Nenhum
dos quatro principais presidenciáveis —Bolsonaro, Marina, Ciro e
Alckmin— protagonizou nada parecido com um tropeço no primeiro debate
presidencial de 2018. Por isso, é improvável que o evento resulte numa
virada de votos. Serviu apenas para consolidar posições. O canibalismo
esteve no limite do aceitável. Os contendores se deram conta de que, a
essa altura, a plateia quer mais soluções do que sangue.
Veja fotos do debate de 1º turno da Band entre presidenciáveis31 fotos
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9.ago.2018
- Oito candidatos à Presidência da República participaram do primeiro
debate das eleições deste ano. O encontro foi promovido pela Band, em
São Paulo
VEJA MAIS > Imagem: Nelson Almeida/AFP
O debate (íntegra disponível
aqui)
escancarou uma peculiaridade da atual campanha: todos desejam encarnar a
mudança. A temática foi ditada pela rua, de baixo para cima. Incluiu
uma agenda tão óbvia quanto urgente —do desemprego à roubalheira,
passando pela ruína fiscal e a precariedade dos serviços públicos.
A
má notícia é que os oito debatedores inundaram o estúdio da TV
Bandeirantes com ideias que não deram água para alcançar a canela —em
parte por conta do engessamento das regras, em parte pela aridez das
propostas. Seja como for, a esperança que os candidatos foram capazes de
inspirar nas três horas e doze minutos em que estiveram no ar cabe numa
caixa de fósforos.
A noite produziu duas vítimas: Michel Temer e
Lula, ambos ausentes. O primeiro apanhou indefeso. O segundo foi
ignorado. Temer não contou nem com a solidariedade do seu ex-ministro
Henrique Meirelles. O presidenciável cenográfico do PT teve um consolo.
O
condenado mais ilustre da Lava Jato assistiu pelo televisor instalado
em sua cela especial à saudação do companheiro Boulos, do PSOL: “Boa
noite, presidente Lula. Deveria estar aqui. Mas está preso injustamente
em Curitiba, enquanto o Temer está solto lá em Brasília”.
Bolsonaro
apresentou-se em versão ligth. Não explodiu nem mesmo quando Boulos, no
comecinho do debate, dirigiu-lhe uma pergunta dura de roer, com
prefácio desairoso: “O Brasil todo sabe que você é racista, machista,
homofóbico”, disse o rival do PSOL.
Boulos prosseguiu: “Você, em
27 anos como deputado, ficou dez anos no partido do Paulo Maluf, recebeu
auxílio moradia tendo casa, comprou cinco imóveis, fez da política um
negócio em família, tem um monte de filhos no mesmo esquema que você.”
Sapecou: “Quem é a Wal, Bolsonaro?”
E o capitão, contendo-se
dentro dos sapatos: “Eu pensei que viesse discutir política nacional
aqui.” Bolsonaro negou que Walderice, a Wal, seja funcionária fantasma
em Angra dos Reis. Estava em férias quando a reportagem da
Folha
a procurou, disse. “No tocante a patrimônio, o Ministério Público já
revirou minha vida de perna para o ar.” Os filhos? “Tenho moral para
indicar e o povo vota neles.”
Para não ser acusado de ter virado
um ex-Bolsonaro, o capitão devolveu a provocação. Expressando-se num
idioma muito parecido com o português, afirmou: “Me orgulho da minha
honestidade e não dos atos de invadir propriedade privada dos outros,
que trabalhou e suou muito para conseguir aquele patrimônio. E vai uns
desocupados invadir e levar terror na cidade.”
Líder do movimento
dos sem teto, Boulos não se deu por achado: “A Wal é funcionária
fantasma do gabinete dele. Junto com o marido dela, Edenilson, tem a
responsabilidade de cuidar dos cachorros do Bolsonaro numa das casas
dele em Angra dos Reis. O problema não é a Wal. Ela é vítima de
políticos como o Bolsonaro, que vendem essa ideia de que vão acabar com a
bandalheira e é (sic) farinha do mesmo saco. Bolsonaro representa a
velha política corrupta… Recebeu auxílio moradia tendo casa. Você não
tem vergonha?”
Sem elevar o timbre de voz, Bolsonaro encurtou a
conversa: “Teria vergonha se estivesse invadindo casa dos outros.
Auxílio moradia está previsto em lei. Se é imoral, é outra história. Não
vim aqui para bater boca com um cidadão desqualificado como esse aí”,
encerrou, devolvendo a palavra ao mediador do debate antes do
encerramento do tempo a que tinha direito para a tréplica.
Depois
desse teste de nervos, Bolsonaro fez o que se esperava dele: pregou para
convertidos. Em meio a respostas superficiais, encaixou a retórica que
lhe rende votos. Coisas como a liberação das armas, restrição aos
direitos humanos de bandidos, castração química de estupradores e
disseminação de escolas militares pelo país… Tudo isso, mais o fim do
fisiologismo. “O único que tem moral para cumprir essa missão é Jair
Bolsonaro”, declarou.
Marina e Ciro, segunda e terceiro colocado
nas pesquisas sem Lula, poderiam ter duelado entre si. Mas preferiram
alvejar Alckmin, o quarto colocado. Em certos momentos, ficou a
impressão de que a dupla receia que o rival tucano decole quando puder
ocupar o latifúndio que obteve no horário eleitoral.
