O ministro Luiz Fux diz que a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal)
de dar a última palavra ao Congresso em medidas cautelares contra
parlamentares, como no caso do afastamento do senador Aécio Neves do
mandato, já está tendo efeito "deletério" no país.
Para ele, a questão ainda voltará a ser debatida na corte, já que é "sensível" e a votação foi "muito dividida".
Segundo ele, "há uma sombra, uma nuvem" de informações que indicam que o
Supremo revisará a decisão de permitir a prisão de um condenado que já
foi julgado em segunda instância, o que também alimentaria o descrédito
do Judiciário.
Ao ser questionado sobre a possibilidade de Lula ser candidato a
presidente em 2018 mesmo se condenado em segunda instância, Fux
respondeu: "Pode um candidato denunciado concorrer, ser eleito, à luz
dos valores republicanos, do princípio da moralidade das eleições,
previstos na Constituição? Eu não estou concluindo. Mas são perguntas
que vão se colocar", disse ele, que presidirá o TSE (Tribunal Superior
Eleitoral) de fevereiro a agosto de 2018.
Folha - É público que há um racha hoje no STF, que se dividiria entre
ministros "que prendem" e os "que soltam". O mais recente capítulo é o
embate entre Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. O bom juiz não é o
que faz Justiça, independentemente de encarcerar ou não o acusado?
Luiz Fux - Se você pesquisar as cortes supremas do mundo, os
resultados [dos julgamentos] quase nunca são unânimes. São sempre por
maioria.
É diferente das cortes estaduais, em que os magistrados se formaram mais
ou menos na mesma universidade, têm a mesma linha ideológica.
O Supremo recebe colegas de todos os Estados, com formações
absolutamente diferentes. O ministro Gilmar Mendes tem a formação da
escola germânica. O ministro Barroso tem a formação da escola
anglo-saxônica. E eu sou mais anglo-saxônico.
E essas ideologias às vezes se chocam. O professor e jurista uruguaio
Eduardo Couture dizia que, no Judiciário brasileiro, um homem se enamora
de uma ideia, outro se enamora de outra. E discutem com grande cultura e
estupidez. É uma característica dos nossos tribunais.
Esses momentos já ocorreram antes. Mas são tão raros que chamam a
atenção. Tenho certeza de que, em breve espaço de tempo, a corte vai ter
passado por cima disso.
Por outro lado, às vezes esses episódios são necessários para que a
corte se volte para dentro dela e verifique essa metodologia de
julgamento.
Ela deveria mudar?
No meu modo de ver, se o relator lê o seu voto e o outro colega está de
acordo, não precisa fazer digressão nenhuma. Basta dizer que está de
acordo.
Eu tenho esse projeto [de mudar a metodologia de votação no STF], ou
como vice-presidente [do Supremo, cargo que assume em 2018] ou como
presidente [em 2020].
Primeiro faríamos um debate abstrato, na antessala do plenário, sobre
temas que vamos julgar. Não havendo divergências, passamos o mais rápido
possível. O rendimento será maior. E os atritos públicos diminuiriam. A
Suprema Corte americana faz isso.
O ministro Barroso diz que há uma operação abafa em andamento. Já o
ministro Gilmar Mendes afirma que juízes fazem populismo com prisões.
São visões diferentes de membros de um tribunal com formações diferentes.
O STF está em constante vigília em relação a essas operações, não só
pela gravidade dos fatos mas também pela legitimidade do tribunal, que
advém da confiança que o público tem no Supremo.
Surgirão casos em que a prova será frágil e casos em que as provas serão
robustas. Num, haverá prisão. No outro, absolvição. Não pode haver
tendência preconcebida sobre liberdade. E o Supremo não deve fazer
pesquisa de opinião pública para decidir. Eu não posso julgar uma pessoa
ouvindo a sociedade.
Delações e vazamentos são questionados na Lava Jato. É preciso, também nesses tópicos, haver mudanças?
O melhor é o critério legal, de se levantar o sigilo de uma delação
apenas depois de oferecida a denúncia [pelo Ministério Público Federal].
O vazamento é maléfico porque denigre a imagem e a honra do acusado.
Depois o procedimento não vai adiante mas a honra é irresgatável. É
preciso vigiar para que não haja essa degradação gratuita da honra
alheia.
Mas eles têm sido comuns.
Ultimamente eu tenho observado que não. Mas, num período antecedente,
nós nos incomodamos muito com isso. O processo entrava sigiloso no
gabinete do ministro e de repente a delação vazava.
O Supremo vai julgar ainda a delação da JBS.
Vamos julgar. Mas já adotamos uma providência: tão logo eles [delatores
da JBS] começaram a ter atitudes extravagantes, eu até usei a frase de
que deveriam trocar o exílio nova-iorquino para o da Papuda. Começou a
ficar evidenciado que eram líderes de uma grande cadeia de corrupção. Já
não se justificavam mais aqueles benefícios.
Mas eles já não eram criminosos, e mesmo assim receberam até o perdão judicial?
Eles eram vistos como colaboradores. Quando vídeos [da delação] vazaram,
nós vimos que o espectro de atuação deles não tinha limites.
E a maneira como depuseram representou uma afronta. Falaram com muito
descompromisso com o país, de uma forma super inadequada, jocosa.
Tratavam fatos gravíssimos com a maior indiferença. Chocaram a sociedade
toda.
Ainda assim a delação foi mantida.
Foi mantida mas nós dissemos "se futuramente houver vícios, ela vai ser avaliada".
Às vezes você afasta completamente a delação, mas o que ela continha se
comprova por outros elementos probatórios. Aí a delação é de somenos
importância.
E se houver uma contaminação das provas caso se confirme, por exemplo, que o ex-procurador Marcelo Miller orientou a delação?
É a teoria da árvore envenenada. Mas eu particularmente entendo que você
não consegue comprovar [crimes] senão através de indícios surgidos
dessa prova originária. Então teria que preservá-la.
As delações precisariam de novas regras? Há quem defenda, por exemplo, que preso não possa delatar.
O delator preso não é diferente do delator solto. Ele não pode mentir. O
que podemos afirmar, no plano biopsicológico, é que o delator preso
talvez tenha mais estímulo para delatar. Mas não é porque está preso que
não pode.
A regra tem dado certo, a delação é um instrumento super eficiente. E várias foram feitas por quem está solto.
Essa regra [de impedir que um preso delate] não passa pelo crivo do Supremo. Não passa. O preso pode delatar.
Houve abusos na Lava Jato?
Eu ainda não peguei nenhum caso de abuso. Já indeferi alguns pedidos [de
investigadores]. A obrigação do ministro é controlar eventuais
excessos. O MP, na dúvida, promove as medidas em prol da sociedade. Já
os juízes têm um comedimento de respeitar os homens da acusação ainda
infundada.
Agora, chegando a essa doutrina de presunção da inocência que às vezes o Supremo aplica: essa eu não aceito.
Às vezes o sujeito é denunciado, é condenado em primeiro grau, é
condenado no juízo de apelação [segunda instância], a condenação é
confirmada no STJ -e ele entra inocente no Supremo?
Ou seja, o senhor é a favor da manutenção da possibilidade de prisão depois da condenação em segunda instância.
Sou favorável. Isso ocorre no mundo inteiro.
O STF deve julgar em breve se mantém essa regra ou se volta a
permitir a prisão apenas depois do trânsito em julgado. Qual deve ser o
resultado?
Há juízes que vão mudar de opinião. O ministro Gilmar já se manifestou
nesse sentido. O ministro Alexandre de Moraes tem mantido as condenações
de segunda instância -informando que, enquanto a regra não muda, ele se
submete à colegialidade.
Há aí uma sobra, uma nuvem dizendo que vai haver uma modificação dessa regra.
E não seria bom. Traria a ideia de impunidade, que gera descrédito. E,
quando não acredita no Judiciário, o desejo do povo é o de fazer justiça
pelas próprias mãos.
Será uma decisão muito delicada. Como foi a decisão recente [no caso de
Aécio Neves, em que o Supremo decidiu que o Congresso tem a última
palavra sobre medidas cautelares aplicadas a parlamentares]. Qual é o
efeito deletério dessa concepção, de que qualquer medida [do Judiciário]
o Parlamento pode sustar? Veja os reflexos.
Quais foram eles?
Já temos exemplo de dois Estados em que, depois da nossa decisão,
deputados estaduais foram soltos pelas Assembleias Legislativas.
Você veja como isso já se vulgarizou.
Mas a decisão do STF não obedeceu ao princípio da separação entre os poderes?
Quando se reformulou a Constituição, se estabeleceu que, antes da
denúncia [contra o parlamentar], a bola está com o Judiciário. Depois da
denúncia, o Parlamento pode suspender a ação penal.
Então tudo o que ocorre antes, para instruir a denúncia [como, por exemplo, o afastamento do mandato], o Parlamento não se mete.
Para instruir uma denúncia, eu [juiz] às vezes preciso de medidas
urgentes, mais enérgicas. São medidas antecedentes, que o Parlamento
delegou para o Judiciário.
E por que o tribunal fez isso [afastou Aécio do mandato]?
Decisões mais graves já haviam ocorrido. O [ex-senador] Delcídio Amaral
foi preso, o [ex-deputado] Eduardo Cunha foi afastado da Câmara. E o
Parlamento não se manifestou. Então o Judiciário partiu da premissa de
que estava no caminho certo.
Quando surgiu o caso de Aécio, o Supremo agiu como vinha agindo. E houve
a reação. Muito embora essa questão possa voltar a qualquer hora.
Porque é uma questão muito sensível e a deliberação foi muito dividida.
O tema gerou mais um ensaio de crise institucional.
Essa competência do Supremo de julgar os parlamentares torna muito
difícil a harmonia entre os poderes. É um dos inconvenientes da
manutenção do foro privilegiado.
Há uma questão pulsante hoje que é a candidatura de Lula à
Presidência em 2018. Qual é a chance de o STF dar uma liminar permitindo
que ele participe da campanha, ainda que condenado em segunda
instância?
Abstratamente, eu entendo que algumas questões vão ser colocadas: a
primeira, a da Lei da Ficha Limpa [que diz que condenados em segunda
instância são inelegíveis].
A segunda é decorrente da Constituição. Ela estabelece que, quando o
presidente tem contra si uma denúncia recebida, ele tem que ser afastado
do cargo.
Ora, se o presidente é afastado, não tem muito sentido que um candidato
que já tem uma denúncia recebida concorra ao cargo. Ele se elege, assume
e depois é afastado?
E pode um candidato denunciado concorrer, ser eleito, à luz dos valores
republicanos, do princípio da moralidade das eleições, previstos na
Constituição? Eu não estou concluindo. Mas são perguntas que vão se
colocar.