Depoimento do petroleiro Renato Duque reduz a cinzas castelo de areia movediça das miragens de Lula
Publicado no Estadão
Não adianta chorar, espernear, berrar, atear fogo às vestes
nem espargir cinza nos cabelos: o depoimento do ex-diretor de Serviços
da Petrobrás Renato Duque ao juiz Sergio Moro, da 13.ª Vara Criminal
Federal de Curitiba, tem o efeito de uma bomba H na reputação e nas
miragens fantasiosas de Lula e seus miquinhos amestrados sobre o papel
dele no petrolão. Até 5 de maio a estratégia de defesa do ex-presidente
da República era um castelo com alicerces apoiados em areia movediça.
Suas bases se fundavam em hipóteses completamente estapafúrdias: o padim
de Caetés estaria sendo perseguido por uma súcia de policiais e
procuradores federais, sob o comando de um juiz tucano, bancado pelo
imperialismo americano e pela sórdida burguesia nacional para evitar que
ele fosse eleito presidente da República pela terceira vez no pleito de
2018. Fariam ainda parte desse bando de golpistas o titular da 10.ª
Vara Federal Criminal de Brasília, Vallisney de Souza Oliveira, e
Marcelos Bretas, chefe da 7.ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro. E
todos teriam o apoio em tempo integral dos procuradores da Justiça
paulista, do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e do
desembargador que relata os processos a que responde no 4.º Tribunal
Regional de Porto Alegre, João Pedro Gebran Neto. Ou seja, uma
conspiração maligna e múltipla com vários tentáculos.
Ainda de acordo com essa teoria conspiratória em que o
delírio se reúne à arrogância, à desfaçatez e ao cabotinismo em graus
extremos, causam essa raiva feroz desses agentes do Estado as conquistas
que favoreceram os pobres brasileiros nos oito anos das duas gestões de
Lula e nos cinco anos, quatro meses e 12 dias dos desgovernos de sua
afilhada, protegida e gerentona fiel Dilma Vana Rousseff Linhares. Esses
podres burgueses teriam armado o golpe que apeou madame presidenta do
poder federal por não suportarem mais pobres andrajosos viajando de
avião como se fossem abastados e os métodos implacáveis contra a
corrupção reinante na relação entre capital e burocracia estatal desde
os tempos da colônia. Pois teriam passado a ser combatidos sem dó nem
piedade pela Polícia Federal (PF) dos tempos em que era considerada
republicana até o momento em que deixou de ser comandada pelo causídico
Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça no primeiro mandarinato do
máximo chefe.
A verdade dos fatos é que as divisões internas da PF, que
vêm dos tempos da queda da ditadura militar com a eleição de Tancredo
Neves e a posse de José Sarney na Presidência da República, de fato, a
tornaram inexpugnável a ordens de cima. Até hoje, o órgão se divide
entre os tucanos ligados ao delegado e ex-deputado federal Marcelo
Itagiba; os petistas que prestaram inestimáveis serviços a José Dirceu e
seus comandados petistas na documentação usada pelas bancadas do
Partido dos Trabalhadores (PT) no impeachment de Collor e na demolição
da boa imagem conquistada por Fernando Henrique no comando da maior
revolução social da História, o Plano Real; e as viúvas de Romeu Tuma, o
ex-diretor do Dops paulista que foi guindado a diretor da instituição e
nela deixou marcas e devotados herdeiros. A verdade é que de Sarney até
hoje nenhum presidente da República exerceu completo controle sobre a
PF. Graças a essa divisão, não foram paralisadas investigações dos
agentes federais por ordens de cima sob a égide do mensalão nem muito
menos agora na Lava Jato.
A conjuntura internacional favoreceu tal “republicanismo”. O
trabalho da polícia americana para desvendar a sofisticada engenharia
financeira para tornar viável o atentado do Al Qaeda que demoliu as
Torres Gêmeas em Nova York e quase fez o mesmo com o Pentágono acordou
os ianques para a realidade de que não seria possível combater o
terrorismo sem abrir guerra contra a disseminação da corrupção. Daí,
fez-se um pacto internacional para combater a corrupção e caçar
corruptos onde quer que eles estivessem. Foi nesse contexto que Fernando
Henrique e seu ministro da Justiça, Renan Calheiros, assinaram a lei
autorizando a colaboração com a Justiça, que seus alvos e sequazes
apelidaram, talvez de forma irreversível, de “delações premiadas”. Dilma
Rousseff e seu advogado de confiança no Ministério da Justiça, José
Eduardo Martins Cardozo, não tiveram como não assinar o aperfeiçoamento
dessa forma que se tem mostrado muito eficaz para identificar e
processar larápios, de vez que a lei resulta de acordos internacionais
que não tinham como não ser firmados. A repatriação de capitais no
exterior obedece a uma lógica similar.
