A
preservação do mandato de Michel Temer no julgamento do Tribunal
Superior Eleitoral foi o coroamento de uma articulação subterrânea que
envolveu ministros, políticos e magistrados. O roteiro básico já estava
esboçado no último mês de fevereiro. Foi exposto em notícia veiculada
aqui.
Àquela
altura, o relator do caso, ministro Herman Benjamin, pisava no
acelerador para organizar a oitiva de delatores da Odebrecht sem atrasar
demasiadamente o processo. Temer e seus operadores puxavam o freio de
mão. Ainda estavam inseguros quanto à posição de alguns magistrados.
Dois
dos sete ministros que compunham o plenário do TSE teriam de deixar o
tribunal. Henrique Neves sairia em abril. Luciana Lóssio, em maio.
Caberia a Temer indicar os substitutos. Estava entendido que ocupariam
as vagas dois advogados que já atuavam como juízes substitutos no TSE:
Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira.
Ao farejar a manobra, o relator
adiantou o relógio. Intimou delatores da Odebrecht para depor em plena
Quarta-feira de Cinzas. E sinalizou a intenção de submeter seu voto ao
julgamento do plenário do TSE antes da saída dos colegas Henrique Neves e
Luciana Lóssio.
Atento à movimentação do relator, o Planalto
providenciou um antídoto. Armou-se para acionar um pedido de vista.
Ficou acertado que, caso fosse necessário empurrar o julgamento com a
barriga, o ministro Napoleão Nunes Maia pediria prazo para estudar mais
detidamente os autos.
Nessa ocasião, Gilmar Mendes, o
polêmico presidente do TSE, já repisava o bordão segundo o qual o importante era conhecer a podridão da campanha, não cassar mandatos.
“Esse
processo é extremamente importante, histórico, independentemente do
resultado”, disse Gilmar em fevereiro. “No fundo, o que se investiga?
Uma forma de fazer política, que nós esparamos que fique no passado.
Então, mais do que a importância do resultado —cassação ou confirmação,
improcedência ou procedência—, o importante é que haja esse documento
histórico sobre como se fazia campanha no Brasil. Nesse caso, um retrato
bastante autêntico, porque estamos falando de campanha presidencial. É
uma campanha presidencial vencedora. Isso é o que me parece relevante.”
No final de março, Benjamin concluiu a redação do seu relatório final. Havia duas certezas nos porões de Brasília:
1) o relator votaria a favor da interrupção do mandato de Temer e da cassação dos direitos políticos de Dilma.
2) um grande acordo costurado nos bastidores salvaria Temer e, de cambulhada, pouparia Dilma.
No
relatório de Benjamin, o miolo da picanha era o conjunto de revelações
feitas pelos delatores da Odebrecht sobre os repasses de verbas de má
origem para a campanha da chapa Dilma-Temer. Inimigos figadais, os réus
se uniram num esforço para banir do processo tudo o que dissessse
respeito à Odebrecht. Os advogados de Temer e Dilma trataram do tema nas
“alegações finais” que entregaram a Benjamin.
Como
queria o relator, o julgamento foi marcado para 4 de abril, quando
ainda estavam no tribunal os ministros Henrique Neves e Luciana Lóssio.
Como tramava o Planalto, a sessão foi adiada antes que Benjamin pudesse
iniciar a leitura do seu relatório. As defesas se queixaram de
cerceamento. Obtiveram mais prazo para refazer suas petições finais: em
vez de dois dias, cinco dias.
O Planalto nem precisou lançar mão
do pedido de vista que o ministro Napoleão se dispusera a patrocinar.
Graças a uma requisição de Nicolao dino, representante do Mnistério
Público Federal, o TSE decidiu por 6 votos a 1 reabrir a fase de
instrução do processo para interrogar o casal do marketing João Santana e
Monica Moura, além de um funcionário da empresa da dupla. Aprovou-se
também, a pedido da defesa de Dilma, a oitiva do ex-ministro petista
Guido Mantega.
Benjamiu manifestou o receio de que o processo
começasse a virar “um universo sem fim”. Ele declarou na ocasião: “Não
vamos querer ouvir Adão e Eva e a serpente.” E seu colega Napoleão: “Eu
também não quero retornar ao Paraíso, a não ser que fosse no período
anterior à queda.”
Às vésperas do reinício do julgamento, a encenação ganhou um enredo para ser encenado no último ato. Conforme noticiado
aqui
há oito dias, o plenário do TSE, agora já adornado com as presenças de
Admar e Tarcísio, os dois indicados de Temer, tramava excluir do
processo todas as provas relacionadas às doações ilegais da Odebrecht.
Exatamente como haviam requerido as defesas de Temer e Dilma.
Os
advogados sustentaram —e quatro dos sete ministros engoliram— a tese
segundo a qual o relator teria ultrapassado os limites das petições
inciais do PSDB, autor das ações contra a chapa Dilma-Temer. Nessa
versão, Benjamin não poderia ter interrogado os delatores da Odebrecht
nem os marqueteiros Santana e Monica.
Para levar a manobra
adiante, o TSE violou decisões que seus próprios ministros haviam
tomado. O interrogatório de Santana e Monica fora aprovado em plenário
no mês de abril. E as inquirições da Odebrecht escoravam-se em menções
feitas na peça inicial do PSDB. Nela, requeria-se a investigação de
doações tóxicas à campanha vencedora, feitas por empreiteiras que
prestavam serviço à Petrobras.
Como se fosse pouco, o TSE aprovara
em 2015, por um placar de 5 a 2, um voto redentor do ministro Gilmar
Mendes, hoje presidente da Corte. Então relatora de uma das ações
movidas pelo PSDB contra a chapa vitoriosa em 2014, a ministra Maria
Thereza de Assis Moura, arquivara o processo.
Em voto divergente,
Gilmar posicionou-se a favor da reabertura e, mais importante, pregou
efusivamente a necessidade de aprofundar as investigações. Sua posição
prevaleceu e virou um acórdão que Benjamin disse ter seguido como quem
segue uma ''bíblia''. No julgamento encerrado na noite desta
sexta-feira, quatro ministros deram de ombros para as deliberações
anteriores do TSE, enterraram as provas testemunhais e documentais da
Odebrecht, desconsideraram as revelações de Santana e Moura… E livraram
Temer e Dilma de punições.
Integraram a maioria: Gilmar, amigo e
conselheiro de Temer; Napoleão, que foi dispensado de levar à mesa um
pedido de vista; e os dois ministros recém-indicados pelo presidente:
Admar e Tarcísio. Votaram pela condenação da chapa, além de Benjamin, os
ministros Luiz Fui e Rosa Weber. ''A
Justiça prevaleceu'', disse, modéstia à parte, Michel Temer.