Josias de Souza
O
Nada escalou a tribuna da Assembleia Geral da ONU na manhã desta
terça-feira. Chama-se Michel Temer. Alguns dos presentes talvez tenham
tentado enxergá-lo. Perceberam que era inútil. O olhar atravessava o
Nada e ia bater no mármore ao fundo. Discursos como o que foi lido pelo
presidente são redigidos no Itamaraty. O ghost writer escalado pela diplomacia esforçou-se para dar a Temer a aparência de um orador invisível, que não causasse problemas a si mesmo. Exagerou.
Cenho imponente, o Nada soou taxativo sobre temas em relação aos quais sua opinião não tem a mais remota relevância: “Os recentes testes nucleares e missilísticos na Península Coreana constituem grave ameaça…”. E silenciou sobre uma questão que, por intrigante, os brasileiros e os líderes mundiais gostariam de ver respondida: por que diabos o Brasil abdicou do progresso para se consolidar como uma cleptocracia clássica?
Desdobando-se para realçar a inutilidade da fala que o redator-fantasma do Itamaraty acomodou-lhe nos lábios, Temer discorreu sobre armas nucleares —“Reiteramos nosso chamado a que as potências assumam compromissos adicionais de desarmamento”—, falou sobre Oriente Médio —“Amigo de palestinos e israelenses, o Brasil segue favorecendo a solução de dois Estados convivendo em paz e segurança”—, realçou a encrenca da Síria —“A solução que se deve buscar é essencialmente política” —, sem esquecer todos os demais conflitos que inquietam o planeta —“No Afeganistão, na Líbia, no Iêmen, no Mali ou na República Centro-Africana, as guerras causam sofrimentos intoleráveis.”
O Nada sugeriu à plateia um passeio incômodo: “Percorramos os campos de refugiados e deslocados no Iraque, na Jordânia, no Líbano, no Quênia. Ouçamos as histórias dos que perderam pais, mães, filhos, filhas. São famílias que foram tragadas pela irracionalidade de disputas que não parecem conhecer limites. De disputas que, com frequência inaceitável, se materializam ao arrepio do direito humanitário.”
O “mal do terrorismo”, o “crime transnacional”, as “violações dos direitos humanos em todo o mundo”, o “racismo, a xenofobia e todas as formas de discriminação”, os “refugiados da Venezuela”… O redator do Itamaraty fez do Nada um personagem capaz de falar de tudo, exceto da moralidade e da ética que seu governo sonega aos brasileiros. Sobre o Brasil, a propósito, Temer realçou dois temas: ecologia e economia. Disse meias-verdades sobre ambos, privilegiando a metade que é mentirosa.
“O Brasil orgulha-se de ter a maior cobertura de florestas tropicais do planeta”, realçou o redator do Itamaraty, antes de anunciar “a boa notícia de que os primeiros dados disponíveis para o último ano já indicam diminuição de mais de 20% do desmatamento naquela região.” Nenhuma palavra sobre o decreto que Temer editou, reescreveu, revogou e planeja reeditar para assegurar a exploração mineral numa área de reserva na Amazônia, a Renca. O vaivém sobre a matéria provocou gritaria local e internacional. Só por isso o lero-lero ambiental frequentou as preocupações do redator do Itamaraty.
“O Brasil atravessa momento de transformações decisivas”, declarou, de repente, o Nada. “Com reformas estruturais, estamos superando uma crise econômica sem precedentes. Estamos resgatando o equilíbrio fiscal”, acrescentou, alheio à recentíssima conversão da meta fiscal brasileira de rombo em cratera. “O novo Brasil que está surgindo das reformas é um país mais aberto ao mundo”, prosseguiu o Nada, sem se dar conta de que, voltando a Brasília, terá de negligenciar novamente a reforma da Previdência para priorizar a recompra na Câmara dos votos que garantirão o enterro da nova denúncia da Procuradoria.
