O
convívio com a impostura é um velho hábito da Justiça Eleitoral. A
acintosa promiscuidade financeira das campanhas políticas tornou-se tão
‘normal’ no Brasil que as milionárias eleições presidenciais não
ocorreriam sem elas. O fenômeno nunca resultou em condenações porque o
TSE ainda não se lembrou de cumprir a lei. Aceita as fantasias
construídas pelas tesourarias dos comitês de campanha como se fossem
prestações de contas legítimas. E se abstém de cassar mandatos de
inquilinos do Planalto. A Lava Jato exigirá uma dose extra de cinismo
para manter a fantasia que historicamente substitui e camufla a
realidade.
Em ofício enviado ao TSE, Sérgio Moro adicionou
realidade na farsa. O juiz da Lava Jato não só insinuou que a Justiça
Eleitoral foi ludibriada como indicou o caminho que o TSE deve seguir
para comprovar que o PT lavou dinheiro de propinas na bacia das doações
eleitorais. Diante dos dados fornecidos pelo magistrado, o tribunal pode
interromper o ciclo de conivência ou manter o velho hábito do convívio
com a impostura.
O mapa da mina que Moro entregou ao TSE veio à luz em
notícia veiculada no site de
Veja,
na noite deste domingo. Nela, os repórteres Daniel Pereira e Felipe
Frazão contam que o magistrado anotou em seu ofício: “Destaco que na
sentença prolatada na ação penal 5012331-04.2015.404.7000 reputou-se
comprovado o direcionamento de propinas acertadas no esquema criminoso
da Petrobras para doações eleitorais registradas [na Justiça
Eleitoral].''
Neste processo mencionado por Moro, foram condenados
o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e o ex-diretor da Petrobras
Renato Duque, um preposto do petismo na
petrogatunagem.
Ofício endereçado por Sérgio Moro ao Tribunal Superior Eleitoral (reprodução do site de Veja)
Correm
no TSE quatro ações pedindo a cassação dos mandatos de Dilma e do
vice-presidente Michel Temer (veja no quadro do rodapé). Todas foram
protocoladas pelo PSDB. O tucanato acusa a campanha presidencial do PT
de abuso de poder político e econômico. Cita “gastos acima do limite''.
Menciona o “recebimento de doações oficias de empreiteiras contratadas
pela Petrobras como parte de distribuição de propinas.''
Arriscando-se
a ensinar reza a um vigário cego, Moro sugeriu ao TSE que interrogue
delatores da Lava Jato que confirmaram a conversão de propinas em
‘doações’ eleitorais oficiais e em caixa dois de campanha.
Escreveu
o juiz: “Saliento que os criminosos colaboradores Alberto Youssef,
Paulo Roberto Costa, Pedro José Barusco Filho, Augusto Ribeiro de
Mendonça Neto, Milton Pascowitch e Ricardo Ribeiro Pessoa declararam que
parte dos recursos acertados no esquema criminoso da Petrobras era
destinada a doações eleitorais registradas e não-registradas. Como os
depoimentos [da Lava Jato] abrangem diversos assuntos, seria talvez
oportuno que fossem ouvidos diretamente pelo Tribunal Superior Eleitoral
a fim de verificar se têm informações pertinentes.''
Acatando a
sugestão do juiz, o TSE pode, por exemplo espremer o doleiro Yousseff
para que ele detalhe o trecho de sua delação em que declarou que Dilma e
Lula tinham conhecimento do esquema criminoso na Petrobras.
O
tribunal pode também esmiuçar o depoimento do delator Ricardo Pessoa.
Dono da construtora UTC, o empreiteiro informou ter sido coagido pelo
petista Edinho Silva a repassar R$ 7,5 milhões desviados da Petrobras
para a campanha de Dilma. Deu-se na sucessão de 2014, quando Edinho,
atual ministro da Comunicação Social da Presidência, era tesoureiro do
comitê reeleitroal de Dilma.
Com algum esforço, pode-se enxergar o
lado bom da situação, mesmo que seja necessário procurar um pouco. O
Brasil vive um período excepcional de sua história. Advogados de Dilma
tentam evitar que o TSE utilize as informações recebidas de Moro.
Natural. Gente que plantou bananeira dentro dos cofres da Petrobras
poderá repetir a respeito das propinas que amealhou: “Calma, gente! É só
doação eleitoral registrada no TSE.”
Se essa gente for
cumprimentada por ministros aliviados da Corte eleitoral, o brasileiro
chegará a um melhor entendimento sobre a importância relativa da ética.
Acostuma-se a conviver com a lenda das eleições limpinhas pensando: “Na
Síria está pior.''