terça-feira, 14 de maio de 2019
Ao contar que nomeará ministro da Justiça para primeira vaga que abrir
no STF, talvez só daqui a um ano e meio, Bolsonaro está na certa
pensando mais no presente do que no futuro. Artigo de José Nêumanne,
publicado pelo Estadão:
Venho falando há tempo, mas não fico rouco.
Os ataques à Operação Lava Jato continuam. Desta vez tiraram o
Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) da alçada de
Sergio Moro, o que é considerado inconstitucional pelos juízes. Em
comentário, feito na sexta-feira 10 de maio, cantei a pedra e não deu
outra: seu pacote anticrime e anticorrupção foi sabotado e o presidente
Jair Bolsonaro viu, impotente, assustados, suspeitos, denunciados,
processados. condenados e seus representantes e representados no
Congresso tirarem o Coaf do Ministério da Justiça e voltar para o da
Economia.
Mudando de assunto, mas sobre o mesmo tema, o ataque à Lava Jato: no
meu artigo do dia 25 de março, Maia atira na reforma, mas mira na Lava
Jato, alertei para mais um golpe contra a Lava Jato: a restrição de dez
anos para três do prazo para a cobrança de indenizações. Esse julgamento
está sendo realizado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde 20 de
março e voltará na semana que vem. O relator, ministro Benedito
Gonçalves, concluiu que o prazo para indenizações deve ser limitado a
menos de um terço, três meros aninhos. Isso causa muita estranheza, para
não usar palavras mais fortes, pois a redução de prescrição é contra
entendimento já consolidado pelo STJ. E mais: os bastidores desse
julgamento revelam manobras nada republicanas. Só que com a Lava Jato
tentando avançar no Judiciário, é melhor esses ministros porem suas
barbas de molho. E nós, ó, lupa neles!
Moro só tem um jeito melhor do que ir ao Congresso, ou frequentar
comissões parlamentares de inquérito, que é tratar direto com o patrão: o
cidadão. Não se sabe se o ex-comandante da Lava Jato sabe disso, mas
tudo indica que o chefe dele sabe. Tanto sabe que correu depressinha
para avisar ao distinto público que manterá sua palavra e nomeará o
ainda subordinado para um cargo em outro Poder, o Judiciário – no caso, o
Supremo Tribunal Federal (STF). Essas histórias – do destino do Coaf e
das votações do STJ – têm implicações que devem ser descritas aqui,
tintim por tintim. Vamos a elas.
Quando Bolsonaro ganhou a eleição presidencial, entregou dois
superministérios a profissionais que nada tinham que ver com sua atuação
em 30 anos de política, quais sejam, o economista Paulo Guedes e o
magistrado Sergio Moro. Desde que começou na política publicando um
texto na revista Veja que poderia comprometer seu futuro como oficial no
Exército, o capitão foi para a reserva e partiu para a política com um
discurso que mais tinha que ver com sua carreira militar do que
propriamente com as teses clássicas comungadas pelo integralismo de
Plínio Salgado ou o desenvolvimentismo do regime autoritário
tecnocrático-militar proclamado em 1964 e endurecido em 1968.
Isso permitia que, como parlamentar, apoiasse algumas ideias dos
partidos de extrema esquerda, alinhados com o PT de Lula. Chegou a
elogiar, em entrevista ao Estado, o compadre do ex-petista Hugo Chávez. O
alinhamento não era automático, é claro. Quando Lula propôs uma reforma
da Previdência, ele ficou contra, mais sintonizado com ideias como a de
negar o rombo provocado pela má gestão das aposentadorias e pensões e
exigir do governo a cobrança das imensas dívidas de grandes empresas
para salvar o sistema do caos financeiro. O então deputado do baixo
clero não foi contaminado pela corrupção, adotada como método gerencial e
forma de enriquecimento pessoal pelo PT, por seus aliados (incluindo o
então PMDB de Temer) e até seus pretensos adversários (como o PSDB). Por
isso, foi escolhido para a Presidência da República pela maioria dos
cidadãos aptos a votar, superando os chefões das máquinas partidárias
que achavam que tinham garantido a sucessão presidencial.
