terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Alexandre de Moraes vota a favor de permitir prisão após condenação em segunda instância

Sucessor de Teori Zavascki, ministro disse que execução provisória não contraria presunção de inocência. Há duas ações prontas para julgamento que podem rediscutir a questão.

Por Renan Ramalho, G1, Brasília
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (Foto: Adriano Machado/Reuters)
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (Foto: Adriano Machado/Reuters)

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta terça-feira (6), durante julgamento de um caso individual, a favor da possibilidade de prender alguém após a condenação em segunda instância.
Ele já havia manifestado a posição durante discussões na Corte e também na sabatina na qual foi questionado por senadores antes de tomar posse como ministro do STF. Foi a primeira vez, porém, que ele participou, com voto, de uma decisão nesse sentido.
A discussão sobre a prisão após segunda instância voltou à tona neste ano depois que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) em janeiro. O tribunal decidiu que pena de 12 anos e 1 mês de prisão no regime fechado poderá ser executada logo após o esgotamento dos recursos na própria corte.
Desde o ano passado, advogados e juristas contrários à tese pressionam o STF a rever esse entendimento, adotado em 2016 por 6 votos a 5. Eles alegam que a execução da pena só é possível após o trânsito em julgado, quando não há mais recursos possíveis nas quatro instâncias judiciais.
Para procuradores e outros especialistas, a prisão após segunda instância se justifica porque nela se obtém a certeza de culpa do condenado com fatos e provas – nas instâncias superiores (Superior Tribunal de Justiça e STF), apenas se avaliam questões jurídicas, sobre a correta aplicação da lei e da Constituição no processo.
Ainda existem no STF duas ações prontas para julgamento em plenário que podem rediscutir a questão. Elas foram apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) e a decisão deverá ser aplicada por todos os demais tribunais do país.
O voto favorável de Moraes à prisão após segunda instância reproduz a posição de seu antecessor no STF, o ministro Teori Zavascki, que morreu num acidente aéreo no ano passado. Então relator da Operação Lava Jato na Corte, ele votou pela execução provisória no julgamento de 2016.
Na sessão desta terça, Moraes disse que num julgamento por Tribunal de Justiça estadual (TJ) ou Tribunal Regional Federal (TRF) – cortes de segunda instância – o acusado tem ampla possiblidade de se defender e provar sua inocência.
“A possibilidade de cumprimento provisório [de pena, após a segunda instância] guarda juízo de consistência, porque são dois órgãos que realizam análise de mérito”, disse o ministro no julgamento desta terça, quando o STF condenou e mandou prender o deputado federal João Rodrigues (PSD-SC).
O ministro também rechaçou a tese de que a execução após segunda instância contraria o princípio da presunção de inocência, pelo fato de que o condenado ainda poderá continuar recorrendo aos tribunais superiores
“Ambas as convenções [internacionais] exigem que, para se afastar o princípio da presunção de inocência e permitir a prisão, é preciso que haja pelo menos dois julgamentos de mérito, na primeira e segunda instância”, afirmou o ministro.
A rediscussão do assunto no plenário do STF – que pode rever o entendimento e orientar todos os demais casos – não tem data para ocorrer no STF. Em recente declaração, a presidente da Corte, Cármen Lúcia, afirmou que pautar o assunto agora, por causa da condenação de Lula, seria “apequenar” o tribunal.
Atualmente, o placar em relação à execução da pena permanece indefinido, em razão de recentes declarações de ministros que cogitaram mudar de voto.
Gilmar Mendes, que votou em favor da prisão em segunda instância, já sinalizou adesão à posição de Dias Toffoli, de permitir somente após o julgamento pelo Superior Tribunal de justiça (STJ), a terceira instância.
Rosa Weber, contudo, que votou contra a prisão após segunda instância, já disse cogitar mudar e seguir a maioria formada em 2016. Na sessão desta terça, chamada a se manifestar sobre a questão, ela preferiu não externar a posição, dizendo que no caso analisado, ainda não era o momento de analisar a prisão do deputado.
Veja a posição de cada um dos 11 ministros do STF sobre o tema:
  • Alexandre de Moraes: a favor da prisão após 2ª instância
  • Edson Fachin: a favor da prisão após 2ª instância
  • Luís Roberto Barroso: a favor da prisão após 2ª instância
  • Rosa Weber: indefinido (votou contra em 2016, mas cogita mudar)
  • Luiz Fux: a favor da prisão após 2ª instância
  • Dias Toffoli: contra a prisão após 2ª instância (a favor da prisão após 3ª instância)
  • Ricardo Lewandowski: contra a prisão após 2ª instância
  • Gilmar Mendes: indefinido (votou contra em 2016, mas cogita mudar para prisão após 3ª instância)
  • Marco Aurélio Mello: contra a prisão após 2ª instância
  • Celso de Mello: contra a prisão após 2ª instância
  • Cármen Lúcia: a favor da prisão após 2ª instância