Num embate
direto com Alckmin sobre educação, Marina sugeriu ao telespectador que
levasse o pé atrás ao ouvir do tucano a promessa de que dará prioridade
ao ensino fundamental. “Tome muito cuidado, porque às vezes se faz um
discurso oco da prioridade à educação, mas o condomínio já está cheio de
Lobo Mau querendo comer o dinheiro da vovozinha”. O lobo da metáfora de
Marina é o centrão, grupo partidário que encostou seu histórico de
corrupção na candidatura de Alckmin. A vovozinha é o Tesouro Nacional.
Noutro
ponto do debate, a candidata da Rede ironizou a promessa de Alckmin de
governar com os melhores quadros dos partidos políticos e da
sociedade. “Costumo dizer que a forma como se ganha determina a forma
como se governa”, declarou Marina. “E fica muito difícil acreditar que
quem se junta com aqueles que estão em graves casos de corrupção possa
de fato ter critérios que sejam levados a sério na hora da composição do
governo. Nós teremos critério. […] Quando se ganha com quem não tem
compromisso com a ética, contamina o governo e todas as promessas caem
no vazio.”
Alckmin viu-se compelido a adicionar à réplica uma
pimenta que não orna com seu apelido de ''picolé de chuchu''. Apontou
para o passado petista de Marina: “Nunca fui do PT nem ministro do PT.
Quero deixar bem claro que somos de uma outra linhagem.” Alckmin também
realçou que Marina aliou-se ao PV na campanha atual, esquecendo-se de
que abandonara a legenda em 2010 sob a alegação de que não era
compatível com seus valores.
Ciro alvejou Alckmin numa “nota de
rodapé” sobre reforma tributária. O candidato tucano dissera que seu
plano de reformulação do sistema tributário incluirá a tributação dos
dividendos das empresas. E Ciro: “Fui ministro da Fazenda, ajudei no
Plano Real, sob a liderança de Itamar Franco. O presidente Itamar
cobrava 35% de alíquota dos ricos no Imposto de Renda e eu tributava
lucros e dividendos. Foi só o PSDB assumir [no governo FHC], revogou
tudo isso. Só para a gente ter clareza da história do Brasil. Não é nada
pessoal. Quero preservar a antiga amizade que tenho com o governador
Geraldo Alckmin.”
No primeiro bloco, Boulos enxergara nos
candidatos postados no palco montado pela Band “50 tons de Temer.” No
bloco seguinte, Ciro cuidou de grudar Alckmin e o tucanato no presidente
radioativo. Lembrou que o PSDB, comandado por Alckmin, votou a favor da
reforma trabalhista de Temer. Indagou: “Se for eleito, pretende
manter?”
Alckmin classificou a reforma na CLT como “um avanço.” E
Ciro: “Essa reforma trabalhista que o PSDB aprovou, proposta pelo Michel
Temer, introduziu no mundo do trabalho brasileiro muita insegurança e
medo do futuro. Essa selvageria nunca fez país nenhum prosperar. […] É
um erro grave, vou ter que corrigir isso.” Alckmin não arredou o pé:
“Mantenho a posição. A reforma trabalhista foi necessária.”
No
pelotão que frequenta o rodapé das pesquisas, Álvaro Dias agarrou-se ao
seu slogan da “refundação da República”, prometeu “institucionalizar” a
Lava Jato e reiterou o compromisso de nomear Sergio Moro para o cargo de
ministro da Justiça. Absteve-se de esclarecer se já combinou com o juiz
do petrolão. Ainda assim, seu desempenho foi menos sofrível que o de
Meirelles.
O ex-ministro da Fazenda atravessou o debate como se
estivesse atormentado por uma dúvida: não sabia se priorizava a
desvinculação com Temer ou a vinculação com Lula, a quem serviu como
presidente do Banco Central. A certa altura, sentiu a necessidade de
esclarecer que não participou do ruinoso governo de Dilma.
Num
debate que pode ser definido como chocho, o Cabo Dacilo, desconhecido
candidato do insignificante partido Patriota, injetou comédia no tédio.
Falando sempre em nome de Deus, para glória do Senhor Jesus, o cabo
atingiu o ápice do humor ao supervalorizar o hipotético esquerdismo de
Ciro. “O senhor é um dos fundadores do Foro de São Paulo. Pode falar
aqui, para a população brasileira, sobre o Plano Ursal [União das
Repúblicas Socialistas da América Latina]. Tem algo a dizer para a nação
brasileira?”
Ciro tentou desligar seu inquisidor da tomada: “Meu
estimado cabo, eu tive muito prazer de conhecê-lo hoje. E pelo visto o
amigo também não me conhece. Não sei o que é isso, não fui fundador do
Foro de São Paulo e acho que está respondido.”
Daciolo manteve a
língua em riste: “Sabe, sim. Estamos falando aqui de um plano que se
chama Nova Ordem Mundial: conexão de toda a América do Sul, tirando
todas as fronteiras e fazendo uma única nação. Poucos ouviram falar
disso e será pouco divulgado. Quero deixar bem claro que, no nosso
governo, o comunismo não vai ter vez. A nação brasileira, no nosso
governo, será a primeira economia mundial. Para honra e glória do senhor
Jesus Cristo.”
Sob risos, Ciro arrematou: “A democracia é uma
delícia…, mas ela tem certos custos.” Por sorte, parte da audiência não
precisou arcar com todos os “custos”, pois já havia se retirado, para
encontrar o travesseiro.
Josias de Souza
10/08/2018 03:55