segunda-feira, 25 de junho de 2012

Candidatos a ditadores da América do Sul querem imunidade. Ou: A suspensão do Paraguai do Mercosul – Uma história em que os bandidos são mocinhos, e os mocinhos, bandidos

Os países que integram o Mercosul e a Unasul anunciaram ontem a suspensão do Paraguai dos dois organismos — até, ao menos, a realização de eleições, previstas para abril. O Brasil lidera a pressão. Trata-se de um despropósito e de uma ingerência indevida na situação interna do país. Embora o Brasil não seja o mais estridente em condenar o que está estupidamente sendo chamado de “golpe”, é, na prática, quem lidera a pressão. Nos bastidores, ninguém conta com a volta de Fernando Lugo. O objetivo, dizem, é “desencorajar ações do gênero” no continente. E aí está o problema. Afinal, desencorajar o quê?
Se é assim, então estamos falando de um grupo de dirigentes que, para proteger as respectivas cabeças, não se importam em criar dificuldades adicionais para seis milhões de paraguaios. Uma coisa é condenar golpes de estado; outra, distinta, é chamar de “golpe” uma solução prevista na Constituição e endossada pelo Judiciário.
Por que falo em “proteger as respectivas cabeças”? Estamos diante de uma questão de fundamento. Uma das tarefas de um presidente da República é defender a Constituição do seu país. As constituições são diferentes, mas esse julgamento é universal. Assim, supremos mandatários, a menos que sejam ditadores, não são intocáveis. Poder ser destituídos de seus cargos — coisa que já se viu, diga-se, no Paraguai e no Brasil. Os textos constitucionais costumam estabelecer as circunstâncias em que isso é possível. No Paraguai, tudo se deu dentro da lei.
Tanto isso é verdade que o próprio Lugo admitiu que a saída estava prevista em lei. Sua reação foi quase abúlica. Até cheguei a pensar que, intimamente, torcia para que isso acontecesse. Restaria, assim, o mito de que tentou fazer algo de grande em seu país, mas foi impedido pelos reacionários de sempre. Ontem, eu o vi na TV tentando falar grosso, de modo muito pouco convincente. Presidentes sul-americanos — Dilma inclusive — estão incitando-o a reagir. NOS BASTIDORES DO PLANALTO E DO ITARAMARATY, SAIBAM, HOUVE CERTA DECEPÇÃO POR NÃO HAVER POVO NA RUA COM A FACA NOS DENTES.
É claro que gente como Rafael Correa, Cristina Kirchner, Evo Morales e, obviamente, Hugo Chávez não gosta de ver um presidente destituído por “mau desempenho de suas funções”, sendo entendida essa acusação, basicamente, como colaboração ativa com os ditos “sem-terra”, que passaram a praticar toda sorte de violências no Paraguai, inclusive e muito especialmente contra produtores rurais brasileiros radicados naquele país. Ora, então não são estes mesmos dirigentes notórios transgressores da lei? Ouvir esses quatro destruidores de instituições falar em nome da democracia é de dar engulho moral.
Não pensem que o Brasil é inocente nessa história, não! Sejamos rigorosos com o nosso próprio quintal. Um país em que o dinheiro público — do governo federal, de governos estaduais, prefeituras e de estatais — financia abertamente o subjornalismo de aluguel, que existe com o único propósito de fazer política partidária, padece, quando menos, de um mal-estar democrático. Esse mesmo Brasil assistiu a reiteradas tentativas de censurar a imprensa — malsucedidas, é verdade, mas existiram — durante o governo Lula. Dilma, reconheça-se, não avançou nesse projeto, mas manteve intocada a máquina de difamação da oposição e de instituições. E tudo, reitero!, com DINHEIRO PÚBLICO. Quais outras democracias do mundo conviveriam com coisas assim? Deixem-me ver: a venezuelana, a equatoriana, a argentina, a boliviana…
Em suma, o alinhamento a que assistimos contra o novo governo do Paraguai é constituído de tiranetes de meia-tigela, que não têm o menor compromisso com a democracia e com as instituições. Que seja o Brasil a liderar essa súcia, só temos a lamentar. Ao condenar o novo governo do Paraguai e ao tentar isolá-lo, esses dirigentes sul-americanos estão é tentando garantir a própria impunidade.
Os tolos
Ao defender na sua coluna de ontem na Folha — escrevi a respeito — os mensaleiros, o jornalista Janio de Freitas não poderia ter sido mais preciso, a despeito das próprias intenções. Chamou de “político” um processo que é criminal e afirmou que o verdadeiro confronto no STF se dará entre “forças reformistas” (os réus), que teriam cometido “erros”, e os “conservadores”. Janio está querendo dizer que, se os mensaleiros forem condenados, será uma derrota dos “progressistas”, uma derrota do bem!!!
Eis o debate subjacente a essa patacoada em defesa de Lugo: ele é, afinal de contas, um “reformista”, um homem de esquerda. Lendo a coluna de Janio sobre os mensaleiros, ficamos com a impressão de que os verdadeiros bandidos são aqueles que os acusam. Vendo a reação dos governos sul-americanos à crise paraguaia, somos levados a constatar que os verdadeiros culpados pelo massacre havido no país são os… adversários do ex-presidente.
Alguns tolos caem nessa conversa, que é só ideologia rombuda. A verdade insofismável é que esses governantes chegam ao poder segundo as regras da democracia e, uma vez entronizados, decidem solapá-la, cada um à sua maneira. Dilma e os aloprados do subcontinente estão dizendo que pouco importa o que faça um “progressista”: tem de ser tolerado.
Não deixa de ser engraçado e um tanto patético ver Lugo posando de grande líder da resistência, papel que alguns presidentes sul-americanos querem lhe impor à força. Não leva jeito pra coisa. De todo modo, anunciou que vai para a reunião dos presidentes do Mercosul em Mendoza, na Argentina — para a qual Federico Franco, novo presidente, não foi convidado. Nem poderia, oficialmente, o país está suspenso. E o que Lugo vai fazer lá? Trata-se de uma agressão ostensiva à soberania do Paraguai.
Eu também acho que estamos diante de um confronto entre os que aceitam os valores da democracia e os que os repudiam. Ocorre que, nesse caso, os bandidos são os mocinhos, e os que se apresentam como mocinhos são os bandidos.
Por Reinaldo Azevedo

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