. Lula, que transitava no palco das celebridades e dos conferencistas milionários, reassumiu a política — e justamente numa costura com os caciques do PMDB, os mesmos que haviam aplicado uma surra no governo na votação do Código Florestal.
Nas conversas com Dilma e com Palocci, comportou-se como porta-voz das reivindicações dos peemedebistas; fez a enfática defesa do chefe da Casa Civil; tentou lançar o grito de guerra contra as oposições (nesse particular, sem muito sucesso até agora) e, sim, aconselhou que se deixasse pra lá agora essa história de kit gay. Mais um pouco, poderia dizer: “Há certos absurdos nestepaiz que eu só eu posso perpetrar porque gozo da inimputabilidade”.
Lula reassumiu perante o PT, o PMDB, a opinião pública e boa parte da administração, que lhe é fiel, o papel de presidente de fato. É, quando menos, o condestável da República. Reassume o lugar na política que sempre considerou seu — daí a sua irritação quando a imprensa insistia em apontar contradições entre o seu estilo e o de Dilma, entre as suas escolhas e as dela. “Como essa gente não reconhece que sigo sendo o chefe?”
Eleição 2012
E há, finalmente, o calendário a jogar a seu favor. As disputas municiais já estão na praça. O PT precisa de alguém que fale por ele, que estabeleça aquela luta habitual entre o bem e o mal, que faça o jogo do “nós” (o povo) contra “eles” (as elites). Quem? Dilma? Não! Ela não o fará porque não é de seu estilo e porque, está cada vez mais claro, a saúde não permite.
Gosto de lembrar algumas coisas que escrevi não para provar que eu estava certo, mas para evidenciar aos leitores que este blog tem balizas. Leiam trecho de um artig de 1º de março, que poderia ser escrito hoje porque o que se lê agora estava escrito desde sempre. Volto depois para encerrar.
Já escrevi aqui algumas vezes: Dilma vai precisar de mais contato com as massas. Não acredito que João Santana vá abrir mão da fantasia da “Soberana” que decide acima das paixões. Parte considerável da imprensa se apaixonou por essa construção, um misto, assim, de Elizabeth II com René Descartes. Ocorre que o PT precisa, como sabemos, de uma sociedade algo mobilizada - e, se Dilma não construir essa liderança popular, Lula vai ocupar o vácuo. A questão, no entanto, não está só no longo prazo. No curto e no médio, será preciso dialogar mais com a sociedade.
O governo já decidiu aumentar o valor do Bolsa Família. Isso tem um apelo importante para parte considerável do eleitorado petista, mas é pouco. Analistas os mais sensatos desconfiam que a situação fiscal do governo é pior do que parece e que a inflação vai incomodar por um bom tempo. E isso num cenário de crescimento menor. O corte no Orçamento, ainda que não se cumpra na dimensão desejada pelo governo, acena para um tempo de euforia menor. Será preciso, pois, aumentar a interlocução, estar mais presente, mobilizar mais os brasileiros.
Lula fazia isso com os pés nas costas, vociferando contra seus inimigos imaginários, internos e externos. Aquela performance, não tem jeito, Dilma não conseguiria reproduzir ou mesmo imitar sem que parecesse ridícula. Não dá para imaginá-la suarenta, sobre um palanque, olhos injetados, fazendo poesia sobre a mãe que nasceu analfabeta… Boa parte do discurso lulista, aliás, era, de fato, de um ridículo atroz, mas a inimputabilidade que conquistou lhe permitiu ir adiante. Permitiu, inclusive, que metesse a economia nessa razoável encalacrada - o que fez, segundo tanto se anunciou, em parceria com Dilma Rousseff.
Dilma cortou, sim, os gastos sociais e as obras do PAC - ao menos em relação ao que ia no Orçamento -, mas gente muito boa desconfia da eficácia da ação para desacelerar a economia e conter a inflação, o que deve chamar ao debate o Banco Central, que talvez tenha de controlar pela via monetária o que o governo não conseguirá fazer pela via fiscal. A razão é simples: a porrada de R$ 50 bilhões agora só esconde a continuada irresponsabilidade dos dois últimos anos. O que a estabilidade econômica ensinou - inclusive aos seis primeiros anos de governo Lula - é que disciplina fiscal é obra continuada.
Mais: o corte se dá sobre um estoque fabuloso de promessas. O Minha Casa, Minha Vida levou um facão de 40%. Atenção! Dilma tem ainda 2,8 milhões de casas para entregar até 2014. É claro que ela não vai cumprir a promessa. Também garantiu a construção de 5 mil creches. Não! Ela não vai conseguir. As UPAs eram mil; ela já deixou por 500, que também não serão feitas.
Uma coisa é não cumprir promessas - e Lula as descumpriu às pencas - num cenário de inflação baixa, juros moderados e crescimento de 7%; outra, um tantinho diferente, é descumpri-las com juros altos, pressão inflacionária e crescimento de 4%, 4,5% - sim, é um bom crescimento. Mas a euforia mesmo começa ali pelos 6%…
Dilma tem de encontrar um modo, adequado a seu perfil mais tímido, de cair nos braços do povo, de mobilizá-lo. O período da euforia acabou. Se estruturada, a oposição estaria com uma baita agenda pela frente, dada de bandeja pela bagunça fiscal de 2009 e 2010. Mas esse terreno ainda parece uma vasta solidão. Dilma precisa cair nos braços do povo porque um espectro ronda o governo.
Alguns dos auxiliares da presidente o chamam de “O Barba”.
Encerro
Dilma é aquela que foi sem nunca ter sido.