terça-feira, 22 de agosto de 2017

Dilma virou garota-propaganda da privatização

Josias de Souza

Dilma Rousseff fez uma involuntária defesa da privatização da Eletrobras. Ela foi às redes sociais para dizer que a venda da estatal deixará o país “sujeito a apagões”. Declarou que “o consumidor vai pagar uma conta de luz estratosférica.” No era petista, Dilma foi xerife do setor elétrico. Nessa época, a Eletrobras frequentou o noticiário como caso de polícia e de incompetência gerencial. Assim, quanto mais Dilma se manifestar contra, maior tende a ser o apoio à privatização da Eletrobras.
Como ministra de Minas e Energia de Lula, Dilma transformou a Eletrobras num parque de diversões do PMDB do Senado. A Lava Jato mostrou que o partido de sarneys, renans, lobões e barbalhos saqueou a estatal. Como presidente da República, Dilma manteve a fuzarca. Em obras como a Hidrelétrica de Belo Monte, o PMDB dividiu as propinas com o PT.
Além da roubalheira detectada pela Lava Jato, a Eletrobras foi vítima do populismo de Dilma. Antes da eleição de 2014, madame promoveu uma redução artificial das contas de luz. Relegeu-se. Mas produziu um tarifaço pós-eleitoral e enfiou dentro do balanço da Eletrobras um prejuízo de algo como R$ 30 bilhões. Com esse histórico, as críticas de Dilma fazem dela uma espécie de garota-propaganda da privatização da Eletrobras.

Sem foro, Collor talvez dividisse cela com Cunha

Josias de Souza

Denunciado por corrupção em 20 de agosto de 2015, o senador Fernando Collor foi convertido em réu nesta terça-feira pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. Entre a formalização da denúncia e sua aceitação passaram-se dois anos e dois dias. Na ponta do lapis: a Suprema Corte levou 732 dias para atestar a consistência das acusações contra o senador. A sentença final não virá antes da abertura das urnas de 2018.
Denunciado no mesmo dia, Eduardo Cunha não teve a mesma sorte de Collor. Ex-presidente da Câmara, teve o mandato de deputado cassado em 12 setembro de 2016. No mês seguinte, foi recolhido a uma cela de Curitiba por ordem de Sergio Moro. Em 30 de março de 2016, Cunha já amargava sua primeira condenação. O juiz da Lava Jato sentenciou-o a 15 anos e 4 meses de cadeia.
Hoje, o presidiário Eduardo Cunha está na fila da delação premiada. E Fernando Collor continua usufruindo de todas as facilidades que o contribuinte é capaz de pagar a um senador da República. Não fosse pelo escuro do foro privilegiado do Supremo, Collor talvez já estivesse dividindo uma cela com Cunha, em Curitiba. Em vez disso, o senador sonha com um futuro igual ao do seu conterrâneo Renan Calheiros (PMDB-AL).
Acusado de pagar com propinas de uma empreiteira a pensão de uma filha nascida de relação extraconjugal, Renan virou réu em dezembro do ano passado. Passaram-se nove anos entre o início da investigação e a apreciação da denúncia. Houve prescrição de parte dos crimes. Sabe Deus quando Renan será julgado.
Na Lava Jato, a contabilidade da primeira instância registra 157 condenações. Juntas, somam 1.563 anos, 7 meses e 5 dias. No Supremo Tribunal Federal, não há vestígio de sentença. Repetindo: ninguém foi condenado. Não é sem motivo que os políticos entregam a alma para permanecer no paraíso da Suprema Corte.

Suspeição de Gilmar é toga justa para Cármen


Josias de Souza

O pedido de suspeição da Procuradoria-Geral da República contra Gilmar Mendes deixou Cármen Lúcia numa toga justa. Se enviar a peça ao arquivo, a presidente do Supremo Tribunal Federal fará tempestade num copo de veneno, atraindo para si as críticas dirigidas ao colega. Por sorte, a doutora encontra no regimento interno da Suprema Corte o melhor antídoto. Basta transferir a decisão para o colegiado.
Reza o regimento que, admitida a suspeição, Cármen Lúcia precisa ouvir Gilmar. Que repisará a tese segundo a qual o fato de ter sido padrinho de casamento de Beatriz Barata não o impede de livrar da cadeia o pai dela, Jacob Barata Filho. O noivo é sobrinho de Guiomar Mendes, mulher de Gilmar. Mas isso tampouco é motivo para que o ministro se declare impedido de atuar no caso. O pai do noivo, irmão de Guiomar e, por conseguinte, cunhado de Gilmar, é sócio de Jacob, o preso libertado. Mas e daí?
Por muito menos o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, declarou-se suspeito para julgar um habeas corpus ajuizado no Supremo pela defesa de Lula. Fachin tomou distância do processo sob a alegação de que era padrinho de casamento da filha de um dos advogados signatários da petição.
Em casos como o de Gilmar, o regimento do Supremo prevê que Cármen Lúcia pode ouvir testemunhas. Se achar desnecessário, a ministra poderá submeter a encrenca ao plenário. Parece trivial. Mas isso é algo que jamais aconteceu no Supremo. A transparência é a regra no serviço público. Porém, o regimento do tribunal prevê que são secretas as sessões para o julgamento de pedidos de suspeição contra seus ministros. Lastimável!
A petição do procurador-geral Rodrigo Janot no caso Barata não é a primeira investida contra Gilmar. O chefe do Ministério Público já havia colocado em dúvida a isenção do ministro no julgamento do habeas corpos que libertou o empresário Eike Batista. Juntos, os dois pedidos oferecem aos dez colegas de Gilmar a oportunidade para informar ao país de que matéria prima é feita o excelso pretório —se de corporativismo ou de interesse público.

Semipresidencialismo transformaria a semidesordem em avacalhação total



Josias de Souza

A penúltima novidade da política brasileira se chama semipresidencialismo. Mencionada de forma superficial, a proposta tem a consistência de uma nuvem de fumaça. Até onde a vista consegue alcançar, a ideia é enfraquecer o presidente eleito pelo povo e fortalecer o Congresso, que passaria a escolher um primeiro-ministro para cuidar dos negócios do Estado.
O brasileiro já teve a oportunidade de se manifestar sobre o parlamentarismo em dois plebiscitos, em 1963 e 1993. Em ambos, rejeitou a mudança. Nada impede que o tema seja rediscutido. Mas é preciso respeitar a inteligência da plateia. A primeira coisa a fazer é escancarar o fogo que se esconde atrás da fumaça.
Defendem a novidade o ministro Gilmar Mendes, adepto da política de celas vazias na Lava Jato; o presidente Michel Temer, acusado de corrupção; e investigados como Renan Calheiros e José Serra.
Participam da articulação os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Eunício Oliveira —respectivamente o Botafogo e o Índio nas planilhas da Odebrecht. Num ambiente assim, a implantação do semipresidencialismo parece coisa de quem deseja transformar a semidesordem que vigora no Brasil numa esculhambação completa. É melhor cumprir a Constituição do que modifica-la de qualquer jeito.

Após pilhagem, Eletrobras vai à bacia das almas

Josias de Souza

O governo decidiu colocar à venda um pedaço da Eletrobras. Demoroooooooou! Em junho de 2016, já lá se vai mais de um ano, o ministro Fernando Coelho Filho (Minas e Energia) já havia classificado a situação da estatal elétrica como “insustentável”. Estava claro que a companhia teria de vender ações para sair do buraco. O papelório será negociado na bacia das almas, num instante em que a situação fiscal do Estado brasileiro é ruinosa.
Na prática, a privatização já chegou à Eletrobras faz tempo. Negociada no balcão da baixa política, a estatal dedica-se há anos à satisfação dos interesses patrimonialistas do condomínio partidário que dá suporte legislativo ao Planalto. A empresa foi vítima do mesmo complô que levou a Petrobras à breca. Na era petista, sua ruína é obra do PMDB e do PT.
Hoje, a Eletrobras acumula uma dívida de R$ 50 bilhões. Na origem do problema estão três flagelos: a inépcia gerencial, o fisiologismo político e a corrupção. Para complicar, Dilma Rousseff ajudou a afundar a empresa ao impor em 2012 uma redução populista e artificial das contas de luz. Mal comparando, o governo fizera a mesma coisa na Petrobras, ao represar os reajustes dos combustíveis.
Graças à roubalheira, a Eletrobras foi captada pelo radar da Lava Jato. Apenas na construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte detectaram-se propinas de R$ 150 milhões. A cifra veio à luz em delações de executivos da Andrade Gutierrez. A dinheirama foi rachada entre PT e PMDB, metade para cada legenda.
São investigados em inquéritos relacionados à obras de Belo Monte figurões do PMDB: Romero Jucá (RR), Renan Calheiros (AL), Valdir Raupp (RO), Jader Barbalho (PA) e Edison Lobão (MA). A colaboração judicial do ex-senador petista Delcídio Amaral adicionou ao rol de encrencados os ex-ministros Erenice Guerra e Silas Rondeau, do governo Lula, e Antônio Palocci, dos governos Lula e Dilma.
Ironicamente, a Eletrobras é joia de uma área em que Dilma se vangloriava de reinar. Xerife do setor energético desde o primeiro mandato de Lula, madame jamais desapontou os políticos que tratam o público como privado. Em 2004, quando era ministra de Minas e Energia, Dilma fritou um respeitado presidente da Eletrobras, Luis Pinguelli Rosa, para acomodar na poltrona Silas Rondeau, afilhado político de José Sarney.
Em 2005, alçada à Casa Civil nas pegadas da queda do companheiro José Dirceu, Dilma endossou a indicação de Rondeau para substituí-la no comando da pasta de Minas e Energia. Dois anos depois, o afilhado de Sarney foi pilhado pela Polícia Federal na Operação Gautama. Acusado de receber envelope com propina de R$ 100 mil, Rondeau deixou o cargo. Substituiu-o, com o aval de Dilma, Edison Lobão, outro ministro da cota de Sarney.
Em 2010, eleita sucessora de Lula, Dilma manteve Lobão na Esplanada. Trocou-o mais tarde por outro senador do PMDB: Eduardo Braga (AM). Hoje, sob Michel Temer, o ministro é do PSB. Mas a Eletrobras continua sob a área de influência do PMDB do Senado. De modo que a privatização formal da estatal tende a reduzir amoralidade na esfera pública. Com duas vantagens: entrará algum dinheiro nos cofres do Tesouro. E os serviços tendem a melhorar.