Tomado pela densidade, o discurso de Temer na ONU pode ser definido como a insustentável leveza do nada. Observada pela utilidade, a fala do presidente brasileiro foi dinheiro do contribuinte desperdiçado numa viagem dispensável. Considerando-se a importância que o mundo atribuiu às palavras do redator do Itamaraty, o Nada conseguiu, finalmente, unir os brasileiros. Ateou em todos o mais profundo sentimento de vergonha. O vexame só não é insuperável porque Temer deve retornar à ONU em 2018.
Cenho imponente, o Nada soou taxativo sobre temas em relação aos quais sua opinião não tem a mais remota relevância: “Os recentes testes nucleares e missilísticos na Península Coreana constituem grave ameaça…”. E silenciou sobre uma questão que, por intrigante, os brasileiros e os líderes mundiais gostariam de ver respondida: por que diabos o Brasil abdicou do progresso para se consolidar como uma cleptocracia clássica?
Desdobando-se para realçar a inutilidade da fala que o redator-fantasma do Itamaraty acomodou-lhe nos lábios, Temer discorreu sobre armas nucleares —“Reiteramos nosso chamado a que as potências assumam compromissos adicionais de desarmamento”—, falou sobre Oriente Médio —“Amigo de palestinos e israelenses, o Brasil segue favorecendo a solução de dois Estados convivendo em paz e segurança”—, realçou a encrenca da Síria —“A solução que se deve buscar é essencialmente política” —, sem esquecer todos os demais conflitos que inquietam o planeta —“No Afeganistão, na Líbia, no Iêmen, no Mali ou na República Centro-Africana, as guerras causam sofrimentos intoleráveis.”
O Nada sugeriu à plateia um passeio incômodo: “Percorramos os campos de refugiados e deslocados no Iraque, na Jordânia, no Líbano, no Quênia. Ouçamos as histórias dos que perderam pais, mães, filhos, filhas. São famílias que foram tragadas pela irracionalidade de disputas que não parecem conhecer limites. De disputas que, com frequência inaceitável, se materializam ao arrepio do direito humanitário.”
O “mal do terrorismo”, o “crime transnacional”, as “violações dos direitos humanos em todo o mundo”, o “racismo, a xenofobia e todas as formas de discriminação”, os “refugiados da Venezuela”… O redator do Itamaraty fez do Nada um personagem capaz de falar de tudo, exceto da moralidade e da ética que seu governo sonega aos brasileiros. Sobre o Brasil, a propósito, Temer realçou dois temas: ecologia e economia. Disse meias-verdades sobre ambos, privilegiando a metade que é mentirosa.
“O Brasil orgulha-se de ter a maior cobertura de florestas tropicais do planeta”, realçou o redator do Itamaraty, antes de anunciar “a boa notícia de que os primeiros dados disponíveis para o último ano já indicam diminuição de mais de 20% do desmatamento naquela região.” Nenhuma palavra sobre o decreto que Temer editou, reescreveu, revogou e planeja reeditar para assegurar a exploração mineral numa área de reserva na Amazônia, a Renca. O vaivém sobre a matéria provocou gritaria local e internacional. Só por isso o lero-lero ambiental frequentou as preocupações do redator do Itamaraty.
“O Brasil atravessa momento de transformações decisivas”, declarou, de repente, o Nada. “Com reformas estruturais, estamos superando uma crise econômica sem precedentes. Estamos resgatando o equilíbrio fiscal”, acrescentou, alheio à recentíssima conversão da meta fiscal brasileira de rombo em cratera. “O novo Brasil que está surgindo das reformas é um país mais aberto ao mundo”, prosseguiu o Nada, sem se dar conta de que, voltando a Brasília, terá de negligenciar novamente a reforma da Previdência para priorizar a recompra na Câmara dos votos que garantirão o enterro da nova denúncia da Procuradoria.
Tomado pela densidade, o discurso de Temer na ONU pode ser definido como a insustentável leveza do nada. Observada pela utilidade, a fala do presidente brasileiro foi dinheiro do contribuinte desperdiçado numa viagem dispensável. Considerando-se a importância que o mundo atribuiu às palavras do redator do Itamaraty, o Nada conseguiu, finalmente, unir os brasileiros. Ateou em todos o mais profundo sentimento de vergonha. O vexame só não é insuperável porque Temer deve retornar à ONU em 2018.