1. A decisão
O juiz José Carlos Francisco, da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, decidiu pela improcedência da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra o SBT pelo comentário da apresentadora Rachel Sheherazade em 4 de fevereiro de 2014 sobre o caso em que 14 pessoas amarraram um pivete com registros criminais a um poste na Zona Sul do Rio de Janeiro, pelo pescoço, com um cadeado de bicicleta.
A ação visava impor à emissora de TV a “obrigação de reparação de dano extrapatrimonial, bem como a obrigação de fazer consistente na exibição”, pela jornalista, “de um quadro com retratação das declarações de hostilidade proferidas contra adolescente durante uma ou mais edições do programa” no qual foram veiculados os “comentários incitando a hostilidade, o crime de tortura e a violência injustificada; e à União Federal, que proceda à fiscalização adequada do programa em questão”.
Rachel havia dito que num país que “sofre de violência endêmica, a atitude dos vingadores é até compreensível” e que “o contra-ataque aos bandidos é o que eu chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado contra um estado de violência sem limite”. Eis o vídeo original:
José Carlos Francisco apontou que o Estado não é de fato onipotente nem onipresente, e que a reação da jornalista, entre outras possíveis, está “dentro do pluralismo assegurado pelo sistema jurídico”, mesmo que tenha embutido a sugestão de reações igualmente agressivas se comparadas a de criminosos.
“É claro que as instituições estatais não devem concordar com o conteúdo da manifestação da empresa ré e da jornalista, porque sugerir que os cidadãos se armem para reagir ou contra-atacar criminosos categoricamente não está dentre as políticas públicas de combate à criminalidade na sociedade brasileira. Mas essas mesmas instituições estatais, tão criticadas, estão presentes para assegurar à empresa ré e à jornalista a liberdade de imprensa, esperando que o senso de responsabilidade dos deveres de cidadania orientam o exercício profissional para o bom uso das liberdades”, escreveu o juiz.
José Carlos Francisco também registrou que “o pressuposto do exercício de liberdade de expressão e opinião é a ausência de censura prévia estatal” e que, portanto, “a União empreende fiscalização das programações televisivas de maneira a evitar o cometimento do abuso de direito, mas sem ela própria incorrer no excesso de censurar ou restringir a liberdade de expressão a todos garantida”.
Parabéns pela decisão, senhor juiz.
(* Íntegra: AQUI.)
2. A explicação
Em fevereiro de 2014, após a repercussão do comentário, Rachel explicou sua posição no SBT Brasil, aludindo ao artigo 301 do Código de Processo Penal, segundo o qual “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”.
Disse a apresentadora, desfazendo o ruído entre suas frases genéricas e o caso específico do poste:
“O que não se pode fazer é confundir o direito de se defender com a barbárie, a violência pela violência. Isso jamais qualquer pessoa de bom senso poderia defender e essa pessoa não fui eu. Não defendo a violência. Eu defendo a paz, o bem e a segurança. Eu acho que todo cidadão tem de ter direito à segurança. É isso que falta neste país.”
Menos de 20 dias depois de ser amarrado ao poste, o mesmo pivete foi detido após tentar assaltar dois turistas estrangeiros em Copacabana. “Eu sou o do poste”, disse ele para evitar apanhar dos passantes.
3. A patrulha
A explicação de Rachel obviamente não foi o bastante para PSOL, PCdoB e PT. Em pleno ano de eleições presidenciais, partiu desses três partidos aliados de esquerda a primeira representação ao MPF contra a jornalista conservadora que também criticava os governos petistas no referido canal de TV aberta.
Era uma oportunidade de ouro para atingi-la e eles não podiam desperdiçar.
Marcelo Freixo, como comentei aqui (no item IV), endossou no Facebook a representação e ainda considerou a morte por linchamento de uma mulher no Guarujá um “resultado” do comentário de Rachel.
Agora que a ação foi julgada improcedente, no entanto, naturalmente psolistas, petistas e comunistas ficam caladinhos.
“Tanto barulho para me condenar e o silêncio para reconhecer o erro”, disse Rachel a este blog.
4. O autor
O procurador que assinou em nome do MPF a ação contra o SBT pelo comentário de Rachel é Pedro Antônio de Oliveira Machado.
Um dos esforços de Pedro Antônio em sua carreira foi pela libertação de Champinha (foto), que, ainda menor de idade, aos 16 anos, estuprou e matou a jovem Liana Friedenbach e seu namorado Felipe Caffé em novembro de 2003 e que, ao ser capturado, disse “Matei porque deu vontade”.
Dez anos depois, em novembro de 2013, aos 26 anos, Champinha permanecia como um dos internos da Unidade Experimental de Saúde (UES), criada pelo governo de São Paulo.
“Após o término do período improrrogável de três anos de internação na Fundação Casa, ou ao completar 21 anos, com o esgotamento da competência da Justiça da Infância, deveriam ser postos em liberdade”, argumentava Pedro, embora vários exames apontassem que Champinha continuava cruel e perigoso.
Na ocasião, alguém adivinha quem comentou o assunto na TV, criticando o procurador?
Rachel Sheherazade, claro.
Meses depois de ser criticado por Rachel neste comentário, Pedro Antônio legitimou a representação do PSOL e assinou a ação contra o SBT pelo comentário da apresentadora sobre os “justiceiros”.
Era uma oportunidade de ouro e ele tampouco podia desperdiçar? Tirem suas conclusões.
* Relembre também aqui no blog:
– O curioso caso de Fabio Porchat contra Rachel Sheherazade
– Vamos comparar Rachel Sheherazade e Francisco Bosco
– O cinismo de Ricardo Boechat contra Rachel Sheherazade
– A CENSURA COMO ELA É – Ministro Thomas Traumann pressionou SBT para calar Sheherazade
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Felipe Moura Brasil ⎯ http://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil