Os
países que integram o Mercosul e a Unasul anunciaram ontem a suspensão
do Paraguai dos dois organismos — até, ao menos, a realização de
eleições, previstas para abril. O Brasil lidera a pressão. Trata-se de
um despropósito e de uma ingerência indevida na situação interna do
país. Embora o Brasil não seja o mais estridente em condenar o que está
estupidamente sendo chamado de “golpe”, é, na prática, quem lidera a
pressão. Nos bastidores, ninguém conta com a volta de Fernando Lugo. O
objetivo, dizem, é “desencorajar ações do gênero” no continente. E aí
está o problema. Afinal, desencorajar o quê?
Se é assim,
então estamos falando de um grupo de dirigentes que, para proteger as
respectivas cabeças, não se importam em criar dificuldades adicionais
para seis milhões de paraguaios. Uma coisa é condenar golpes de estado;
outra, distinta, é chamar de “golpe” uma solução prevista na
Constituição e endossada pelo Judiciário.
Por que falo
em “proteger as respectivas cabeças”? Estamos diante de uma questão de
fundamento. Uma das tarefas de um presidente da República é defender a
Constituição do seu país. As constituições são diferentes, mas esse
julgamento é universal. Assim, supremos mandatários, a menos que sejam
ditadores, não são intocáveis. Poder ser destituídos de seus cargos —
coisa que já se viu, diga-se, no Paraguai e no Brasil. Os textos
constitucionais costumam estabelecer as circunstâncias em que isso é
possível. No Paraguai, tudo se deu dentro da lei.
Tanto isso é
verdade que o próprio Lugo admitiu que a saída estava prevista em lei.
Sua reação foi quase abúlica. Até cheguei a pensar que, intimamente,
torcia para que isso acontecesse. Restaria, assim, o mito de que tentou
fazer algo de grande em seu país, mas foi impedido pelos reacionários de
sempre. Ontem, eu o vi na TV tentando falar grosso, de modo muito pouco
convincente. Presidentes sul-americanos — Dilma inclusive — estão
incitando-o a reagir. NOS BASTIDORES DO PLANALTO E DO ITARAMARATY,
SAIBAM, HOUVE CERTA DECEPÇÃO POR NÃO HAVER POVO NA RUA COM A FACA NOS
DENTES.
É claro que
gente como Rafael Correa, Cristina Kirchner, Evo Morales e, obviamente,
Hugo Chávez não gosta de ver um presidente destituído por “mau
desempenho de suas funções”, sendo entendida essa acusação, basicamente,
como colaboração ativa com os ditos “sem-terra”, que passaram a
praticar toda sorte de violências no Paraguai, inclusive e muito
especialmente contra produtores rurais brasileiros radicados naquele
país. Ora, então não são estes mesmos dirigentes notórios transgressores
da lei? Ouvir esses quatro destruidores de instituições falar em nome
da democracia é de dar engulho moral.
Não pensem
que o Brasil é inocente nessa história, não! Sejamos rigorosos com o
nosso próprio quintal. Um país em que o dinheiro público — do governo
federal, de governos estaduais, prefeituras e de estatais — financia
abertamente o subjornalismo de aluguel, que existe com o único propósito
de fazer política partidária, padece, quando menos, de um mal-estar
democrático. Esse mesmo Brasil assistiu a reiteradas tentativas de
censurar a imprensa — malsucedidas, é verdade, mas existiram — durante o
governo Lula. Dilma, reconheça-se, não avançou nesse projeto, mas
manteve intocada a máquina de difamação da oposição e de instituições. E
tudo, reitero!, com DINHEIRO PÚBLICO. Quais outras democracias do mundo
conviveriam com coisas assim? Deixem-me ver: a venezuelana, a
equatoriana, a argentina, a boliviana…
Em suma, o
alinhamento a que assistimos contra o novo governo do Paraguai é
constituído de tiranetes de meia-tigela, que não têm o menor compromisso
com a democracia e com as instituições. Que seja o Brasil a liderar
essa súcia, só temos a lamentar. Ao condenar o novo governo do Paraguai e
ao tentar isolá-lo, esses dirigentes sul-americanos estão é tentando
garantir a própria impunidade.
Os tolos
Ao defender na sua coluna de ontem na Folha — escrevi a respeito
— os mensaleiros, o jornalista Janio de Freitas não poderia ter sido
mais preciso, a despeito das próprias intenções. Chamou de “político” um
processo que é criminal e afirmou que o verdadeiro confronto no STF se
dará entre “forças reformistas” (os réus), que teriam cometido “erros”, e
os “conservadores”. Janio está querendo dizer que, se os mensaleiros
forem condenados, será uma derrota dos “progressistas”, uma derrota do
bem!!!
Eis o debate
subjacente a essa patacoada em defesa de Lugo: ele é, afinal de contas,
um “reformista”, um homem de esquerda. Lendo a coluna de Janio sobre os
mensaleiros, ficamos com a impressão de que os verdadeiros bandidos são
aqueles que os acusam. Vendo a reação dos governos sul-americanos à
crise paraguaia, somos levados a constatar que os verdadeiros culpados
pelo massacre havido no país são os… adversários do ex-presidente.
Alguns tolos
caem nessa conversa, que é só ideologia rombuda. A verdade insofismável
é que esses governantes chegam ao poder segundo as regras da democracia
e, uma vez entronizados, decidem solapá-la, cada um à sua maneira.
Dilma e os aloprados do subcontinente estão dizendo que pouco importa o
que faça um “progressista”: tem de ser tolerado.
Não deixa de
ser engraçado e um tanto patético ver Lugo posando de grande líder da
resistência, papel que alguns presidentes sul-americanos querem lhe
impor à força. Não leva jeito pra coisa. De todo modo, anunciou que vai
para a reunião dos presidentes do Mercosul em Mendoza, na Argentina —
para a qual Federico Franco, novo presidente, não foi convidado. Nem
poderia, oficialmente, o país está suspenso. E o que Lugo vai fazer lá?
Trata-se de uma agressão ostensiva à soberania do Paraguai.
Eu também
acho que estamos diante de um confronto entre os que aceitam os valores
da democracia e os que os repudiam. Ocorre que, nesse caso, os bandidos
são os mocinhos, e os que se apresentam como mocinhos são os bandidos.