STF faz punição de crimes parecer antinatural


Costuma-se dizer que o crime não compensa. As estatísticas da Lava Jato revelam que a coisa não é bem assim. A questão é que, quando compensa, o crime muda de nome. Chama-se foro privilegiado. Na atmosfera fluida do Supremo Tribunal Federal, em vez de conduzir os processos ao seu desfecho natural, o meio os absorve, esconde, engaveta… No limite, mata.
Foi o que aconteceu com um caso protagonizado por Romero Jucá. Investigado por suspeita de desviar verbas federais em obras de creches e poços artesianos numa cidade de Roraima, o líder de Michel Temer no Senado livrou-se da punição porque o crime, cometido há 16 anos, prescreveu nos escaninhos do STF.
A própria procuradora-geral da República Raquel Dodge requisitou o arquivamento. Foi atendida pelo ministro-relator Marco Aurélio Mello. A prescrição foi obra coletiva. A Polícia Federal e o Ministério Público forneceram parte da lenha que assou a pizza.
Corta para a Lava Jato. Deflagrada há quase quatro anos, a operação constrange a Suprema Corte. Na primeira instância, onde ardem os larápios sem mandato, o petrolão já resultou na condenação de 133 pessoas. Entre elas réus graúdos como Lula, Eduardo Cunha e Marcelo Odebrecht. O número de veredictos chega a 177, pois alguns encrencados carregam mais de uma sentença. Vários julgamentos já foram confirmados pela segunda instância. Noves fora as multas, as penas somam notáveis 1.753 anos e 7 meses de cadeia.
No Supremo Tribunal Federal, correm 193 inquéritos, 36 denúncias e 7 ações penais relacionadas à Lava Jato. O número de condenados é zero. Repetindo: a última instância do Judiciário não sentenciou um mísero colarinho branco protegido no interior da bolha do foro especial.
Sete dos 11 ministros do Supremo já votaram a favor da redução da abrangência do foro privilegiado. O escudo só valeria para os crimes cometidos durante o mandato, se tiverem alguma relação com o exercício da função pública. Mas o ministro Dias Toffoli pediu vista do processo, retardando o encontro de criminosos do poder com o mármore quente do primeiro grau.
Em vez de agir para que o crime deixe de compensar acima de um certo nível de renda e de poder, uma banda do Supremo flerta com a ideia de livrar Lula da cadeia. Fica-se com a impressão de que República não signica mais coisa pública, mas cosa nostra. Enquanto a lei não valer para todo mundo, a democracia brasileira será sempre relativa. E a corrupção continuará sendo absoluta.
A impunidade proporcionada pelo Supremo chegou a tal ponto que a investigação completa e a punição dos envolvidos parecem coisas meio, digamos, antinaturais. Romero Jucá ainda responde a uma dezena de processos criminais na Suprema Corte. ''Todos serão arquivados'', vaticina o senador, com a hedionda naturalidade. Como questionar um especialista?
Josias de Souza