A chamada Ação Penal 470 foi o primeiro esforço para
investigar, processar e prender criminosos do colarinho branco. Ao
perceber que a velha regra da época dos coronéis conforme a qual só vão
para o inferno prisional nacional os três pês – pobres, prostitutas e
pardos – começava a ser demolida. A arraia miúda festejou e aplaudiu.
Tornou Joaquim Barbosa, relator do mensalão e depois presidente do STF,
seu herói da vez. Só agora é possível perceber que, de fato, esse senhor
tinha motivações ideológicas que permitiram que os verdadeiros
mandantes da roubalheira continuassem intactos. O resultado final é
lastimável. Mofam na prisão o operador Marcos Valério e alguns
empresários privados do segundo time, enquanto toda a cúpula do primeiro
governo Lula está à solta, pois um indulto da companheira Dilma foi
tornado perdão da pena por seus amiguinhos do STF. Diante do petrolão, o
mensalão é uma farsa de iniciantes nas artes cênicas. Até Zé Dirceu,
condenado por ter delinquido enquanto respondia à Justiça preso na
Papuda, acaba de ser liberado, graças à ação conjunta da trinca da
tolerância formada pelos maganões do Direito torto Gilmar Mendes,
Ricardo Lewandoswki e Dias Toffoli. Dos chefões políticos do mensalão na
cadeia resta o insignificante e abandonado Pedro Corrêa.
Apesar do talento, da expertise em lavagem de dinheiro e da
lisura do comandante da Lava Jato, o juiz Sergio Moro, não tem sido
fácil encontrar provas que incriminem o chefão de todos os petistas,
pilhados saqueando todos os cofres da República. A revista
Época
desta semana, em completa reportagem de capa de Diego Escosteguy,
reproduz copiosa documentação que dá conteúdo às delações ditas
premiadas que fundamentam os cinco processos penais e as seis citações
de Luiz Inácio Lula da Silva na lista dos 78 da Odebrecht, que virou de
Janot e, depois, de Fachin. No entanto, não falta quem o defenda dizendo
que não bastam a coincidência e a lógica dos depoimentos para
incriminá-lo. “Faltam provas”; teimam, insistem, persistem, não desistem
e repetem.
O depoimento de Renato Duque é demolidor em todos os
sentidos. Por sua origem, por exemplo. Quando Paulo Roberto Costa era o
vértice das delações dos ex-diretores da Petrobrás, o ilibado professor
Ildo Sauer, da USP, espírito de santo de orelha de Lula em matéria de
energia e ex-diretor de gás da apodrecida cúpula da Petrobrás saqueada,
garantia, em entrevista à revista de sua grei acadêmica e, depois, ao
Estadão,
que naquele corpo diretivo só havia dois dirigentes acima de suspeita,
Renato Duque e ele próprio. E demolidor também pelas revelações feitas
perante o juiz testemunhando que Lula sabia de tudo e tudo comandava e
que Dilma Rousseff, a afilhada e sucessora, se preocupava com a hipótese
de algum diretor da Petrobrás nas gestões dela ter dinheiro em contas
no exterior.
Não vai ser com seu castelo em cima de areia movediça que
Lula abalará a consistência das revelações de Duque. E mais: é possível
que ainda haja material explosivo pronto para detoná-lo. O que não terão
a dizer Eike Batista e Antônio Palocci que possa comprometê-lo? Lauro
Jardim, em sua coluna no
Globo, garante que Sérgio Andrade, dono
da Andrade Gutiérrez, até agora protegido pelo sócio Otávio Azevedo,
está negociando a própria “delação premiada”. Ele também terá muito a
dizer, não só a respeito de Sérgio Cabral, em cujo processo depôs, ou
aos investigadores das Operações Zelote e Lava Jato. E ainda a respeito
da bilionária guerra das teles, assunto que até agora ninguém abordou.
Como não está preso, não foi indiciado e mora em Lisboa, sua decisão
desmonta a tese fundamental da defesa de Lula, Dilma, Palocci
et caterva: a de que negociam redução de penas e, por isso, mentem. E agora, Luiz? DO A.NUNES