Em
fevereiro, resportagem especial da VEJA alertava para a perseguição de
que eram alvos os produtores rurais brasileiros que moram no Paraguai.
Releiam a reportagem:
Governo Dilma ignora perseguição a brasileiros no Paraguai
Por Carolina Freitas:
Seguranças
particulares vigiam campos de soja em propriedade de brasileiros, em
Ñacunday, no Alto Paraná, Paraguai - Manoel Marques
A
neta do agricultor gaúcho Milton Seipel, de 54 anos, 34 vividos no
Paraguai, pediu chorando ao avô para mudar de escola. Os colegas se
uniram para, em meio a empurrões, dizer à menina de 11 anos que ela
saísse do colégio. O motivo: ela não fala o guarani, idioma nativo do
país. “Ela nasceu no Paraguai, como quatro de meus filhos, meus onze
netos e minha bisneta”, diz Seipel. “As crianças disseram que ali não
era lugar para brasileiros.” A menina trocou não só de escola como de
cidade. Para o avô restou a saudade. Da neta e de tempos mais
tranquilos.
Os
150 000 brasileiros proprietários de fazendas no estado do Alto Paraná,
leste do Paraguai, estão sob ameaça. Aproximadamente 8 000 carperos -
os sem-terra paraguaios - cercam as suas propriedades. Armados de facões
e porretes de madeira, eles destroem plantações, agridem e ameaçam os
produtores rurais. Seu discurso tem um claro componente nacionalista e,
mais que isso, de estigmatização dos brasileiros, como mostra o episódio
com a neta de Seipel. Também há indícios preocupantes de que as
autoridades paraguaias se alinham com os carperos.
No
entanto, fiel à diplomacia da condescendência adotada desde o governo
Lula em relação aos vizinhos, o Itamaraty responde de maneira tímida aos
abusos. O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, conversou
apenas uma vez com o chanceler paraguaio, Jorge Lara Castro, sobre os
conflitos. Foi coletar informações. A ordem de Patriota para que o
embaixador do Brasil no Paraguai, Eduardo Santos, visitasse a região só
aconteceu um mês depois da primeira incursão dos carperos pelas terras
de brasileiros. Só agora o Itamaraty estuda reforçar a estrutura
consular no local, informou o embaixador Eduardo Santos. A reportagem do
site de VEJA esteve na região e mostra quem são os protagonistas desse
embate e os reflexos diplomáticos dele.
A tensão
cresceu nas últimas semanas, quando o Exército paraguaio, acompanhado de
falanges de carperos, iniciou uma demarcação de terras no Alto Paraná
que ninguém no governo de Fernando Lugo conseguiu explicar até agora.
Foram fincados no chão doze marcos de concreto em sete cidades, formando
um perímetro que coincide com a área de 162 mil hectares reivindicada
pelos sem-terra como terra pública a ser destinada para reforma agrária.
Eles acusam os brasileiros de ter se apropriado dos terrenos. “Os
invasores são os brasileiros”, afirma Victoriano Lopez, comandante do
movimento. A maioria absoluta dos brasileiros que vivem no Alto Paraná,
contudo, comprou fazendas de forma legal e tem título da propriedade. E o
fato foi comprovado por sucessivas medições judiciais feitas nos
últimos anos.
Por onde passaram durante a demarcação, militares e carperos deixaram um rastro de medo.
Durante os nove dias da operação, de 12 a 21 de janeiro, foram
registrados nas delegacias da região quinze boletins de ocorrência por
invasão de propriedade privada, coação, ameaça, agressão e tentativa de
homicídio. Os excessos foram tantos que, em 23 de janeiro, o governo
suspendeu a ação. Dias depois, o ministro da Defesa, Catalino Ortiz, foi
chamado ao Senado para se explicar e admitiu irregularidades na ação.
Um dos
marcos, de concreto e pintado de laranja fluorescente, foi colocado na
propriedade de Milton Seipel. Às 13 horas de 14 de janeiro, um sábado,
apontou na porteira um grupo de quarenta carperos armados com facões e
de quatro militares. “Os campesinos chegaram, gritaram para minha mulher
prender o cachorro, abriram a porteira e entraram”, conta o produtor.
“Perguntei se eles tinham documento. Eles não mostraram nada e mandaram
que eu me calasse.”
Uma semana
depois eles apareceram nas cercanias da fazenda do brasileiro Alexi
Paulo Grutka, de 47 anos, há 20 no Paraguai. Por lá também colocaram um
marco. O filho dele, Diego, paraguaio de 23 anos, dirigia pela região
quando foi interceptado por duas caminhonetes de sem-terra. Com uma
espingarda, um revólver e facões em punho, os carperos mandaram Diego
descer do veículo e o revistaram, sob ameaças. Dispararam um tiro de
espingarda e fizeram o rapaz correr. Depois, quebraram os vidros do
carro e roubaram a carteira e o celular que Diego tinha deixado no
carro.
Os dois
casos, como o de dezenas de produtores, foram relatados pelos produtores
ao cônsul do Brasil em Ciudad Del Este, Flávio Bonzanini, em uma
reunião ainda em janeiro. Pouco foi feito desde então além de acompanhar
a situação, em obsequioso silêncio. Na terça-feira da semana passada,
mais um encontro, dessa vez com a presença do embaixador do Brasil no
Paraguai, Eduardo Santos. “Eles prometeram que agiriam dentro das
possibilidades deles. Não quiseram se comprometer com prazos ou ações”,
relata Milton Abich, gerente da Coordenadoria Agrícola do Paraguai e
filho de brasileiros. Em entrevista ao site de VEJA, o embaixador
Eduardo Santos disse que tem mantido diálogo permanente com os
integrantes do governo Lugo e que solicitou reforço policial na região
do conflito. “A tensão da comunidade brasileira é real, prática e
permanente”, disse Santos. Ainda assim, o tom usado com as autoridades
paraguaias deve se manter. “Temos um diálogo leal e amistoso com o
governo paraguaio. Nossas relações com o Paraguai são muito próximas.”
A única
medida concreta apresentada pelo Itamaraty ainda está em estudo e não
tem data para sair do papel. A diplomacia avalia a possibilidade de
criar um gabinete de crise na região de Ñacunday, na forma de um
consulado itinerante. No local, agentes consulares ficariam disponíveis
para prestar assistência direta aos brasileiros.
A diplomacia
poderia fazer muito mais pelos brasileiros, sem qualquer desrespeito à
soberania paraguaia, com um simples - porém firme - discurso do ministro
Antonio Patriota ou da presidente Dilma Rousseff a favor dos
compatriotas que lá vivem. Caso contrário, corre-se o risco de repetir
no Paraguai a postura frouxa adotada em 2006 em relação à Bolívia. Na
época, Luiz Inácio Lula da Silva tratou com brandura o programa de
nacionalização na área do gás do presidente Evo Morales, apesar dos
prejuízos causados pela política à Petrobras. Agora, estão em jogo a
vida e o sustento de milhares de brasileiros que vivem no Paraguai.