quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

PGR leva 5 meses para incluir Temer em inquérito sobre o jantar no Jaburu


A procuradora-geral da República Raquel Dodge pediu nesta terça-feira ao Supremo Tribunal Federal a inclusão de Michel Temer na lista de investigados do inquérito sobre o jantar do Jaburu em que Marcelo Odebrecht foi mordido em R$ 10 milhões. Ela poderia ter tomado essa providência logo depois de sua posse na chefia do Ministério Público Federal, em 17 de setembro do ano passado. Contudo, demorou mais de cinco meses para encaminhar a petição ao ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato.
Rodrigo Janot, o antecessor de Raquel Dodge, havia excluído Temer do inquérito, aberto há um ano, sob a alegação de que ele desfrutava de “imunidade temporária” por conta do parágrafo 4º do artigo 86 da Constituição. Nesse trecho, o texto constitucional prevê que o presidente da República, enquanto estiver exercendo o mandato, “não pode ser responsabilidado por atos estranhos ao exercício de suas funções.” Os fatos delatados pela turma da Odebrecht ocorreram na época em que Temer ainda era vice de Dilma Rousseff.
Dodge discorda de Jantot. Para ela, a Constituição veda a apresentação de denúncias contra o presidente por crimes alheios ao mandato. Mas não impede a abertura de investigação. A doutora não abraçou essa tese agora. Ela já pensava assim em junho do ano passado, quando ainda era apenas uma candidata à poltrona de procuradora-geral.
A hipótese de abertura de investigação contra o presidente da República foi mencionada num debate entre candidatos à sucessão de Janot. Nele, Raquel Dodge se contrapôs à colega Sandra Cureau ao interpretar o parágrafo 4º do artigo 86 da Constituição, que anota o seguinte: “O presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.”
Para Sandra Cureau, o texto constitucional protege o presidente de investigações relativas a crimes praticados antes do início do mandato. Raquel Dodge sustentou na época que seria possível investigar o presidente, desde que a Procuradoria se abstivesse de formular uma denúncia antes do término do mandato.
Nesse debate de junho de 2017, Raquel Dodge trocou seu raciocínio em miúdos: “Me refiro à possibilidade [de investigação] com os argumentos de que ninguém está acima da lei e, também, para preservar os vestígios e as provas. Mas isso deve ser feito com cautela, para não manchar o mandato do presidente da República.”
Na petição que acaba de enviar ao ministro Edson Fachin, Raquel Dodge repetiu os argumentos que utilizara em campanha. Sustentou que o presidente da República só “não poderá sofrer responsabilização em ação penal enquanto durar seu mandato”, mas pode, sim, ser investigado.
A procuradora-geral anotou: “Considero necessário tratar da ampliação do rol de investigados neste inquérito para incluir o senhor presidente da República Michel Temer, por considerar que a apuração dos fatos em relação ao presidente da República não afronta” a Constituição.
A sucessora de Janot esgrimiu a tese segundo a qual a investigação não pode esperar, sob pena de esquecimento dos detalhes por parte de testemunhas ou do comprometimento de provas. “Os fatos narrados pelos colaboradores e os elementos de corroboração que trouxeram reclamam investigação imediata”, afirmou.
O processo sobre o jantar do Jaburu já estava no Supremo quando Raquel Dodge tomou posse. Sem Temer, figuram no rol de investigados os ministros palacianos Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência). O que a procuradora-geral não explicou foi o seguinte: se avalia que os fatos reclamam “investigação imediata” por que demorou mais de cinco meses para agir?
Segunda mais votada na lista tríplice dos procuradores, Raquel Dodge foi indicada por Temer com o apoio da cúpula do PMDB. O presidente compareceu à sua posse. Naquela época, a Câmara já havia enfiado dentro do freezer a denúncia em que Temer foi acusado de corrupção passiva. Estava pendente de votação a segunda denúncia, na qual Janot atribui ao presidente os crimes de organização criminosa e obstrução da Justiça.
Foi contra esse pano de fundo que a nova procuradora-geral optou por adiar o pedido de investigação de Temer, só agora submetido à consideração do Supremo. Reveja abaixo o vídeo do depoimento em que Marcelo Odebrecht, hoje em prisão domiciliar, revelou detalhes sobre o jantar monetário que teve com Temer e seus ministros. Ele foi um dos seis delatores que forneceram dados utilizados no processo.

