Os
ministros do Supremo Tribunal Federal voltam a debater hoje a cassação
dos mandatos dos deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT)
e Valdemar Costa Neto (PR-SP), que foram condenados pelo tribunal. A
Constituição é ambígua a respeito? É, sim! Mas ela traz também um
encadeamento que explicita por que a decisão, nesse caso, cabe ao
Supremo e não à Câmara. Numa coisa os nove ministros que votam nessa
matéria (Teori Zavascki, que substitui Cezar Peluso, já anunciou que não
participa, e ainda não há indicação para a vaga aberta com a saída de
Ayres Britto) concordam: os direitos políticos dos três
parlamentares estão suspensos pelo tempo que durar a condenação.
Atenção! Pouco importa o resultado, ainda que o STF decida por maioria
que a cassação cabe à Câmara, esses três parlamentares não poderão mais
exercer seus respectivos mandatos, e não há hipótese de o suplente José
Genoino assumir uma vaga de titular. Vamos por partes.
Pergunta-se:
é possível haver três representantes do povo com direitos políticos
suspensos? Não! É verdade que o plenário da Câmara poderia, sim, cassar
os mandatos, mas também poderia não fazê-lo. ATENÇÃO! AINDA QUE NÃO O
FAÇA CASO SEJA ELA A DECIDIR, João Paulo, Pedro Henry e Valdemar Costa
Neto não poderão voltar à Câmara. Por quê? Por causa da do Artigo 15 da
Constituição, Inciso III, a saber:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
(…)
III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
João Paulo
foi condenado a nove anos e quatro meses de cadeia; Valdemar Costa
Neto, a sete anos e dez meses; Pedro Henry, a sete anos; José Genoino, a
seis anos e onze meses. Esse é o tempo em que cada um deles ficará
privado de seus direitos políticos. Como essa legislatura tem apenas
mais dois anos, os três primeiros não poderão retomar seus respectivos
mandatos, e Genoino, que é suplente, estaria impedido de assumir uma
vaga caso um deputado petista seja nomeado para algum cargo. Mais ainda:
não poderão se candidatar nem em 2014 nem em 2018.
Atenção!
A representação popular é um dos direitos políticos do cidadão. Se ele
os perde, está impedido de exercer o mandato. Como diria Gregório de
Matos, “O todo sem a parte não é todo;/ A parte sem o todo não é parte
(…)”… Ora, como há de exercer a parte – o mandato – quem já perdeu o
todo: os direitos políticos?
ASSIM,
QUALQUER QUE SEJA A DECISÃO DO SUPREMO E QUALQUER QUE FOSSE A DECISÃO DA
CÂMARA, NÃO PODERÁ EXERCER MANDATO QUEM NÃO TEM A POSSE DE SEUS
DIREITOS POLÍTICOS. E não há feitiçaria interpretativa possível que nos
diga que os direitos só estarão suspensos a partir do fim do mandato.
De todo modo, cabe ao Supremo
Assim, no que concerne à questão puramente prática, o debate tem algo de
ocioso – no caso ao menos, já que as respectivas penas são bem maiores
do que os dois anos restantes de mandato. Mas é preciso, sim, tomar uma
decisão. Entendo, reitero, que cabe à Mesa da Câmara, nesse caso, apenas
fazer a declaração, indicando a cassação do mandato. Por quê?
Estabelece o Artigo 55:
Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
III – que deixar de comparecer, em cada
sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que
pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V – quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;
VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
(…)
§ 2º – Nos casos dos incisos I, II e VI, a
perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado
Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da
respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso
Nacional, assegurada ampla defesa.
§ 3º – Nos casos previstos nos incisos
III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício
ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido
político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
Há uma
evidente aporia, aí, com uma coisa excluindo a outra. Sim, o Parágrafo
2º diz que, em caso de condenação criminal (Inciso VI), decide o
plenário da Câmara. Mas o Parágrafo 3º afirma que, em caso de perda o
suspensão de direitos políticos, cabe à Mesa um ato declaratório.
Encerrando
Vamos ver: entusiastas da Lei da Ficha Limpa, como Ricardo Lewandowski e
Carmen Lúcia, por exemplo, sabem que basta um colegiado de juízes
condenar alguém para que o sujeito se torne inelegível, ainda que a
sentença não tenha transitado em julgado. Aliás, um simples conselho
profissional pode fazê-lo. Se alguém, nessa condição, não pode nem mesmo
se candidatar a representante do povo, como flertar com a hipótese de
haver um representante já condenado em última instância – e sem direitos
políticos por força da Constituição? Hora de harmonizar esse troço.
Mas isso,
reitero, no caso das quatro personagens – já que Genoino está de olho
numa vanguinha na Câmara – é irrelevante. Sem direitos políticos, pouco
importa quem decida e como vote, eles não podem mais assumir seus
respectivos mandatos. Estão suspensos pelo tempo que durar a pena. E a
pena dura bem mais do que os dois anos que lhes restam.