Na campanha ele fez sua primeira grande autocrítica ao fazer do
economista Paulo Guedes, que chamou de “posto Ipiranga”, referindo-se à
campanha publicitária de sucesso da marca de derivados de petróleo. O
conservador em costumes passou, então, a empunhar a bandeira da economia
liberal. Juntamente com o discípulo dos economistas da Escola de
Chicago, ele, ainda no palanque, aderiu à pregação da necessidade da
reforma da Previdência como fórmula para resolver o imbróglio das contas
públicas e, assim, poder destravar a economia, afundada no lamaçal da
corrupção e da ineficiência nas quatro gestões reduzidas a três e meia
pelo impeachment de Dilma. Mesmo nunca tendo manifestado grande
entusiasmo pela plataforma, ao menos em teoria mudou da água para o
vinho em matéria de estabilidade econômica e austeridade fiscal.
Outro ministro que ele tirou do bolso do colete para fortalecer a sua
popularidade até o decisivo segundo turno e, depois do resultado final,
para compor o primeiro escalão foi o ex-juiz Sergio Moro, sagrado herói
nacional por haver comandado a Operação Lava Jato. Pode-se dizer que
Moro competia com ele em matéria de popularidade e poderia até ter sido
um concorrente à Presidência da República com possibilidade de vitória. O
capitão reformado do Exército e ex-deputado federal, porém, o convidou
para assumir um superministério, o da Justiça, com a inclusão da
Segurança Pública e da inteligência financeira, para servirem de base ao
pacote anticrime e anticorrupção, plano capital do ex-titular da 13.ª
Vara Federal de Criminal, em Curitiba. Afinal, Moro assinou as
condenações mais simbólicas da Lava Jato: a do empreiteiro Marcelo
Odebrecht, da fina-flor da burguesia nacional, e a do ex-presidente da
República mais popular do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Com esses
trunfos em seu currículo, o superministro passou a figurar como um
reforço político de peso para evitar que o barco do novo governo
soçobrasse. Só que um entrave que poderia ter sido previsto verteu água
no chope da vitória da dupla que parecia inflexível.
Era preciso combinar com os russos, como Garrincha advertiu a seu
Vicente Feola antes do jogo do Brasil contra a União Soviética no
Mundial de 1958. No fim, a seleção canarinha venceu os soviéticos e
terminou campeã do mundo. No torneio cotidiano da Praça dos Três Poderes
o buraco é mais embaixo, como reza o ditado popular.
Assim que tomou posse, Bolsonaro mandou para o Congresso a Medida
Provisória n.º 870/19, reduzindo o total de pastas ministeriais e
remanejando os órgãos de maneira a satisfazer aos dois mais importantes
ministros: o da recuperação da economia e o do combate à corrupção e ao
crime organizado. Mas a matemática institucional do Legislativo e a
prática partidária não refletiram a mesma maioria da eleição
presidencial. Os assustados, suspeitos, denunciados, processados e
condenados das duas cumbucas do Congresso Nacional se reuniram para
salgar o doce de Moro e Bolsonaro. E contaram com a ajuda de palacianos,
como o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, com seus aliados do DEM
Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e Davi Alcolumbre, do Senado. Também
não lhes tem faltado o líder do Senado no governo, Fernando Bezerra
Coelho, autor do “jabuti” que Moro tem mais dificuldade de engolir do
que a saída do Coaf de seu alcance: a proibição da colaboração de
auditores da Receita com procuradores em investigações de crimes de
colarinho-branco.
Da mesma forma que o Congresso massacrou rapidamente as 10 Medidas
Contra a Corrupção, da Lava Jato, na legislatura anterior, desta vez,
sob a regência do Centrão velho de guerra, os inimigos (todos secretos e
discretos) de Moro massacraram o herói popular sem dó nem medo de serem
felizes. A Bolsonaro restou, em entrevista à Rádio Bandeirantes, dizer
que cumpriria o compromisso de levar seu ministro para o Supremo
Tribunal Federal (STF). Quis afagar o subordinado para evitar uma súbita
defecção? Quis mostrar aos temerosos do martelo de seu parceiro que
ainda dispõe de tinta no tinteiro e chumbo nas impressoras do Diário
Oficial? A um ano e meio da aposentadoria de Celso de Mello, por
completar, então, a idade-limite de 75 anos, o anúncio precoce levou o
anunciado favorito a refugar. “Foi uma honra, mas não havia compromisso
nenhum”, disse Moro, em resumo. A resposta às perguntas deve ser as duas
numa só. A única lei que nunca muda na política, velha, nova ou real, é
esta: quem pode mais chora menos. E, como dizia o síndico Tim Maia,
quem não dança balança a criança. DO O.TAMBOSI