FHC enxerga Alckmin-2018 com olhos de coveiro


Para um pedaço do tucanato, Fernando Henrique Cardoso tornou-se um ancião excêntrico, que é tolerado pela família porque, afinal, é da família. Mas o grupo de Geraldo Alckmin não sabe muito bem como tratá-lo. FHC atravessa aquela fase da existência em que a pessoa já viveu o bastante para saber que certas opiniões podem lhe custar amigos. Mas às vezes ele prefere ter opiniões a ter amigos.
Nesta terça-feira, em evento promovido pelo Estadão, FHC sapecou: “Vou dizer algo que vai desagradar meus amigos. Mas quem for candidato do mercado vai perder, porque será simbolizado como dos ricos. Aí acabou, porque o país não é composto por mercado só. Tem que ser um candidato que faça as pessoas sentirem que a vida delas estará segura e terá mais oportunidades e decência.”
No momento, três pretendentes ao trono têm a cara de candidatos do mercado: Alckmin, o ministro da Fazenda Henrique Meirelles e o presidente da Câmara Rodrigo Maia. Nenhum deles exibe índices exuberantes nas pesquisas. Mas as taxas de Alckmin são, digamos, menos piores. O que leva o mercado a acender velas por ele. FHC dedica-se a soprar as chamas.
Alckmin acaba de confiar a confecção do seu projeto econômico ao economista Pérsio Arida, um dos pais do Plano Real. Após defini-lo como “gênio”, FHC declarou que a maioria do eleitoado não quer saber de planos técnicos. Para ele, não basta ao candidato ter “gênios” em seu comitê. É preciso que o pretendente ao Planalto saiba trazudir as propostas, seduzindo o eleitor.
Crivado de perguntas sobre o potencial de vitória de Alckmim, o ancião do ninho disse que o candidato “tem chance”. E logo se explicou: “Eu digo chance porque estou fazendo uma análise. Depende de como se desempenhe.” A cada movimento dos lábios, FHC deixa mais claro que enxerga a candidatura do correligionário com um entusiasmo de coveiro.
Em privado, FHC afirma objetivamente que Alckmin não empolga. Embora o candidato se considere vivo na disputa, o ex-presidente tucano o trata como um vivo tão pouco convincente que logo começará a receber coroas de flores. É como se o ancião tivesse pesadelos todas as noites. Nos sonhos ruins, FHC está na poltrona do piloto. Ele dialoga com seus botões como se fossem co-pilotos:
— Porta dianteira fechada, diz FHC no pesadelo.
— OK, confere, respondem os seus botões.
— Porta traseira…
— Porta traseira fechada.
— Pressurização acionada.
— Ok.
— Temperatura interna 22 graus.
— 22 graus. Confere.
— Flaps da direita em ‘on’.
— Confere.
— Flaps da esquerda…
— Acionados.
— Então. vamos levantar vôo.
— As turbinas não respondem!
— Como?
— Minha nossa! Estamos sem as turbinas!
— Como fomos embarcar nessa?!? Sabia que estava faltando algo!


Num instante em que Michel Temer intensifica sua “guerra” contra o crime organizado, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, autorizou a prorrogação por 60 dias do inquérito em que o presidente é investigado, mais uma vez, por suspeita de recebimento de propina, agora no caso dos portos. Supremo paradoxo: Temer combate o que chama de “metástase” do crime organizado e não pára de protagonizar processos que expõem o câncer da corrupção.
Nos últimos dias, Temer tomou gosto pelo hábito de subir no caixote para pronunciar entusiasmados discursos sobre o combate aos criminosos das favelas cariocas. Mas o presidente se irrita quando indagado sobre os crimes do poder. “Não volte nesse assunto”, pediu, ao ser perguntado sobre como ficaria a Lava Jato com o deslocamento da Polícia Federal para a pasta da Segurança Pública.
Coisas muitos estranhas acontecem no inquérito que apura a suspeita de recebimento de propina em troca de benefícios a empresas do setor portuário. A Polícia Federal e a Procuradoria, se desentendem. O delegado do caso pediu a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Temer. A procuradora-geral Raquel Dodge barrou a providência.
O ministro Raul Jungman mal assumiu a pasta da Segurança e já demitiu o diretor-geral da PF, Fernando Segovia, que insinuara no Carnaval que o inquérito contra Temer seria arquivado. Nesse contexto tóxico, a prorrogação das onvestigações contra o presidente da República serve para recordar aos brasileiros que o tumor é gigantesco. A metástase se estende da boca de fumo no pé do morro até o Palácio do Planalto.

Jungmann chuta Segovia para demarcar a área


Não está escrito em nenhum manual. Mas existe entre os zagueiros uma regra segundo a qual a primeira entrada no adversário deve ser na canela. É a melhor maneira de demonstrar quem manda nos arredores da grande área. E nenhum juiz expulsa jogador nos primeiros minutos do jogo. Empossado na nova pasta da Segurança, Raul Jungmann tinha no diretor da PF, Fernando Segóvia, seu problema mais imediato. Com a rapidez de um raio, retirou-o de campo. E Michel Temer, que ficaria mal se esboçasse contrariedade, assentiu. Na véspera, auxiliares do presidente diziam que nada mudaria na PF.
Segóvia caiu porque sua companhia tornou-se constrangedora. No afão de prestar serviços a Temer, o personagem esqueceu de maneirar. No Carnaval, tisnara a imagem da PF ao insinuar que o inquérito sobre propinas portuárias, estrelado pelo presidente, desceria ao arquivo. De resto, deixara no ar a impressão de que o delegado que perscrutava o calcanhar de vidro de Temer poderia ser punido. Antes, Segóvia já havia declarado que a mala com a propina de R$ 500 mil que a JBS entregou a Rocha Loures, o preposto de Temer, não era prova de nada.
Ao inaugurar sua gestão com um lance de zagueiro, Jungmann livrou-se de um personagem contagioso. Na chegada à pasta da Segurança, seu maior excesso seria a moderação com um diretor da PF execrado pela corporação, repreendido pela Procuradoria e proibido pelo Supremo Tribunal Federal de abrir a boca. Ao enviar Segovia à maca, o novo ministro fez o que precisava ser feito. Mas criou uma situação crivada de ironias.
Além da ironia maior de tourear uma “guerra” contra o crime organizado por procuração de um presidente com duas denúncias criminais e um inquérito nas costas, o novo titular da Segurança viu-se compelido a desferir sua primeira canelada não num adversário, mas num jogador do time do governo. E não era nenhum centro-avante. Ao contrário. Tratava-se de outro zagueiro, escalado por José Sarney para conter os atacantes da Lava Jato. Junto com Segovia, saiu de campo numa maca a ideia de que é possível domesticar a Polícia Federal.
A demissão de Fernando Segovia chegou bem e veio tarde. O inaceitável comandou a PF por inacreditáveis 99 dias. O novo diretor da PF, Rogério Galloro, era o número dois na hierarquia da PF na gestão de Leandro Daiello, o ex-diretor da PF que se notabilizou por dar asas à Lava Jato.
Josias de Souza